quarta-feira, janeiro 23, 2019

Opinião: "Abrimos a Caixa"

No final de 2007, a administração da Caixa Geral de Depósitos tinha um problema: iria apresentar lucros demasiado elevados. Como iria um banco público explicar que ganhara quase 800 milhões de euros? A cifra era tão pornográfica que, como então se noticiou, se admitia usar engenharia contabilística para baixá-la – e baixou, para menos de 700 milhões. Fosse como fosse, era preciso escrever um guião que garantisse que no Estado não havia ganância. Nesse mesmo mês, o BCP estava em colapso da era Jardim Gonçalves. E os dois principais administradores da Caixa tomaram o controlo da gestão do BCP. 
O problema, na verdade, não era a engenharia que baixasse os lucros, mas a arquitetura que os permitira: créditos, créditos, mais créditos, à habitação, a grandes devedores, a projetos alucinantes ou alucinados, porque enquanto os créditos são pagos os bancos nadam em lucros. Quando os devedores ou os projetos estoiram, o ricochete é brutal. Chama-se imparidades. Chama-se prejuízos. Chama-se aumentos de capital. Chama-se impostos. Chama-se uma pouca vergonha, entre a incompetência, as suspeitas, os projetos de poder político-financeiros, chama-se opacidade.
Como é que um relatório de auditoria sobre 15 anos de gestão na Caixa Geral de Depósitos revela agora o que 15 relatórios de auditorias anuais não revelaram?
Como é que tantas notícias publicadas naqueles anos sobre os casos agora confirmados não conseguiram que alguém entrasse por ali adentro para verificar o desmando?
Como é que apesar dessas notícias foi possível que os dois administradores mais importantes da Caixa, ambos ligados ao PS de Sócrates que então governava, saltassem para o BCP, liderando assim os dois maiores bancos portugueses?
Não só foi possível como aconteceu. Dez anos depois daqueles lucros astronómicos, a Caixa aprovaria um aumento de capital de quase cinco mil milhões de euros, iniciou um plano de despedimentos, de corte de custos e de venda de ativos.
No relatório de auditoria da EY, que só foi conhecido porque chegou de boa fonte às mãos de Joana Amaral Dias e esta o reencaminhou para os jornais, não há praticamente nenhuma novidade na lista de crédito dos grandes devedores. Já sabíamos quase todos os nomes. Mas não sabíamos, preto no branco, aquilo de que suspeitávamos: que os créditos eram aprovados sem cuidado por comissões de crédito e por gestores que recebiam prémios no final do ano mesmo quando comprometiam o futuro da Caixa em projetos ruinosos como o investimento em Espanha.
Há três dias que o relatório está nas primeiras páginas dos jornais. 
Para que serve tudo isto agora, que se exumou da sepultura do lixo tóxico? Para investigar. No Banco de Portugal, na Assembleia da República e no Ministério Público. Que se escreva o futuro antes que prescreva o passado (texto de PEDRO SANTOS GUERREIRO, Expresso)

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