terça-feira, abril 28, 2020

Deixar vazios os lugares do meio. Uma "ideia idiota" ou a resposta para voltar a viajar de avião com confiança?

No que toca ao combate à propagação da covid-19, o distanciamento social é a chave. Por isso, algumas companhias aéreas planeiam voar com os lugares do meio vazios, para permitir o afastamento dos passageiros. Contudo, esta é uma medida que não agrada a todas as empresas. Será que a distância de um banco chega? E a nível económico, quais podem ser as consequências?
Com muitos aviões sem levantar voo, os planos fazem-se já com os olhos no céu. Contudo, alguns pormenores poderão ter de mudar para garantir o regresso seguro das viagens. Desta forma, são já várias as companhias aéreas que ponderam iniciar os voos com menos pessoas nas aeronaves: a alternativa é deixar vagos os lugares do meio, de forma a ser possível manter um maior distanciamento social. Segundo a BBC, esta medida não seria mal vista pelos passageiros. Afinal, é uma vantagem ir à janela a ver a vista ou do lado do corredor e poder esticar as pernas ou ir à casa de banho sem ter de pedir para passar. O lugar do meio não tem esses benefícios — apenas é positivo se a pessoa tiver à-vontade para conversar com os companheiros de viagem.
Mas será esta uma boa forma de manter as distâncias? Os aviões permitem-no realmente, de forma segura? E por quanto tempo será viável voar nestas condições?
A verdade é que as cabines dos aviões não estão configuradas para se manter o distanciamento social. Daniel Baron, diretor-geral da LIFT Aero Design, refere que, para já, deixar lugares por ocupar é a única opção. Todavia, "a longo prazo não é economicamente sustentável. Depois de a poeira assentar, todos esperamos novamente uma mobilidade global acessível. Para permitir as tarifas, especialmente se a capacidade total tiver sido reduzida, as companhias aéreas vão precisar de pessoas em todos o lugares".

Mas façamos algumas medições. Alguns estudos apontam que é necessário manter uma distância de 2 metros entre as pessoas, para evitar o contágio. Contudo, isso é impossível num avião moderno, onde os assentos têm cerca de 45 cm de largura — e é, portanto, essa a distância de segurança que se consegue com o lugar do meio vazio. Ou seja, era necessário ter mais de quatro assentos separados para manter a distância: se um avião tivesse filas de seis lugares, apenas ficariam a uso os dois assentos da janela, contando ainda com a distância do corredor. Por outro lado, esta era apenas a distância lateral. As pessoas sentam-se também nas filas à frente e atrás. Geralmente, os assentos das cabines estão espaçados em filas a uma distância de 75 a 80 centímetros. Portanto, para manter as pessoas afastadas pelo menos 2 metros, era necessário deixar duas filas completamente livres entre cada passageiro.
Para Baron, esta não é, no entanto, a única medida a considerar. "Uma combinação de rastreio antes do voo, com uma higienização completa da cabine, designações inteligentes de lugares e [utilização] de máscaras provavelmente será o caminho a seguir no curto e no médio prazo."
Neste cenário, há um factor importante a considerar pelas companhias aéreas: o de carga, ou seja, a percentagem de lugares ocupados num avião pelos passageiros, que diz se vale ou não a pena voar. Em 2019, a Associação Internacional de Transporte Aéreo citou uma taxa de ocupação global média de 84%, variando regionalmente em 89% na América do Norte e em 71% em África.
Bloquear os lugares do meio num Boeing 737 ou Airbus A320, que geralmente têm um layout de 3-3, ou até em alguns aviões maiores, como um Boeing 787 ou Airbus A350, que tendem para uma configuração de 3-3-3, significava um factor de carga de 66,7%, o que não é suficiente para permitir que as companhias aéreas operem sem registar perdas.
Como adaptação aos novos tempos, a Delta Air Lines já mudou a maneira como os passageiros embarcam nas aeronaves. Agora, as entradas fazem-se de forma a ocupar os lugares de trás para a frente, para que os passageiros não precisem de passar uns pelos outros. A companhia aérea também já está a embarcar menos pessoas de cada vez para melhorar o distanciamento físico dos passageiros.
A Wizz Air está também a implementar a mesma medida. O CEO,  Jozsef Varadi, disse que os aviões de um só corredor podem ser obrigados a deixar os lugares do meio vagos para permitir o distanciamento social a bordo. "Basicamente estaríamos a bloquear um terço dos aviões", disse Varadi à Reuters. "Um avião de 180 lugares tornar-se-ia num de 120 lugares".
Muitas companhias aéreas também estão a cancelar ou a reduzir o serviço de alimentos e bebidas a bordo para reduzir as interações entre passageiros e tripulação. Por exemplo, a Southwest está a servir garrafas de água em vez do seu habitual serviço de bebidas completo.
Face à necessidade, são já vários os projetos que vão surgindo para combater o problema das cabines dos aviões. Os designers italianos da Avio Interiors divulgaram dois novos modelos de assentos que visam manter uma distância segura entre os passageiros "de acordo com os novos requisitos" sem comprometer muito espaço a bordo, conta a CNN.
O primeiro modelo, a "poltrona Janus", adotando o nome do deus grego das mudanças e transições, consiste em que, numa fila de três lugares, o banco do meio esteja voltado para a direção oposta à dos bancos corredor e da janela, para garantir "o máximo isolamento entre os passageiros sentados um ao lado do outro". Além disso, cada banco tem uma proteção "feita de material transparente", para impedir a "propagação da respiração" entre os assentos adjacentes. A outra opção apresentada é o modelo "Glassafe", que consiste em incluir proteções nos bancos, de forma a que, se uma pessoa tossir ou espirrar, as gotículas não passem para as pessoas sentadas ao lado. Este modelo seria, por isso, mais simples de incluir nas atuais disposições dos aviões. Contudo, não há, desta forma, a garantia da distância de segurança.
A Avio Interiors disse à CNN que as companhias aéreas já demonstram interesse nos dois projetos e que a empresa está atualmente a fazer o protótipo dos dois modelos. Depois de passar por todas as fases do projeto, têm de ser aprovados pelos reguladores da aviação. No entanto, a empresa acredita que poderá lançar este tipo de bancos dentro de oito a 11 meses, caso seja possível avançar. Embora não exista garantia de que realmente vamos ver estes designs montados em aviões, esta é uma forma de as empresas mostrarem que estão atentas à atualidade, apresentando conceitos inovadores que ajudam a refletir o cenário de viagens que se está a alterar.
Uma "ideia idiota" e as consequências económicas
Contudo, nem todas as companhias concordam com a medida. O presidente da Ryanair já referiu que a companhia aérea irlandesa de baixo custo não retomará os voos se for necessário deixar assentos no meio da fila vazios para manter as distâncias de seguranças por causa da covid-19, referindo também a questão do factor de carga. Numa entrevista ao Financial Times, Michael O'Leary disse que já avisou o governo irlandês de que, se planear introduzir tais regras, "ou paga pelo assento do meio" a companhia não voará, sublinhando: "não podemos ganhar dinheiro com uma taxa de ocupação de 66%". Além disso, segundo o responsável, deixar os assentos do meio desocupados não garante distância suficiente e "é uma ideia idiota que não leva a nada".
A companhia aérea de baixo custo, que tem 99% dos aviões imobilizados devido à quase total interrupção do tráfego aéreo por causa da pandemia de covid-19, já tinha alertado no início de abril que os seus lucros estariam abaixo das expectativas para o exercício anual até final de março, o que inclui apenas o início das perturbações relacionadas com o novo coronavírus. Esta posição do presidente da Ryanair surge depois de a companhia aérea EasyJet ter admitido a possibilidade de deixar os assentos do meio vazios numa fase inicial de retoma de voos.
O diretor-geral da EasyJet para Portugal, José Lopes, também já se pronunciou sobre o assunto, dizendo que a limitação ao número de lugares nos aviões poderá pôr em causa a retoma do setor, pois fará subir “exponencialmente” os preços das passagens aéreas. Para José Lopes, o setor precisa de conhecer com a máxima antecedência o ‘roadmap’ (roteiro) para um cenário de evolução positiva da doença em Portugal para se poder preparar, e para tal, a Easyjet precisará de "pelo menos 15 dias" para testes. Segundo o responsável, não poderá também haver limitações àquilo que designou por “conectividade”.
"Se tivermos a lançar operações com o número de lugares que estão disponíveis, como atualmente estão implementadas, a um terço da capacidade não será possível estimular o mercado, porque para operarmos em situações normais vamos ter que aumentar exponencialmente os preços e aquilo que é necessário neste momento é precisamente o contrário, é baixarmos os preços", disse.
Segundo o responsável, terão que ser implementadas as necessárias medidas de segurança, como a utilização obrigatória de máscaras, que gerem confiança nos consumidores, "mas que não criem barreira à conectividade e ao custo de voar". Caso contrário, corre-se o risco de que voar "passe a ser um regresso ao passado, para algo de luxo e não algo acessível à grande maioria da população".
A certeza de que nada vai ser igual 
O líder da Boeing, David Calhoun, já referiu que o tráfego aéreo mundial vai demorar anos a regressar ao nível de antes da pandemia de covid-19, apontando um período de dois a três anos.
Calhoun, que falava numa reunião da Boeing, anunciou que são precisos três a cinco anos para que os dividendos da Boieng sejam restaurados, com o grupo aeronáutico a ser bastante atingido pelas consequências económicas da crise causada pela pandemia de covid-19. Estas dificuldades acrescem aos problemas que o grupo tem enfrentado com o aparelho 737 MAX.
"Esta crise sanitária é diferente de tudo o que conhecemos antes", afirmou Calhoun, acrescentando que haverá um período de "vários anos" antes de se atingir os níveis anteriores à pandemia.
~Calhoun traçou um quadro sombrio quanto às perspetivas do setor aéreo em geral e da Boeing em particular. "Sabemos que teremos que pedir dinheiro emprestado nos próximos seis meses", afirmou.
A Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea — Eurocontrol — estimou já que o setor aeronáutico europeu vá perder 110 mil milhões de euros este ano devido à pandemia de covid-19, entre companhias aéreas, aeroportos e prestadores de serviço. "Haverá uma perda total de receitas da indústria de aproximadamente 110 mil milhões de euros durante 2020 para as companhias aéreas, aeroportos e prestadores de serviços de navegação aérea", indica a entidade europeia numa análise divulgada.
Para chegar a este valor, a Eurocontrol teve "em conta os pontos de vista de muitas outras entidades importantes", como a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), o Conselho Internacional dos Aeroportos (ACI) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como "contactos com presidentes de principais companhias aéreas europeias".
Nesta análise publicada no seu ‘site’ a Eurocontrol traça dois diferentes "cenários de tráfego" relacionados com a recuperação do setor, que regista atualmente quebras de operação na ordem dos 90%, dadas as medidas restritivas adotadas pelos Estados-membros da União Europeia para tentar conter a propagação da pandemia (incluindo limitações nas viagens entre países). E, segundo a organização europeia, enquanto uma abordagem coordenada entre os Estados-membros iria permitir "o início da recuperação em meados de junho, com a total retoma em julho", a adoção de medidas descoordenadas a nível comunitário "iria afetar significativamente a taxa de recuperação".
Frisando que estes dois cenários dependem "muito de variáveis como a duração e a dimensão da pandemia em toda a Europa, que ainda não são claras", a Eurocontrol afirma já como adquirido que, "se as companhias aéreas tiverem de cumprir um conjunto de regulamentos à partida e outro conjunto quando o voo chega a outro Estado-membro, isso será particularmente oneroso para o setor".
Então, no que toca ao cenário das medidas coordenadas, que prevê uma abordagem comum para estabelecer procedimentos operacionais e para levantar as restrições nacionais, a Eurocontrol antecipa uma quebra de 45% (menos cinco milhões) nos voos realizados este ano dentro da Europa face ao período homólogo de 2019.
Os números pioram no caso de um cenário oposto, já que se cada país europeu começa a ditar as suas regras, as quebras na operação podem chegar aos 57% em 2020 (menos 6,2 milhões de voos) a nível europeu, também face ao ano anterior. Para esta análise, a Eurocontrol teve apenas em conta o tráfego intraeuropeu por assumir que este será o primeiro a ser retomado.
“A diferença entre os dois cenários é significativa e realça que o desenvolvimento de uma abordagem comum é vital para minimizar a perturbação e o custo da pandemia”, frisa a organização europeia, apelando então a que os Estados-membros se coordenem no levantamento das restrições e na aplicação de normas de segurança no setor.
Em ambos os casos, segundo os dados divulgados nesta análise, a recuperação só se deverá intensificar no final do ano, com as quebras a baixarem para -20% em outubro e só a descerem para -15% em fevereiro de 2021, isto no cenário mais positivo.
Atualmente (dados da semana passada) as quebras no tráfego aéreo europeu chegam aos 89%, com os voos de passageiros praticamente parados e a serem colmatados com os de transporte de mercadorias (voos de carga). Esta percentagem compara com uma redução de 41% em meados de março. Ainda segundo a Eurocontrol, em média, estão a ser efetuados por dia cerca de 3.000 a 4.000 voos na Europa, menos 20 a 30 mil do que no mesmo período de 2019.
A Covid-19
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou cerca de 207 mil mortos e infetou quase três milhões de pessoas em 193 países e territórios. Perto de 810 mil doentes foram considerados curados.
Em Portugal, morreram 928 pessoas das 24.027 confirmadas como infetadas, e há 1.357 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China. Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa 4,5 mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), encerraram o comércio não essencial e reduziram drasticamente o tráfego aéreo, paralisando setores inteiros da economia mundial.
Face a uma diminuição de novos doentes em cuidados intensivos e de contágios, alguns países começaram, entretanto, a desenvolver planos de redução do confinamento e em alguns casos, como Dinamarca, Áustria, Espanha ou Alemanha, a aliviar algumas das medidas (SAPO)

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