O Expresso conversou com o investigador Tássio Franchi
sobre a chegada ao Brasil dos refugiados venezuelanos. Franchi esteve
recentemente na fronteira de Pacaraima e em Boa Vista. E diz que os confrontos
na fronteira não vão beneficiar os candidatos de direita nas presidenciais de 7
de outubro no Brasil. No estado brasileiro de Roraima, o menos populoso do
Brasil, vivem pouco mais de meio milhão de pessoas, que se distribuem por uma
área duas vezes e meia maior do que Portugal. A população não indígena é feita
de migrantes que chegaram maioritariamente na segunda metade do século XX. Para
melhor compreender o que leva os brasileiros a não aceitar os refugiados
venezuelanos que ali chegam pela fronteira terrestre, e perceber o impacto
destes confrontos nas eleições brasileiras de 7 de outubro, o Expresso
entrevistou o investigador Tássio Franchi, que esteve recentemente na fronteira
de Pacaraima e na capital estadual, Boa Vista. Franchi é doutorado em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília e leciona no Programa
de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército (ECEME).
Há sentimentos de xenofobia em relação aos 50 mil
venezuelanos que entraram e permanecem no Brasil nos últimos anos?
-Não acredito que exista um sentimento de xenofobia
nos brasileiros, como alguns setores da mídia têm avançado. A maioria dos
brasileiros jamais encontrou um venezuelano no sinaleiro, nem tem um abrigo de
migrantes na cidade onde mora. Houve descontentamentos pontuais em Pacaraima
[19 de agosto], que começaram com um rumor de que um comerciante tivesse sido
atacado e morto por venezuelanos, versão que não se confirmou, pois, o senhor
tinha sido evacuado para o hospital de Boa Vista. Além disso, é complicado
falar de xenofobia naquela fronteira, porque há populações binacionais, que
vivem um movimento pendular entre as duas nações, e por vezes tem pais e mães
brasileiros ou venezuelanos. Fronteiras vivas são lugares onde as pessoas se
conhecem, tem relações comerciais e de amizade. A história brasileira é marcada
por diversas ondas migratórias desde o período colonial. Portugueses,
açorianos, africanos, europeus, japoneses, sírios além de latinos ajudaram a
constituir o povo brasileiro. Tensões pontuais devem ser entendidas como um
pedido de atenção feito por parte da população [do estado] que convive
diariamente com o fluxo de migrantes, e sente que alguns serviços básicos estão
aquém do ideal. Mas este é geralmente um processo transitório que tende à
acomodação mediante a ação efetiva do Estado [Federal]. A história brasileira é
feita de ondas migratórias: portugueses, açorianos, africanos, europeus,
japoneses, sírios além de latinos ajudaram a constituir o povo brasileiro
O Presidente Temer autorizou a entrada das Forças
Armadas em Roraima, para manter a ordem. Quais as consequências?
-O decreto assinado pelo presidente, surge na
sequência de um pedido feito pela governadora do Estado de Roraima [Suely
Campos]. Pessoalmente, não vejo grandes consequências: Primeiro porque o
documento [de 28 de agosto] tem um escopo muito limitado no tempo – cerca de
duas semanas apenas. Acresce que Roraima não vive uma situação de problemas na
segurança pública como a do Rio de Janeiro, já que a Polícia Militar do estado
continua a ser capaz de garantir a segurança dos cidadãos. A polícia garante a
segurança regular dos cidadãos mas precisou de ajuda para garantir a dos
imigrantes e refugiados venezuelanos... Esse é o terceiro motivo que ia
mencionar – no Brasil, a lei contempla um recorte territorial denominado Faixa
de Fronteira, onde as Forças Armadas tem poder de polícia.
Como e em que condições?
-Este recorte delimita uma faixa que dista 150
quilómetros da linha de fronteira; e a lei diz que nesta área as Forças Armadas
já têm poder de polícia. O estado de Roraima [que tem fronteira com a Venezuela
e Guiana], por causa de sua geografia tem mais da metade do seu território
dentro desta Faixa de Fronteira e está sobre responsabilidade da 1ª Brigada de
Infantaria de Selva. Há ainda que referir o âmbito da medida provisória 820 que
determinou a criação de um comité interministerial para tratar do fluxo dos
venezuelanos – essa medida já previa o controle do território fronteiriço. E
foi neste quadro legal que a 1ª Brigada de Infantaria de Selva além de apoiar a
Operação Acolhida desencadeou a Operação Controle, que mais não é do que uma
ação de presença em toda a faixa de fronteira, para reforçar as ações de
segurança e o controle da região. Roraima faz fronteira com a Venezuela e
Guiana. Quase metade do seu território está naquilo que a lei chama Faixa de
Fronteira, que tem legislação especial em matéria de segurança.
O senador Romero Jucá, candidato às eleições de 7 de
outubro pelo estado de Roraima e até aqui apoiante de Temer, abandonou o
Congresso por discordar da política do PR para lidar com a crise migratória.
Como vê o estabelecimento da quota migratória que Jucá defende?
-O Brasil é signatário de uma série de tratados e
convenções internacionais sobre refugiados e migrantes. E a legislação
brasileira que tem sido alterada desde os anos 1990 para facilitar a circulação
de compatriotas dos países do MERCOSUL, é considerada uma das mais modernas no
que diz respeito aos direitos concedidos, e às possibilidades de solicitar
refúgio, migração ou residência temporária. Quero com isto lembrar que as leis
brasileiras não são restritivas; pelo contrário facilitam o acolhimento e a
legalização do migrante/refugiado. Com esta legislação, o Brasil tem uma
atitude proativa na resposta que dá aos acordos internacionais que subscreveu
e, por outro lado, esta atitude permite que o Estado brasileiro tenha um melhor
conhecimento dos números reais de estrangeiros que entram em território
nacional, o que permite dimensionar políticas públicas e planear ações de
suporte. Em nenhuma destas leis existe menção a criação de quotas ou
restrições.
Esta crise pode beneficiar os candidatos de direita
nas eleições de 7 de outubro?
-Infelizmente a questão migratória ainda é um tema
local, restrito aos estados de Roraima e Amazonas, [este] com menor
repercussão. O Brasil é um país continental, e a distância de Boa Vista
[capital de Roraima] a São Paulo é superior a 3300 quilómetros. Dito de outra
forma são quatro horas e meia de avião... porque não existem estradas
alcatroadas que liguem as duas cidades. Devido à localização de Roraima em
relação ao resto do país, o assunto não tem impacto [suficiente] noutros estados,
para gerar reações.
A quase totalidade dos brasileiros vê isto como um
problema de Roraima, apesar da televisão e das redes sociais?
-Sim, a maioria dos brasileiros não sente a migração
venezuelana como um problema (ou oportunidade) pois esta é uma realidade muito
distante deles. Por isso, não vejo como possa afetar as eleições para além do
âmbito local (texto da jornalista do Expresso, MANUELA GOUCHA SOARES, com a devida vénia)
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