sábado, fevereiro 28, 2015

Miguel Albuquerque, o aristocrata que quer ser do povo

"O novo líder do PSD Madeira cresceu numa família privilegiada. Estudou em colégios com grande disciplina, fez-se advogado e depois político. Pratica caça desportiva, toca piano e é proprietário de um dos maiores roseirais da Europa. A quem o compara a Alberto João Jardim garante que vai ter uma “desilusão”.
Nasceu em berço de ouro e não nega. Miguel Albuquerque cresceu na Quinta Olinda da bisavó, que é hoje propriedade do Governo Regional da Madeira: um edifício antigo, bem conservado e de dimensões tão grandes, que é fácil perdermo-nos lá dentro. Nesta casa, existia "um quarto de armas" utilizado pelo avô paterno, amante da caça, um salão de jogos, campo de ‘badmington', campo de ‘croquet', fazenda e cavalariças. Eram outros tempos: a Madeira era mais desigual, com uma sociedade mais estratificada. A casa da bisavó estava sempre cheia - todas as semanas havia convívio com almoços, jantares e brincadeiras entre primos. As portas estavam abertas para que todos pudessem frequentar as casas uns dos outros e "praticar a arte da conversação". Hoje em dia, admite, seria uma casa difícil de manter. O avô materno vivia noutra quinta, na Madeira, e também teve "bastante influência do ponto vista cívico e político" na educação de Miguel Albuquerque. Militar, esteve ligado à revolta da Madeira, em 1931. Fazia parte de uma "geração de pessoas com grande coragem física e moral" e "sofreu na pele" a oposição ao Estado Novo.
"Era um homem que contestava abertamente o Regime. Esteve preso em Cabo Verde e S. Tomé, foi afastado do exercício de funções públicas e era chamado com assiduidade à PIDE/DGS. Era um democrata, um defensor do pluralismo e dos partidos políticos, com uma matriz forte republicana."
A julgar pelas memórias de infância, Miguel Albuquerque parece descender de uma família de patriarcas. O bisavô também vivia "num casarão", na freguesia do Monte, "perto de onde viveu o último Imperador Austro-Húngaro". Foi um homem que viveu até tarde e que dedicava grande parte do tempo à cultura: versado em Literatura, chegava a trocar correspondência com inúmeros escritores. Com um sorriso cúmplice, Albuquerque recorda que o bisavô era "um pouco excêntrico em tudo". Foi responsável por introduzir muitas espécies botânicas na Madeira e transmitiu o gosto pelas rosas ao bisneto. Actualmente, é proprietário de um dos maiores roseirais da Europa: a Quinta do Arco tem cerca de 17 mil roseiras, com mais de 1500 variedades.
Já a antecipar a vida política que, um dia, ia começar, Albuquerque confessa, entre risos, que acredita que "a mistura" de raízes entre os Açores e a Madeira fez-lhe "muito bem". Rígida nos princípios, mas liberal nos costumes, a família proporcionou-lhe uma boa educação "em colégios com uma grande disciplina, onde até havia castigos físicos". O desporto e a música tinham, naturalmente, de fazer parte da linhagem. Na juventude, foi nadador do Nacional e, agora, pratica ténis e faz caça desportiva. Quanto à música, tem "um piano em cada casa" e, até, chegou a exercer profissionalmente: quando estudou, em Lisboa, trabalhava em bares e, no Verão, substituía alguns músicos, na Madeira. Ainda hoje faz parte da banda "Velhos HOTÉIS". Será que, em vez do político, poderíamos ter um artista?
"De artista, todos os políticos têm um pouco, se forem bons (risos). Faz parte. Mas detesto especialistas porque ser especialista é saber cada vez mais de menos. Acho mais importante ter uma boa cultura humanística e ser versátil nos conhecimentos. Não é ter uma cultura enciclopédica, mas saber um pouco de tudo, é importante: botânica, línguas, música. É fundamental ter uma visão do mundo aberta e cosmopolita."
Gosta de Ciências e acredita que até teria dado "um bom médico" porque não se deixa impressionar quando vê sangue. No entanto, sempre teve mais inclinação para Letras. Acabou por seguir um curso de Direito e, durante 14 anos, exerceu advocacia e fez "um pouco de tudo": Direito do Trabalho, Comercial, Civil. Esteve envolvido na internacionalização de várias empresas, viajou por todo o mundo e ganhou poder de argumentação. Já a retórica - tantas vezes, associada à advocacia e à política - diz que é "uma falsa questão". Por um lado, considera que os bons advogados são "os que fazem as melhores petições e contestações". Por outro, no exercício da vida pública, acredita que, muitas vezes, "falamos para nos ouvirmos a nós próprios" em vez de acrescentar algo de verdadeiramente útil ao debate. Nasceu numa família numerosa e tudo indica que lhe quer dar continuidade. Tem cinco filhos, mas não lhes pretende incutir muita coisa.
"Não quero fazer uma tutela nem aspirar a que eles se realizem a partir dos meus desejos. Um das minhas filhas é ‘chef' de cozinha, a outra é administradora. Um dos meus filhos, dos mais jovens, vai agora seguir design. Procuro transmitir-lhes valores: saberem distinguir o bem do mal. A partir daí, eles seguem o seu caminho."
Não quer ser ‘farinha do mesmo saco'
As comparações com Alberto João Jardim são inevitáveis. Há quem fale em mudança e ruptura e há quem diga que é continuidade. O líder do PSD Madeira garante que o partido vai funcionar de "forma diferente". Promete novas políticas, práticas e procedimentos. A mobilização que sente no interior do partido dá-lhe o optimismo necessário para um novo ciclo. Sobre quem diz que é ‘farinha do mesmo saco", Albuquerque promete que vai ter uma "desilusão". A aposta no restabelecimento das relações com o Estado, tornar a Madeira uma região cosmopolita e atractiva para o investimento são algumas das prioridades do sucessor de Jardim no partido .
"Quem diz isso vai ter uma desilusão, como é óbvio. E, aliás, já começou a ter, porque iniciámos a própria reforma do sistema político com a redução do ‘jackpot' (subsidiação dos partidos políticos) por exemplo. Aquele tempo de conflitualidade, de dialéctica permanente, acérrima entre o continente e a Madeira não tem nenhum sentido."
Para mudar o rumo destes tempos de "conflitualidade", o antigo presidente da Câmara do Funchal pretende estabelecer "pontes de convergência e diálogo com as instituições do Estado, com as Associações Nacionais, com a Sociedade e até com os próprios media nacionais". Para ele, é fundamental a Madeira apresentar-se de forma diferente ao mundo, "quer a "nível nacional, quer a nível internacional com notoriedade positiva". Apesar de ter dito numa entrevista que tem uma relação privilegiada com Passos Coelho não acredita que isso tenha contribuído para a sua vitória no PSD Madeira. No entanto, sublinha que o primeiro-ministro tem uma característica em política que muito aprecia: uma "coragem" de assumir decisões difíceis, num País com uma população "educada e cada vez mais bem formada". E isso é fundamental para os políticos "não continuarem a vender gato por lebre".
"Houve a necessidade de assumir um conjunto de constrangimentos que decorreram desse financiamento (à troika, de 78 mil milhões de euros). Esses compromissos foram concretizados e neste momento Portugal está a ser financiado nos mercados. Há um novo horizonte de esperança para o País. E isso obrigou a decisões difíceis, que muitas vezes não são compreendidas pelos cidadãos, que são directamente afectados. Qualquer pessoa que olhe para a realidade de Portugal necessita de compreender que não é possível as pessoas viverem acima das suas possibilidades."
Sobre a dívida da Madeira, o líder do partido diz que foi "mal explicada" porque a "chamada divida escondida estava publicada em Junho na conta geral do Estado". Albuquerque acrescenta ainda que em percentagem do PIB essa dívida directa e indirecta da região era "inferior à percentagem do PIB à do Estado" e que a região está a cumprir esse programa de forma exemplar - e que terá o seu "terminus" no próximo mês de Dezembro." Do seu ponto de vista, a região tem duas hipóteses para tornar-se mais viável economicamente: ser sustentável e ter uma base de atractividade fiscal porque, garante, "não precisamos, nem devemos reclamar dinheiro do Estado". Quando foi eleito presidente do PSD Madeira, Alberto João Jardim, escreveu-lhe uma carta onde dizia que fazia votos em como não se concretizassem as apreensões dele em relação ao futuro.
"Tem de lhe perguntar, eu não tenho apreensões nenhumas. Eu não faço interpretações, sou uma pessoa muito objectiva. A minha formação é anglo-saxónica, portanto eu gosto de ser objectivo. E, digo sempre, vamos directos ao assunto". (texto dos jonalistas do Económico, MARTA RANGEL E ANTÓNIO SARMENTO, com a devida vénia)