No público ou no privado, Diana Frias nunca quis outra profissão que não
a de professora. E há cinco anos que faz da Escola Internacional de Torres
Vedras a sua casa. Mal terminou o curso, arriscou ir a uma entrevista para
começar a dar aulas, foi aceite e hoje, com 27 anos, coordena o grupo de
professores de português do ensino básico e secundário. Diana encontrou o seu
lugar no privado e, apesar de concorrer todos os anos ao público, admite que o
faz para perceber se ficaria colocada e não porque quer sair da escola onde
trabalha.
No ano letivo de 2018/2019, Diana fazia já parte dos 6,9% de professores
com menos de 30 anos que compunham o ensino particular. Esta percentagem, ainda
que baixa, contrasta com os 0,5% de docentes mais jovens que trabalham no
sector público. O corpo docente é muito mais envelhecido no público e a idade é
precisamente uma das grandes diferenças entre os dois sectores. Aliás, nos
estabelecimentos públicos, mais de metade dos professores (54,1%) tem mais de
50 anos. No privado encontram-se apenas 21,6%.
Para dar um significado aos números, Filinto Lima, presidente da
Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP),
explicou ao Expresso que o principal motivo para existirem mais professores
perto da idade da reforma no sector público do que no privado é “a autonomia na
contratação”, em que o privado, defende o também professor, sai beneficiado.
Nas escolas financiadas pelo Estado, os professores são escolhidos através de
um concurso nacional e de acordo com o tempo de serviço. Assim, os mais novos
só conseguem vaga quando os mais velhos terminarem a sua vida dedicada ao
ensino e os mais velhos estarão sempre uns passos à frente. “Ao contrário do
ensino particular, não há hipótese de nós escolhermos os professores”, explica
Filinto Lima.
A esta ideia, Manuel Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de
Professores, acrescenta que muitos professores optam por permanecer nos
colégios porque “gostam e estão já numa fase adiantada da sua carreira onde o
seu salário é também já mais elevado e, regressando ao público, além da
instabilidade do seu local de trabalho, a sua remuneração baixaria
substancialmente, integrando o primeiro escalão do vencimento do ensino
público”. É, aliás, também a olhar para a estabilidade que Diana Frias se
mantém no colégio, onde está já efetiva e onde a maioria do corpo docente não
está longe dos 30 anos.
DA ERA DOS MEGA-AGRUPAMENTOS AO PRIVADO NO SECUNDÁRIO
Colocando agora na balança o número de escolas, claro que o público será
o prato a acusar mais peso. Mesmo assim, de acordo com os dados da
Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, em dez anos, Portugal
perdeu 3491 escolas públicas — em 2009 eram 9226 escolas e em 2019 o número
caiu para 5735. Já a educação privada, apesar de registar também uma quebra,
esta é menos significativa — o ano de 2009 edificou 2808 escolas e, dez anos
depois, 176 já tinham fechado portas. Olhando para a evolução das duas partes,
o número de escolas públicas que fecharam nos últimos dez anos é superior ao
número de escolas privadas que existem hoje.
Para explicar esta diminuição, Filinto Lima, como representante dos
diretores das escolas públicas, admite que “a moda dos mega-agrupamentos” na
década passada favoreceu a extinção de centenas de escolas financiadas pelo
Estado por todo o país. “Isso fez com que escolas até com alguns alunos
fechassem e esses alunos fossem concentrados nos centros escolares. Perdemos
escolas para uma concentração forçada.” Esta ideia é, aliás, avança Filinto
Lima, uma atitude que contribui também para a desertificação do interior.
Agora, depois da era dos mega-agrupamentos, é então altura para “requalificar e
preservar as escolas de proximidade”, como está a acontecer, por exemplo, em
Vila Nova de Gaia.
NOS ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS, MAIS DE METADE DOS PROFESSORES (54,1%)
TEM MAIS DE 50 ANOS. NO PRIVADO ENCONTRAM-SE APENAS 21,6%
Apesar da perda de ambos os lados, há, no entanto, uma realidade que
poderá espelhar-se na análise dos próximos anos: o impacto da pandemia na
escolha da escola ou colégio. No início do ano letivo que agora decorre, vários
colégios denunciaram longas listas de espera, fruto da insatisfação de alguns
encarregados de educação com o ensino à distância na rede pública. E em menos
de 20 anos verifica-se um aumento, ainda que ligeiro, na preferência do privado
em relação ao ensino secundário: em 2001 16,8% preferiam os colégios e em 2019
a percentagem subiu para 21,2%. A última fase do ensino obrigatório, o
secundário, é também altura em que são feitos os exames nacionais, obrigatórios
para entrar no ensino superior. E basta olhar para o ranking do ano passado para
perceber que os colégios conseguem somar muitos pontos nesta corrida. Aliás, é
preciso descer até ao 34º lugar da lista para encontrar a escola pública com
melhor classificação média nos exames nacionais. No panorama europeu, os dados
referentes a 2018 revelam que só existem mais sete países onde o peso do
privado é maior no secundário do que em Portugal. França, Bélgica e Hungria são
alguns exemplos.
Quanto à fatura de cada um dos mundos, o resultado continua bem
diferente e distante. Enquanto no público as mensalidades do 1º ao 12º não
pesam na carteira e as únicas despesas estão relacionadas com a alimentação e
com o material escolar — que pode, ou não, incluir os manuais, uma vez que o
Ministério da Educação já faculta manuais gratuitos aos alunos —, no privado as
mensalidades somam várias centenas de euros. Por exemplo, no Colégio de Nossa
Senhora do Rosário, situado no Porto e que obteve o primeiro lugar no ranking
dos exames do secundário do ano passado, a mensalidade é de 543,15 euros para
os últimos três anos do ensino obrigatório.
EQUILÍBRIO OU DESIGUALDADE NO PRÉ-ESCOLAR?
Sendo a primeira etapa da educação básica, o ensino pré-escolar é
tutelado pelo Ministério da Educação e é a fase cuja distribuição entre alunos
inscritos no privado e alunos vinculados ao público é mais equilibrada. Neste
caso, 2019 contava com 47,6% das crianças inscritas em colégios e 52,4% na rede
pública. E, particularmente na Área Metropolitana de Lisboa, 57,1% dos mais
novos frequentavam o ensino pré-primário particular.
É aqui, na educação pré-escolar, que a Associação de Creches e Pequenos
Estabelecimentos de Ensino Particular entende que existem ainda elevados níveis
no que toca à “desigualdade”. Dentro da rede privada, há que distinguir as
instituições privadas dependentes do Estado, como as Instituições Particulares
de Solidariedade Social (IPSS), por exemplo, e as instituições independentes do
Estado, que não recebem apoios públicos. Neste último caso, “não existe
qualquer comparticipação financeira, obrigando a família a suportar
integralmente todos os custos” das mensalidades, defende a associação,
acrescentando que o Estado “continua a discriminar o apoio a crianças e alunos
em função dos estabelecimentos que frequentam, ao invés das capacidades
económicas dos encarregados de educação”. Olhando novamente para os números, o
documento publicado em setembro de 2020 sobre o “perfil do aluno” no ano
anterior dá conta de que mais de metade das crianças frequentam instituições
privadas financiadas pelo Estado. Do total de 110.047 alunos do privado, 69.486
estavam em instituições dependentes do Estado e 40.561 em colégios que não
recebem financiamento público.
Na mesma linha do financiamento surge o ensino profissional, onde as
diferenças entre os três tipos de dependência são também visíveis. Este tipo de
ensino, focado na componente prática, conseguiu ganhar espaço ao longo dos
últimos anos e passou de uma oferta de 1985 cursos em 2010, a nível do ensino
secundário, para 6317 em 2019. Destes, apenas 178 estavam inseridos em escolas
privadas independentes. Os restantes cursos estavam espalhados entre o público,
com 3956 opções, e o privado financiado pelo Estado, com 2185. Ainda que as
opções tenham aumentado nos últimos anos, nos dois sectores, a despesa pública
com o ensino profissional é cada vez menor. Segundo o Conselho Nacional de Educação,
o Estado gastou perto de 368 milhões de euros no ano letivo de 2018/2019, menos
cerca de 128 milhões de euros quando comparado com o valor gasto em 2010. O
facto de o Estado financiar parte do ensino profissional privado levou, na
semana passada, Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, a dizer que estes
estabelecimentos fazem “serviço público”. “Como sabemos, o ensino profissional,
por boas e por más razões, acaba por ser a opção para famílias com menores
rendimentos”, acrescentou (Expresso, texto da jornalista RITA PEREIRA CARVALHO
infografia de CARLOS ESTEVES ilustração de CRISTIANO SALGADO)
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