sábado, dezembro 21, 2013

Opinião: "A política dos episódios caricatos"

"Além do chumbo do Tribunal Constitucional, mais que previsível não fosse a unanimidade inédita dos juízes, a semana política ficou marcada por três momentos meramente lúdicos: a farsa do relógio com contagem decrescente até à saída da troika que Paulo Portas instalou na sede do CDS-PP; o novo movimento tridimensional com que a esquerda tenta unir os pedaços do que já foi o Bloco sem perceber que ainda se despedaça mais, entre aulas magnas, livres e em 3D; e o ensaiado telefonema entre Seguro e Passos em pleno debate no Parlamento para reabrir o acordo no IRC. Tudo o que está na base destes atos envolve matérias importantes: o pós-troika, o futuro dos partidos e algum desafogo fiscal para muitas empresas. Mas o mediatismo e a encenação feitos em seu redor foram absolutamente ridículos.
Há 831 mil desempregados registados em Portugal, a sua maioria tem menos de 35 anos, dois em cada três estão sem trabalho há mais de 12 meses. No tempo disponível que são obrigados a ter, o que acham que todos eles pensaram do relógio, do telefonema ou do 3D com que a política caseira os entreteve, em vez de lhes explicar claramente o que os espera no futuro ou que medidas têm pensadas para eles?
Houve mais de 300 mil reformados com cortes sucessivos nas pensões nos últimos anos. Acham que eles, que veem o tempo passar devagar sem o dinheiro que tinham poupado e que davam como garantido para este descanso, querem saber do relógio de Portas? E que interesse têm movimentações para formar pequenos partidos a quem já viu morrer fenómenos como o PRD? E o que comentam sobre um telefonema público desnecessário, só para marcar posição, num acordo que devia dispensar protagonismos pela importância da sua essência e da jurisprudência que pode constituir?
E já não falo dos 120 mil portugueses que tiveram de emigrar no último ano, não por escolha mas porque o País não lhe deu condições. Os que, nos relógios, apenas marcam a hora de voltar. Os que abominam e culpam todos os partidos pela situação em que vivem. Os que de telefonemas só querem saber das opções que têm para manter o contacto com a família que deixaram para trás ou com o banco onde têm dívidas para pagar.
No mundo de comunicação e imagem, os políticos especializaram-se em usar essas ferramentas. É legítimo. O que não é aceitável é aproveitar toda e qualquer oportunidade, por mais sério que seja o assunto, para encenações, às vezes grotescas. Ficará para a história a preocupação de José Sócrates com a sua postura e o melhor lado da câmara antes de anunciar solenemente ao País o pedido de ajuda financeira. Mas os que o criticaram então repetem e copiam agora gestos semelhantes. Muitas vezes ofensivos e humilhantes para aqueles a quem pedem e a quem infligem sacrifícios.
Há um distanciamento cada vez maior das pessoas com os partidos, que estão desacreditados. A abstenção é reveladora de que a maior parte das pessoas prefere não votar e quem o faz opta pelos de sempre, porque do mal, o menos. Surgem movimentos, alguns preocupantes, de franjas pela Europa fora. Cresce a importância dos independentes, como se viu nas últimas autárquicas. Mas os responsáveis políticos com capacidade de governar o País não andam pelo mundo real. Não sabem o que se diz nos transportes públicos, cada vez com menos oferta e mais caros. Não ouvem o que se discute entre as salas de espera dos hospitais e os trocos contados para pagar os medicamentos nas farmácias. Não imaginam o que os pais dizem da oferta da escola pública. Muito menos o que se passa entre os nomes dos inscritos nos centros de emprego ou nos que aceitam cada vez menores salários nas empresas porque temem ficar sem trabalho algum. E entretêm-se com episódios caricatos. É, acima de tudo, triste e dececionante. E não vai acabar bem. Nem para eles, nem para nós.
Xeque-mate à educação
A insistência de Nuno Crato numa prova sem sentido e inócua quanto à avaliação da capacidade de ensinar, associada à sua jogada política com a UGT, deitaram para a rua anos de esforços para impor uma avaliação séria e competente nas escolas. A reação dos professores a essa prova deu uma imagem que minará de forma terrível a sua credibilidade e a relação com os alunos. Tal como polícias não podem invadir escadarias do Parlamento, os professores não podem rasgar exames. O que aconteceu na terça-feira foi terrível para a confiança na educação, de um lado e de outro. E nem sequer houve um bode expiatório para arcar com as culpas, mesmo daqueles que se possam mandar bem pagos para Paris semanas depois.
Mais uma espécie de remodelação
Em dois anos e meio, Passos trocou 27 secretários de Estado e três ministros. Mas fora a remodelação imposta pela crise do "irrevogável", em que finalmente deu o braço a torcer e alterou a orgânica governamental criada com base na demagogia populista do Governo mínimo, o primeiro-ministro está sempre a mexer apenas peões sem de facto mudar nada de realmente importante. Hélder Rosalino, o nome mais sonante da última "parece que é uma espécie de remodelação", sai porque terá recebido manifestantes sem ordem, guardado na gaveta alterações já aprovadas ao mais alto nível e assinado todas as medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional. É grave, claro, mesmo muito. Mas quem aí vem vai melhorar alguma coisa?
As lições do chumbo do TC
Não sei a quem é que o Governo pede pareceres jurídicos. Mas sei que tem sido dinheiro muito mal gasto. A votação unânime de todos os juízes do Tribunal Constitucional (TC) à convergência das pensões é bem reveladora de que esta medida estava condenada à nascença. Ninguém acreditava que ela "passasse", desde o Presidente ao mais simples contribuinte. É assim em Portugal, na Alemanha e por toda a Europa: não é permitido violar o princípio de confiança entre os cidadãos e o Estado. E ainda bem. A segurança social, pública e privada, é um problema que é preciso resolver. Mas não com impostos pontuais, à medida do défice. E, sim, com a tal reforma que o Governo prometeu ao País e que acabou com um rascunho feito à pressa por Paulo Portas que ninguém já sabe onde anda" (texto de Filomena Matins, DN de Lisboa, com a devida vénia)