quarta-feira, fevereiro 17, 2021

Educação: Público vs. privado. A eterna discussão

 


No público ou no privado, Diana Frias nunca quis outra profissão que não a de professora. E há cinco anos que faz da Escola Internacional de Torres Vedras a sua casa. Mal terminou o curso, arriscou ir a uma entrevista para começar a dar aulas, foi aceite e hoje, com 27 anos, coordena o grupo de professores de português do ensino básico e secundário. Diana encontrou o seu lugar no privado e, apesar de concorrer todos os anos ao público, admite que o faz para perceber se ficaria colocada e não porque quer sair da escola onde trabalha.

No ano letivo de 2018/2019, Diana fazia já parte dos 6,9% de professores com menos de 30 anos que compunham o ensino particular. Esta percentagem, ainda que baixa, contrasta com os 0,5% de docentes mais jovens que trabalham no sector público. O corpo docente é muito mais envelhecido no público e a idade é precisamente uma das grandes diferenças entre os dois sectores. Aliás, nos estabelecimentos públicos, mais de metade dos professores (54,1%) tem mais de 50 anos. No privado encontram-se apenas 21,6%.

Para dar um significado aos números, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), explicou ao Expresso que o principal motivo para existirem mais professores perto da idade da reforma no sector público do que no privado é “a autonomia na contratação”, em que o privado, defende o também professor, sai beneficiado. Nas escolas financiadas pelo Estado, os professores são escolhidos através de um concurso nacional e de acordo com o tempo de serviço. Assim, os mais novos só conseguem vaga quando os mais velhos terminarem a sua vida dedicada ao ensino e os mais velhos estarão sempre uns passos à frente. “Ao contrário do ensino particular, não há hipótese de nós escolhermos os professores”, explica Filinto Lima.

A esta ideia, Manuel Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Professores, acrescenta que muitos professores optam por permanecer nos colégios porque “gostam e estão já numa fase adiantada da sua carreira onde o seu salário é também já mais elevado e, regressando ao público, além da instabilidade do seu local de trabalho, a sua remuneração baixaria substancialmente, integrando o primeiro escalão do vencimento do ensino público”. É, aliás, também a olhar para a estabilidade que Diana Frias se mantém no colégio, onde está já efetiva e onde a maioria do corpo docente não está longe dos 30 anos.


Os dados mais recentes, publicados em dezembro do ano passado no documento “Estado da Educação”, referem-se ao ano letivo de 2018/2019, época em que o ensino público contava com 127.158 professores, distribuídos pela educação pré-escolar, básica e secundária. Na esfera privada, os dados apontam para 19.834 mil, o equivalente a 13,5% do total de professores colocados. Apesar de os fatores idade e experiência afastarem ainda alguns professores do público, o vice-presidente da Associação Nacional de Professores defende que “há cada vez mais professores a preferirem o ensino público”. Além disso, “o saber-se que daqui a cinco ou seis anos cerca de 40 a 50 mil professores podem reformar-se é mais uma boa hipótese de trabalhar numa escola do ensino público”, acrescenta Manuel Oliveira.

DA ERA DOS MEGA-AGRUPAMENTOS AO PRIVADO NO SECUNDÁRIO

Colocando agora na balança o número de escolas, claro que o público será o prato a acusar mais peso. Mesmo assim, de acordo com os dados da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, em dez anos, Portugal perdeu 3491 escolas públicas — em 2009 eram 9226 escolas e em 2019 o número caiu para 5735. Já a educação privada, apesar de registar também uma quebra, esta é menos significativa — o ano de 2009 edificou 2808 escolas e, dez anos depois, 176 já tinham fechado portas. Olhando para a evolução das duas partes, o número de escolas públicas que fecharam nos últimos dez anos é superior ao número de escolas privadas que existem hoje.

Para explicar esta diminuição, Filinto Lima, como representante dos diretores das escolas públicas, admite que “a moda dos mega-agrupamentos” na década passada favoreceu a extinção de centenas de escolas financiadas pelo Estado por todo o país. “Isso fez com que escolas até com alguns alunos fechassem e esses alunos fossem concentrados nos centros escolares. Perdemos escolas para uma concentração forçada.” Esta ideia é, aliás, avança Filinto Lima, uma atitude que contribui também para a desertificação do interior. Agora, depois da era dos mega-agrupamentos, é então altura para “requalificar e preservar as escolas de proximidade”, como está a acontecer, por exemplo, em Vila Nova de Gaia.

NOS ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS, MAIS DE METADE DOS PROFESSORES (54,1%) TEM MAIS DE 50 ANOS. NO PRIVADO ENCONTRAM-SE APENAS 21,6%

Apesar da perda de ambos os lados, há, no entanto, uma realidade que poderá espelhar-se na análise dos próximos anos: o impacto da pandemia na escolha da escola ou colégio. No início do ano letivo que agora decorre, vários colégios denunciaram longas listas de espera, fruto da insatisfação de alguns encarregados de educação com o ensino à distância na rede pública. E em menos de 20 anos verifica-se um aumento, ainda que ligeiro, na preferência do privado em relação ao ensino secundário: em 2001 16,8% preferiam os colégios e em 2019 a percentagem subiu para 21,2%. A última fase do ensino obrigatório, o secundário, é também altura em que são feitos os exames nacionais, obrigatórios para entrar no ensino superior. E basta olhar para o ranking do ano passado para perceber que os colégios conseguem somar muitos pontos nesta corrida. Aliás, é preciso descer até ao 34º lugar da lista para encontrar a escola pública com melhor classificação média nos exames nacionais. No panorama europeu, os dados referentes a 2018 revelam que só existem mais sete países onde o peso do privado é maior no secundário do que em Portugal. França, Bélgica e Hungria são alguns exemplos.

Quanto à fatura de cada um dos mundos, o resultado continua bem diferente e distante. Enquanto no público as mensalidades do 1º ao 12º não pesam na carteira e as únicas despesas estão relacionadas com a alimentação e com o material escolar — que pode, ou não, incluir os manuais, uma vez que o Ministério da Educação já faculta manuais gratuitos aos alunos —, no privado as mensalidades somam várias centenas de euros. Por exemplo, no Colégio de Nossa Senhora do Rosário, situado no Porto e que obteve o primeiro lugar no ranking dos exames do secundário do ano passado, a mensalidade é de 543,15 euros para os últimos três anos do ensino obrigatório.

EQUILÍBRIO OU DESIGUALDADE NO PRÉ-ESCOLAR?

Sendo a primeira etapa da educação básica, o ensino pré-escolar é tutelado pelo Ministério da Educação e é a fase cuja distribuição entre alunos inscritos no privado e alunos vinculados ao público é mais equilibrada. Neste caso, 2019 contava com 47,6% das crianças inscritas em colégios e 52,4% na rede pública. E, particularmente na Área Metropolitana de Lisboa, 57,1% dos mais novos frequentavam o ensino pré-primário particular.

É aqui, na educação pré-escolar, que a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular entende que existem ainda elevados níveis no que toca à “desigualdade”. Dentro da rede privada, há que distinguir as instituições privadas dependentes do Estado, como as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), por exemplo, e as instituições independentes do Estado, que não recebem apoios públicos. Neste último caso, “não existe qualquer comparticipação financeira, obrigando a família a suportar integralmente todos os custos” das mensalidades, defende a associação, acrescentando que o Estado “continua a discriminar o apoio a crianças e alunos em função dos estabelecimentos que frequentam, ao invés das capacidades económicas dos encarregados de educação”. Olhando novamente para os números, o documento publicado em setembro de 2020 sobre o “perfil do aluno” no ano anterior dá conta de que mais de metade das crianças frequentam instituições privadas financiadas pelo Estado. Do total de 110.047 alunos do privado, 69.486 estavam em instituições dependentes do Estado e 40.561 em colégios que não recebem financiamento público.

Na mesma linha do financiamento surge o ensino profissional, onde as diferenças entre os três tipos de dependência são também visíveis. Este tipo de ensino, focado na componente prática, conseguiu ganhar espaço ao longo dos últimos anos e passou de uma oferta de 1985 cursos em 2010, a nível do ensino secundário, para 6317 em 2019. Destes, apenas 178 estavam inseridos em escolas privadas independentes. Os restantes cursos estavam espalhados entre o público, com 3956 opções, e o privado financiado pelo Estado, com 2185. Ainda que as opções tenham aumentado nos últimos anos, nos dois sectores, a despesa pública com o ensino profissional é cada vez menor. Segundo o Conselho Nacional de Educação, o Estado gastou perto de 368 milhões de euros no ano letivo de 2018/2019, menos cerca de 128 milhões de euros quando comparado com o valor gasto em 2010. O facto de o Estado financiar parte do ensino profissional privado levou, na semana passada, Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, a dizer que estes estabelecimentos fazem “serviço público”. “Como sabemos, o ensino profissional, por boas e por más razões, acaba por ser a opção para famílias com menores rendimentos”, acrescentou (Expresso, texto da jornalista RITA PEREIRA CARVALHO infografia de CARLOS ESTEVES ilustração de CRISTIANO SALGADO)

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