sábado, fevereiro 27, 2021

Caso EDP: Sócrates levanta suspeitas contra o PSD e o MP


O ex-primeiro-ministro quer intervir no processo EDP e aponta para pagamentos que levaram o MP brasileiro a relacionar dinheiro da Odebrecht com a campanha do PSD para as legislativas de 2015. Sócrates pergunta: “Porque é que não querem que me constitua como assistente?” A questão é dirigida aos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, os titulares do processo EDP que se opuseram ao pedido do ex-primeiro-ministro para ser assistente no caso que já está a ser investigado há nove anos e tem como principal arguido Manuel Pinho, ex-ministro da Economia de um dos Governos de Sócrates, e ainda António Mexia e Manso Neto, que lideravam a EDP. “O que leva os procuradores a usar argumentos tão estapafúrdios na oposição ao exercício de um simples direito?”, continua José Sócrates em declarações ao Expresso.

E que argumentos “estapafúrdios” são esses? Na resposta ao pedido de José Sócrates para ser assistente no processo, o Ministério Público alegou que Sócrates estava a “instrumentalizar” essa função, prevista na lei para auxiliar a investigação, apenas para ter acesso “antes de ser chamado” a um processo em que “como bem sabe” é “interveniente” em “parte dos factos que estão a ser investigados”. Está, por isso, a cometer um “abuso de direito”.

Na contestação a esta posição do MP, o ex-primeiro-ministro argumenta que o processo é “público” e que “qualquer pessoa pode ter acesso aos autos, nesta fase, para consulta e obtenção de cópias, extratos e certidões”. Segundo o “Observador”, a decisão final será do juiz Ivo Rosa, o mesmo que vai decidir por que crimes será Sócrates julgado na Operação Marquês ou se é ilibado sem julgamento. “Diz o senhor procurador que, constituindo-me como assistente, tenho a pretensão oculta de ter acesso aos autos”, continua o ex-PM. “Acontece que eu já tenho acesso aos autos porque o processo é público e não está em segredo de justiça. É, portanto, absurdo acusar alguém de ter intenção de vir a ter acesso àquilo a que já tem acesso.”

Para Sócrates, “a resposta” que justifica esta oposição do Ministério Público, “está no conteúdo do processo”. Isto é, “nos pagamentos da empresa Odebrecht ao consultor eleitoral do PSD — André Gustavo, um “marqueteiro” brasileiro — descritos na carta rogatória do Brasil que foi enviada para Portugal e “nas suspeitas oficiais do Ministério Público brasileiro de financiamento ilegal das campanhas eleitorais de 2011 e de 2015 do Partido Social Democrata”. O ex-governante refere-se a duas eleições em que Passos Coelho era o líder social democrata. Na primeira, o derrotado foi ele próprio, levando à sua demissão de secretário-geral do PS. Na segunda, o PSD coligou-se com o CDS e ganhou as eleições mas perdeu a maioria parlamentar e António Costa acabou por formar Governo.

Sócrates diz querer ser assistente para ajudar no “esclarecimento da verdade” e “para controlar e fazer sindicar a ação do MP”. E queixa-se de ameaças veladas: “E, para que nada falte, vem ainda a ameaça – ‘ser chamado aos autos’. As pequenas e ridículas intimidações institucionais suscitam-me um constrangedor sentimento de pena”.

“O comportamento do MP nesta questão escancara a suspeição de viés político nesta investigação. Abuso de direito? O MP não tem moral para falar em abusos”, conclui José Sócrates.

DINHEIRO VIVO DA ODEBRECHT

Os procuradores do processo EDP têm alimentado a investigação com documentos extraídos de outros inquéritos, como o 324/14 (BES) e o 1441/17 (Odebrecht). E é nos apensos deste último, que o Expresso consultou no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que as autoridades brasileiras apontam uma possível relação entre movimentos de dinheiro vivo por parte do publicitário André Gustavo e o financiamento da campanha de 2015 do PSD para as legislativas.

O relatório que o Ministério Público Federal do Brasil enviou ao DCIAP refere que “é possível identificar que os pagamentos faturados “por dentro” pela Arcos Propaganda [empresa de André Gustavo] para o Partido Social-Democrata e para a Coligação Portugal à Frente totalizam €868.943,24 e foram feitos no mesmo período e em valores muito semelhantes aos repasses em espécie feitos por fora pelo SOE (Sector de Operações Estruturadas) da Odebrecht em benefício de André Gustavo Vieira da Silva, que totalizam aproximadamente €880 mil”.

Em 2015 o publicitário aceitou receber 3 milhões de reais da Odebrecht. Uma parte serviria para subornar o então presidente da Petrobras , Aldemir Bendine (que esteve em prisão preventiva entre 2017 e 2019, no quadro da operação Lava Jato). André Gustavo admitiu em tribunal que guardava o dinheiro num apartamento em São Paulo. “Estava em malas pequenas, médias. Malas de mão, basicamente”, disse o publicitário em novembro de 2017.

Nessa ocasião, André Gustavo sustentou, porém, que o seu trabalho com o PSD foi totalmente legal. “O partido há oito anos mantém uma consultoria comigo, legal, correta, declarada no imposto de renda, declarado tudo bonitinho, não há nada errado”, afirmou. O publicitário disse também ter entregue em dinheiro vivo 950 mil reais a Aldemir Bendine em São Paulo.

A proximidade de valores entre o dinheiro que circulou em São Paulo e o que André Gustavo faturou ao PSD chamou a atenção do Ministério Público do Brasil na informação prestada ao DCIAP. “É possível que os pagamentos descritos na planilha Paulistinha (que tinha esse nome nos registos da Odebrecht por listar movimentos de dinheiro em São Paulo) com referência à obra da barragem de Baixo Sabor, em Portugal, possam se referir ao financiamento da campanha eleitoral do PSD”, refere o MP brasileiro.

A informação que o Brasil enviou para Portugal inclui um email de março de 2015 no qual os funcionários da Odebrecht comentam a existência de “uma requisição no valor de €880 mil (Obra: Baixo Sabor, codinome Príncipe)”, tendo esse pedido sido feito por Fábio Januário, um dos colaboradores da empresa em Portugal.

O nome de código Príncipe era, em 2015, o mesmo que já em 2008 e 2009 a Odebrecht usava no seu sistema de pagamentos “por fora” com o descritivo “Baixo Sabor”. Em 2008 e 2009 saíram 3,86 milhões de euros das empresas ARC Engineering Construction Services (com conta no Banif) e FastTracker Global Trading (uma offshore em Antígua e Barbuda). Daquela soma houve €1,35 milhões transferidos para um beneficiário identificado como FCannas (Francisco Canas, também conhecido como “Zé das Medalhas”, falecido em 2017) e €2,32 milhões para uma conta no ESBD — Espírito Santo Bankers Dubai em nome de José Carlos Gonçalves. Isso levou os procuradores do processo EDP a pedir uma certidão do processo Monte Branco, bem como os extratos bancários de 2008 e 2009 do ESBD no processo BES.

Estes desenvolvimentos levaram também o ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, a solicitar acesso ao processo EDP a 10 de novembro do ano passado. Dias antes tinha passado pelo DCIAP um dos administradores da Odebrecht em Portugal, Luís Cecílio, a quem foi então apreendido o telemóvel, para que as autoridades possam investigar as comunicações do aparelho. O Expresso contactou Pedro Passos Coelho que não quis pronunciar-se (Expresso, texto dos jornalistas RUI GUSTAVO e MIGUEL PRADO)

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