“Por razões
pessoais, familiares, religiosas, estéticas, aleatórias e de feitio, não
comemoro o Natal, não compro presentes de Natal, não aprecio as comidinhas de
Natal e não deixo sequer que um pechisbeque natalício entre cá em casa. Em
suma, não desembolso um cêntimo a propósito do Natal, o que me devia
transformar na bandeira dos inimigos do "consumismo" da época.
Espero, porém, que não transforme, já que nem o fabuloso currículo acima me
habilita a opinar sobre a forma como os demais aplicam o seu dinheiro. Infeliz
e naturalmente, muita gente sente-se habilitada.
Nesta altura do
calendário, as televisões enchem-se de criaturas pertencentes a igrejas e
credos diversos que, no intervalo de duas visitas ao shopping, lamentam a perda
da "dimensão espiritual" da data. Houve pelos vistos um tempo remoto
em que o Natal se limitava à evocação do exemplo de Cristo e à fraternidade
universal. Era, se preferirem a expressão, o tempo da fraternidade e da
miséria, de facto incomparável ao actual, onde, mal por mal, uma razoável
maioria esfarrapa o orçamento que os antepassados nunca possuíram em bacalhau,
árvores de plástico e bens supérfluos afins. A mim, o modesto esbanjamento
parece-me um sinal positivo. Para os moralistas de trazer pelo
"telejornal", é uma pena e um pecado. Os moralistas, aliás, passam os
restantes 364 dias do ano a condenar as reais ou relativas carências de
inúmeras famílias. Durante um dia em particular, condenam a real ou relativa
abundância, provocando certa confusão acerca daquilo que seria desejável.
Afinal, o que é pior: não ter o que gastar ou gastar o que se tem? Viver abaixo
do necessário ou acima do indispensável?
O mistério
permanece. Mas, no meio do nevoeiro, faz-se uma luz ou duas. Em 2012, os
apertos da crise - e o pudor - moderaram um bocadinho as críticas do
"consumismo", pormenor que atestava a nossa desgraçada situação. O
regresso em 2013 das críticas ao "consumismo", e segundo dados
sortidos, o aumento do próprio consumo são óptimos indicadores. Por um lado,
indicam que a economia talvez conheça melhorias, ainda que ínfimas. Por outro,
confirmam que os moralistas, sempre pios, continuam alerta. Estávamos cheios de
saudades (...)
Pátria segura
O doutor Soares
bem se fartou de alertar para a violência que estaria a caminho. Infelizmente,
já chegou. Felizmente, não foi em Portugal, mas na Venezuela que o doutor
Soares venera, onde se assassinaram 25 mil pessoas nos últimos 12 meses, o que
significa um aumento sustentado face aos anos anteriores e uma taxa de
homicídios de 79 por 100 mil habitantes, não só a segunda mais elevada do mundo
(a seguir às Honduras) como uma das mais elevadas desde que se medem estas
coisas (para efeitos de comparação, a taxa portuguesa ronda os 1,5 e a dos
perigosíssimos EUA 4,7). A revolução bolivariana vai, portanto, de vento em
popa.
Ironia? Nem por
sombras. Já o mesmo não se pode dizer do decerto muito ocupado Observatório
Venezuelano de Violência, instituição que apresentou os números acima enquanto
um sucesso apenas possível devido ao programa governamental Plano Pátria
Segura, sem o qual, garantem os funcionários ao serviço do fantasma de Chávez,
a matança seria bastante pior. Ou seja, irónico é o socialismo. Mas sem querer”
(texto de Alberto Gonçalves, DN de Lisboa,com a devida vénia)