domingo, abril 26, 2020

OMS ignorou avisos de Taiwan para não paralisar o mundo

Taiwan alertou para risco de pandemia dois meses e meio antes de esta ser declarada. Organização recusa responsabilidades. Taiwan informou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a 31 de dezembro do risco de uma pneumonia atípica, contagiosa entre humanos, que obrigava a isolamento e seria de difícil controlo. “Sabíamos que havia perto de uma dezena de casos de pneumonia atípica, termo usado como referência à SARS [Síndrome Respiratória Aguda Grave], transmissível e causada por um coronavírus”, explica ao Expresso Wellington Shih, um dos diretores da representação económica e cultural taiwanesa em Washington (um sucedâneo de embaixada, dado que a ilha não é reconhecida como independente). O alarme contrariava os dados do Governo chinês, que serviam de base para as conclusões da OMS sobre a evolução da covid-19 e, por conseguinte, de referência para vários países. “Tivemos cuidado com o palavreado, mas qualquer profissional de saúde conseguiria perceber, da nossa comunicação, que, tratando-se de uma pneumonia atípica que exige isolamento, a possibilidade de contágio era muito provável”, esclarece Shih.

Taiwan avançou com medidas draconianas para travar o surto que se avizinhava, incluindo testes a viajantes da China continental e investigação de todos os seus contactos. Com 24 milhões de habitantes, a ilha do Pacífico registava, até quinta-feira, 427 infeções e seis mortos. À mesma data, havia no resto do mundo cerca de 2,6 milhões de infetados e mais de 185 mil casos fatais.
Fadela Chaib, assessor da OMS, garante ao Expresso que “é incorreto afirmar que não tivemos isto em consideração”. Sobre o que foi feito e quando, a organização respondeu com uma cronologia sem detalhes. A 1 de janeiro a OMS, que é uma agência das Nações Unidas, pediu mais informação às autoridades de Pequim, com quem se reuniu passados dois dias. A primeira deslocação a Wuhan ocorreu entre 20 e 21 de janeiro e foi “breve”, indica Chaib. Uma semana antes, já Taiwan enviara técnicos a Wuhan. “Queríamos perceber melhor a epidemia, as medidas de controlo adotadas e o historial de exposição dos pacientes. Confirmámos de imediato que o vírus se transmitia entre humanos”, lembra Shih. A OMS concluiria o mesmo após a tal “breve” missão.
O Expresso perguntou aos representantes taiwaneses como obtiveram licença para a visita, pois a ilha e a China vivem uma espécie de guerra fria desde a cisão de 1949. “Tínhamos homens de negócios em Wuhan”, adianta Longman Chung, da representação taiwanesa em Washington. “Por essa razão, pedimos que os nossos peritos fossem até lá por razões humanitárias. Foi um caso especial.” A OMS regressou a Wuhan a 16 de fevereiro, numa missão conjunta com a China. No final desse mês, publicou um relatório de 40 páginas, com o objetivo de “informar sobre as futuras etapas de resposta ao surto, assim como os próximos passos na prontidão e preparação para áreas geográficas ainda não afetadas”.
“BODE EXPIATÓRIO”
O episódio descrito anteriormente é um dos que motivam críticas à ação da OMS. Em entrevista recente ao Expresso, a virologista Deborah Fuller, diretora do laboratório da Universidade de Washington, disse que “a pandemia podia ter sido evitada caso a resposta do Governo chinês tivesse sido imediata”. Na semana passada, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aumentou o tom da acusação e suspendeu as contribuições financeiras do seu país para a OMS, que são cerca de 15% do orçamento daquela entidade.
“Trump procura um bode expiatório. Isso é claro”, afirma ao Expresso Anton Gunn, membro da Administração Obama entre 2009 e 2013, período em que liderou a reforma do Sistema de Saúde. “Porém, tal não deve impedir-nos de procurar explicações junto seja de quem for para que os erros não se repitam.” Regresse-se, por isso, à cronologia da pandemia, fruto do cruzamento de dados fornecidos pela OMS e entidades taiwanesas. A 14 de janeiro, duas semanas depois do alerta destas últimas, a OMS subscreveu as garantias chinesas de que o novo coronavírus era mais um exemplo, como tantos outros transmissíveis de animais para humanos.
A 21 de janeiro, um dia após a primeira ida a Wuhan, a organização acrescentou que havia provas de “transmissão entre humanos”, recomendando, todavia, mais investigação para perceber a extensão do fenómeno. Volvidos dois dias, o Comité de Emergência da OMS concluiu que faltavam motivos para classificar a crise de Ameaça de Saúde Pública de Preocupação Global (ASPPG) — o seu nível de alerta mais alto —, apesar de Pequim ter intensificado as medidas contra o surto e de países como o Japão e a Coreia do Sul somarem casos. Ao contrário do que fizera em 2002, durante a pandemia de SARS, a OMS não recomendou restrições às deslocações para territórios afetados na China. Quando as autoridades americanas suspenderam voos vindos daquele país asiático, a 31 de janeiro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, avisou que a medida traria “poucos benefícios” e contribuiria para o “aumento do estigma”.
A 26 de fevereiro, Ghebreyesus sustentou que declarar a covid-19 uma pandemia paralisaria as sociedades e daria a ideia de que o vírus não podia ser contido, “o que não é verdade”, assegurou. Acabou por declarar a pandemia a 11 de março, quando mais de 120 países registavam casos. O vice-primeiro-ministro japonês, Taro Aso, resumiu há cerca de um mês a frustração global sobre a atuação da OMS. Sugeriu que esta alterasse o nome para “Organização Chinesa de Saúde” e recordou que o alegado atraso obstou a que “todos tomassem as devidas precauções” (Expresso)

Sem comentários: