sábado, fevereiro 27, 2021

Madeira: As ilhas onde se vive a vida quase normal


 

São três da tarde e a esplanada do bar. Os Castrinhos está quase cheia. Os clientes vêm pelas sandes e, claro, pela poncha, que tem fama de ser das melhores. Três jovens sentados numa mesa à sombra vieram por isso e para socializar. Luana Sousa está no secundário, Pedro Andrade e Carlota Mota entraram em setembro para a Universidade de Évora, mas a pandemia trocou-lhes as voltas. Ainda aguentaram os primeiros meses, vieram de férias no Natal e regressaram ao continente, mas a 10 de fevereiro decidiram que, se era para ter aulas online, era melhor tê-las em casa, na Madeira.

“Fomos poucas vezes à universidade e não tivemos praxe, nada do que é a vida académica.” Depois de ponderar todas as variáveis, Pedro, que entrou em Desporto, decidiu arrumar as malas e fazer o resto do semestre em casa. “Ao menos aqui temos qualidade de vida”, explica Carlota, que anda no 1º ano de Enfermagem e acredita que, se calhar, no próximo ano, terá direito a experimentar o ambiente universitário. Por enquanto, a melhor opção é estar onde, pelo menos, é possível beber uma poncha de maracujá com os amigos.



A vida na Madeira segue de facto mais ou menos como antes. Não foi decretado o confinamento geral pelas autoridades de saúde e, por isso, Anselmo Castro, sócio deste bar da poncha, pode manter as portas abertas. “Perdemos 60% do movimento, os clientes não podem consumir de pé, nem se podem encostar ao muro e beber lá, está proibido o consumo na via pública, mas é melhor estar aberto, sempre dá para pagar aos empregados e manter o negócio. As quebras, mesmo assim, são grandes, perdemos os clientes que vinham à noite.”

A regra é fechar às 18h (com recolher obrigatório às 19h) e esse horário num bar que vende poncha é um rombo, tal como é nos restaurantes que só podem servir almoços ou fazer take-away. José Abreu é sócio do Londres há 45 anos, um estabelecimento com nome na baixa do Funchal, e não se lembra de viver uma crise como esta. Os turistas representavam metade da clientela, agora são muito poucos e, não fosse a fama do cozido às quintas-feiras, seria ainda mais difícil encontrar maneira de pagar aos 13 empregados.

Todos os dias faz uma ginástica para gerir os stocks e, apesar das quebras acima dos 70%, não tem dúvidas: “É melhor estar aberto.” É a esta ideia que se agarram os comerciantes enquanto esperam por clientes. “A situação é desastrosa”, confessa Manuela Pereira, dona de uma sapataria no centro do Funchal. A manhã até nem correu mal, conseguiu vender uns ténis, mas a falta de turistas e o teletrabalho imposto para conter o número de novos casos de covid-19 — a Madeira chegou a ter o maior Rt do país — fez estragos.



Como foi imposto um horário de encerramento igual para todas as atividades, os clientes de passagem são cada vez menos. “Tem dado para pagar as despesas e para me manter à tona de água, mas é preciso que, quando chegar, a bazuca seja bem distribuída e chegue às microempresas.” O plano regional de recuperação e resiliência foi apresentado esta semana e prevê mais de 300 milhões de apoios para as empresas.

60 CASOS DIÁRIOS DE COVID

A questão é saber quantas aguentam até à chegada da ajuda e ao desconfinamento dos mercados emissores de turistas. A estratégia de manter a economia a funcionar é uma tentativa de dar alguma liquidez aos negócios, enquanto as autoridades regionais de saúde procuram conter a pandemia sem confinamento geral. Os números têm descido muito mais devagar, a média está nos 60 casos diários.

O arquipélago, que passou a primeira onda sem mortos, soma já mais de 60, mas continua a haver camas para os doentes nos serviços de saúde, o que tem permitido viver uma quase normalidade. A larga maioria dos alunos das escolas da Madeira, cerca de 30 mil, continua a ter aulas presenciais e apenas os jovens que frequentam o secundário e o 3º ciclo do ensino regular estão com aulas online.

O desporto escolar e as atividades desportivas federadas estiveram suspensos — esta semana deverão ser desconfinados os desportos individuais, como o ténis e o tenis de mesa —, mas os ginásios continuam a funcionar com aulas de grupo ao ar livre e número limitado de pessoas nos espaços interiores. Também não existem entraves para ir cortar o cabelo ou arranjar as unhas. Todos os cabeleireiros e gabinetes de estética estão autorizados a funcionar.

“Não é como antes”, explica Annie Dias, cabeleireira, enquanto seca o cabelo a uma cliente. São três neste salão no Funchal, estão todas ocupadas mas os tempos já foram melhores. “As senhoras de mais idade, que vinham todas as semanas aparecem menos. E como há menos turismo, há menos dinheiro. O pior foi no ano passado, quando ficámos 45 dias fechados e sem poder trabalhar.” Mas isso foi em 2020. Na Madeira de 2021 a vida de todos os dias é quase normal, mas só até às 18h (Expresso, texto da jornalista Marta Caires, correspondente no Funchal, fotos da reportagem)

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