sábado, fevereiro 27, 2021

A era dos juros mínimos chegou ao fim

 


Os chefes dos dois maiores bancos centrais não preveem o disparo da inflação, mas financiar a dívida vai começar a ficar mais caro. O fantasma do disparo da inflação regressou, este ano, para assombrar os mercados da dívida. O primeiro sinal está a ser dado pela subida dos juros da dívida pública nos EUA e na zona euro desde meados deste mês e pelo desagravamento nas taxas negativas da Euribor projetadas para os próximos cinco anos. Apesar de Christine Lagarde e Jerome Powell, os dois principais banqueiros centrais do mundo, negarem que um disparo da inflação está no horizonte, o ciclo de mínimos históricos nas taxas da dívida parece que terminou. O que isso significa é que financiar a dívida vai ficar um pouco mais caro para Estados, famílias e empresas, ainda que os níveis previstos estejam longe de assustar.

Mais sensível para o bolso dos portugueses é a evolução das taxas Euribor que servem de referência, na zona euro, para os empréstimos das famílias e das empresas. No prazo a 3 meses, deverão subir progressivamente para níveis menos negativos. A taxa daqui a um ano deverá descer dos atuais -0,54% para -0,53%, segundo o mercado de futuros (ver gráfico). Também o ano em que regressarão a terreno positivo está, agora, menos longínquo. Os futuros da Euribor a 3 meses para daqui a cinco anos estavam ainda abaixo de zero na semana passada, para passarem, agora, para terreno positivo.

No mercado da dívida pública, a agitação é ainda maior. No prazo a 10 anos, os juros das obrigações portuguesas quadruplicaram desde o final de 2020, quando estavam perto de zero por cento (ver gráfico). As previsões apontam para um nível de juros daqui a um ano similar ao que se registava antes da pandemia, num patamar de 0,3%, muito longe de -0,012% que o Tesouro pagou em janeiro.

O problema pode tornar-se mais crítico, diz João Duque, professor no ISEG em Lisboa, quando as amortizações da dívida começarem a subir muito acima do nível atual e o custo de financiamento no mercado tiver aumentado significativamente. Os reembolsos anuais vão estar já acima de €12 mil milhões em 2022 e 2023, precisamente quando os programas de compra e de reinvestimento do Banco Central Europeu (BCE) já deverão estar em descontinuação.

LAGARDE NÃO TRAVA MERCADOS

A Alemanha está a caminho de perder a prorrogativa de se financiar em todo o longo prazo com juros abaixo de zero. Nas obrigações a 10 anos, que servem de referência na zona euro, os juros poderão mesmo regressar a terreno positivo no verão, depois de dois anos abaixo de zero. No conjunto da zona euro, a subida das taxas desde o final do ano passado é particularmente acentuada nos prazos mais longos (ver gráfico).

O aviso feito no Parlamento Europeu, esta semana, por Christine Lagarde, de que o BCE está a seguir de perto esta subida recente das taxas no mercado, não parece ter invertido a tendência. Os mercados parecem ignorar a voz grossa da francesa e os analistas esperam, agora, para ver que reação oficial poderá surgir na próxima reunião a 11 de março. As projeções para a inflação adiantadas pelo BCE não ultrapassam 1,7% daqui a 5 anos, longe da meta de 2%; contudo, subiram as previsões de 0,9% para 1,3% em 2022 e de 1,3% para 1,5% em 2023.

FMI DEU A MÃO A POWELL

No entanto, a subida mais contagiante em termos de impacto mundial poderá vir dos EUA, com um disparo das taxas de dívida a 10 anos de menos de 1% no final do ano passado para 2,4% no final deste ano (ver gráfico). Não admira, por isso, que a polémica esteja mais acesa além-Atlântico. Economistas de referência mundial, como Larry Summers, ex-secretário do Tesouro de Clinton, e Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), vieram a terreiro alertar para o risco de um disparo na inflação.

A resposta da Reserva Federal (Fed) contra os temores levantados não se fez esperar. Jerome Powell, o presidente do banco central, assegurou, esta semana, em duas audiências seguidas, aos senadores e aos deputados que “não espera que a inflação suba para níveis preocupantes”. E reafirmou que a política expansionista — provavelmente mais 1,4 biliões de dólares (€1,1 biliões) de compras de títulos em 2021 — só vai parar quando a inflação estiver sustentadamente nos 2% e o mercado laboral estiver em pleno emprego.

Powell recebeu uma ajuda de peso vinda do FMI, sublinha Marc Chandler, diretor na consultora Bannockburn Global Forex em Wall Street. Gita Gopinath, a economista-chefe daquela organização, afirmou que “extrapolar do passado é arriscado” e que a “evidência das últimas quatro décadas torna um disparo da inflação pouco provável”. No artigo de opinião que publicou no blogue do Fundo, ela admirou-se que “até economistas-pomba” (referindo-se a Summers e Blanchard) se tenham deixado envolver “no discurso da inflação” (Expresso, texto do jornalista JORGE NASCIMENTO RODRIGUES)

Sem comentários: