“Depois dos maus resultados no primeiro PISA, muito mudou em Portugal.
Nasceu o Estudo Acompanhado e a Área Projecto, que entretanto foram extintos, e
alargou-se a acção social escolar, por exemplo. Mas o estatuto socioeconómico
continua a pesar muito no sucesso das crianças.
Os alunos de 15 anos que frequentaram o pré-escolar saem-se melhor nos
testes de literacia. E Portugal aumentou o nível de pré-escolarização na última
década. As habilitações das famílias estão fortemente ligadas aos resultados
dos jovens. E, em Portugal, a percentagem da população adulta com o ensino
secundário subiu. E qual terá sido o papel da reforma curricular introduzida no
país — uma reforma que "melhora a atitude dos alunos" em relação
"à escola, em geral, e à Matemática, em particular"? Ou de medidas
como a introdução de áreas não disciplinares como o Estudo Acompanhado, que
entretanto deixou de existir? Certo é que os resultados dos alunos portugueses
melhoraram. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) passa
em revista um conjunto de medidas de política educativa adoptadas por Portugal
nos últimos 10, 12 anos. E faz essa análise nos diferentes relatórios ontem
divulgados com os resultados do PISA 2012, um mega-estudo internacional que
avalia a literacia matemática, Científica e de Leitura dos alunos de 15 anos
(ver texto nestas páginas).
A OCDE destaca as melhorias alcançadas pelos alunos portugueses. E a
Matemática é a grande responsável. Em 2003, lembra, uma avaliação semelhante
àquela que agora foi repetida colocava Portugal abaixo do Luxemburgo, dos
Estados Unidos, da República Checa, da França, da Suécia, da Hungria, da
Espanha, da Islândia, da Noruega... Em 2012, Portugal "alcançou-os".
Os alunos portugueses colocaram o país no 23.º lugar do ranking da OCDE,
com uma média de 487 pontos. A média da OCDE é 494 pontos. Portugal está a sete
pontos de distância. Em 2009, era 26.º, com 487 pontos. Mas estava mais
distante da média internacional (nove pontos de diferença). O país faz parte do grupo dos que registam progressos a Matemática superiores
a 2,5 pontos ao ano, desde 2003. E as coisas também não correm mal noutras
áreas. "O que mostra que mesmo num curto lapso de tempo é possível
melhorar de forma abrangente", diz a OCDE. Já a Comissão Europeia, numa análise aos resultados do PISA, diz que
persistem "profundas desigualdades" em alguns países, entre os quais
Portugal, com os alunos mais pobres a obter resultados muito mais fracos do que
os de estatuto socioeconómico mais elevado.O secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, diz
que é preciso analisar melhor os números. Ainda assim, ontem, numa apresentação
dos resultados, em Lisboa, defendeu que o país está "no bom caminho".
Mas que deve ambicionar "estar no grupo da frente", ou seja, junto aos
países asiáticos, que em 2012 voltam a dominar os rankings do PISA.
Os receios dos professores
A Associação de Professores de Matemática saúda as melhorias nos
resultados alcançados pelos alunos portugueses, mas teme que o novo programa de
Matemática, que entrou em vigor este ano no ensino básico, venha a inverter
essa tendência. Um receio que não é partilhado pela Sociedade Portuguesa de
Matemática, que tem esperança que o país melhore, graças, precisamente, aos
novos programas – está em discussão um novo para o secundário. A OCDE não estabelece relações de causa-efeito. Mas analisa o que se
passou na última década. Portugal, por exemplo, começou a reflectir sobre os
resultados dos seus alunos depois de em 2000, primeiro ano do PISA, ficar no
fim da tabela da literacia, lê-se num dos relatórios da OCDE. Desde então, continua, muita coisa aconteceu: aumentou a preocupação de
identificar os alunos que potencialmente teriam insucesso ou corriam o risco de
abandonar a escola para os envolver em projectos de apoio individualizado; os
quadros electrónicos e a banda larga chegaram aos estabelecimentos de ensino e
nasceram áreas não disciplinares (que entretanto foram eliminadas) como a Área
Projecto, o Estudo Acompanhado e a Educação para a Cidadania. Além disso, foi
alargada a acção social escolar – entre 2005 e 2009 o número de beneficiários
destas medidas triplicou. E prossegue a OCDE: o problema do absentismo dos professores foi atacado
com a criação das famosas aulas de substituição – que entretanto desapareceram
na maioria das escolas. E foi feito um investimento forte na formação dos
docentes de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias de Informação e
Comunicação.
O papel dos exames
Recordado é ainda o contestado modelo de avaliação dos professores – mas
o que é certo é que a avaliação passou a fazer parte do léxico das escolas. Por
isso, e não só. As provas de aferição introduzidas nos 4.º e 6.º anos e os
exames nacionais no final do 9.º ano habituaram os alunos a responderem sob
pressão – em 2013, as provas de aferição foram substituídas por exames –, e
isso pode ter contribuído para o facto de os alunos que responderam ao PISA em
2012 estarem mais autoconfiantes e terem mais certezas do que os seus colegas
de 2003. A partir de 2006 os resultados do PISA, que é feito de três em três
anos, começaram a melhorar. A diferentes níveis. Portugal é um dos países que
conseguiram, simultaneamente, duas coisas: reduzir o universo dos alunos que se
saem muito mal neste tipo de testes de literacia e aumentar o número dos jovens
que se destacam muito pelo positiva (os chamados "top performers").
Isto aconteceu tanto na Matemática, como nas Ciências, nota a OCDE. Em 2003, 30% dos alunos portugueses estavam nos patamares mais baixos de
literacia matemática (nível 2 ou menos numa escala que vai até 6); em 2012, a
percentagem foi de 24,9% . Ao mesmo tempo, 10,6% dos alunos conseguiram ficar
no nível 5 ou mais, contra apenas 5,4% em 2003. Esta evolução teve lugar,
sobretudo, no período compreendido entre 2006 e 2009, sublinha o relatório.
Chumbar não ajuda
Mas também há más notícias. Um relatório da Comissão Europeia, divulgado
horas depois do PISA, faz uma interpretação dos resultados destes testes.
Segundo a Comissão, a avaliação demonstra que na União Europeia o estatuto
socioeconómico dos alunos tem uma incidência significativa sobre os níveis de
desempenho dos jovens. A Comissão foi ver como se saem os alunos que estão no grupo mais
desfavorecido (nos 25% mais desfavorecidos segundo o índice socioeconómico
construído pelos peritos do PISA) e os que pertencem a famílias com mais
recursos (os 25% mais favorecidos). E a diferença nas pontuações obtidas a
Matemática é particularmente significativa (100 pontos ou mais) em oito países
da União, entre os quais Portugal, França, República Checa e Alemanha. Isto
mostra, diz a Comissão, "as profundas desigualdades que subsistem nos
sistemas educativos". Os dados recolhidos pelo PISA 2012 também demonstram que chumbar não faz
ninguém melhorar. E que, apesar de entre 2004 e 2009 a taxa de retenção no
final do ensino básico ter descido de 21,5% para 12,8%, ela continua acima da
média da OCDE. O próprio secretário de Estado João Grancho admitiu que subsiste em
Portugal um conjunto de jovens "com percursos persistentes de
insucesso". Números do PISA: num percurso normal escolar, os alunos de 15
anos devem andar no 10.º ano de escolaridade; da amostra dos mais de 5700
portugueses que fizeram os testes PISA, os que de facto estão no 10.º conseguem
uma média de 536 pontos nos testes de literacia matemática; já os alunos que
ainda estão no 7.º ano, porque chumbaram, não ultrapassam os 358 pontos, quando
sujeitos aos mesmos testes. Os resultados destes alunos (os que acumulam
insucesso) são ainda piores do que em 2009" (texto das jornalistas do
Público, ANDREIA SANCHES e BÁRBARA WONG, com a devida vénia)