quarta-feira, outubro 24, 2012

Em 2030, 49% dos portugueses terão mais de 50 anos: haverá Estado social?

“O envelhecimento dos portugueses não tem que ser uma fatalidade, mas, para assegurar o Estado social, o país tem que reconfigurar a relação das pessoas com o trabalho, segundo os especialistas Portugal chegará a 2030 abaixo da fasquia psicológica dos 10 milhões de habitantes. Poderemos ser 9,9 milhões e, em 2050, 8,6 milhões, segundo a mais plausível das três projecções demográficas que vão ser apresentadas no encontro Presente no Futuro que vai pôr 60 oradores a discutir, amanhã e depois, em Lisboa, o futuro de um país que será de velhos dentro de muito pouco tempo. Sem levar em consideração os fluxos migratórios (que, de resto, entraram no negativo, com mais pessoas a sair do país do que a entrar) e mesmo que a fecundidade aumente dos actuais 1,37 para os 1,6 filhos por mulher, a população não deixará de diminuir. Mas, como adiantou ao PÚBLICO Maria João Valente Rosa, demógrafa e directora do Pordata, sermos menos não é o problema. "O desafio está em saber o que é que podemos inventar no presente para nos podermos adaptar ao envelhecimento". Por volta de 2030, a população com mais de 50 anos poderá representar metade da população (actualmente representa 38%). E uma em cada quatro pessoas terá 65 e mais anos. Dito de outro modo, o número de pessoas com 65 e mais anos será o dobro dos jovens até aos 15 anos e quase o triplo em 2050. Para ilustrar melhor a evolução havida neste campo, basta lembrar que em 1981 as crianças e jovens até aos 15 anos eram o dobro dos que tinham mais de 65 anos. Face a estas projecções, António Barreto, presidente do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos, promotora do encontro, antevê um país em que deixará de ser frequente esbarrarmos com crianças e adolescentes; em que o interior estará "muito mais abandonado e despovoado"; em que "talvez várias universidades tenham de encerrar". E, sobretudo, em que o Estado de protecção social estará ainda em piores lençóis, já que haverá tantos pensionistas como contribuintes activos para a Segurança Social. "Essa relação, que seria de um para um, é hoje de 1,7 para um, o que já é fonte de preocupação e caso raro no mundo ocidental", declara Barreto, num texto que vai ser distribuído aos mais de 1200 inscritos no encontro.
Trabalhar e ter filhos
A que ponto o envelhecimento é inimigo do Estado social vai ser uma das principais questões em debate. Ao PÚBLICO, Maria João Valente Rosa adiantou que "o envelhecimento não tem que ser encarado como uma fatalidade, desde que sejamos capazes de repensarmos desde já o modo de adaptação ao novo figurino etário". Para a demógrafa, esta "bomba demográfica" - que, de resto, é extensível à Europa, apesar de Portugal ser já dos países mais envelhecidos do mundo - deveria ter já meio país a repensar o modo como nos organizamos em sociedade. "Por detrás do envelhecimento demográfico estão conquistas que ninguém quer perder - não queremos voltar a morrer mais cedo -, por isso, e sabendo que o envelhecimento está para ficar, temos que assumir que já não faz sentido continuarmos a funcionar como funcionávamos quando tínhamos uma estrutura etária jovem, em que a vida se compartimentava em três ciclos: o da formação, da actividade e da reforma. Hoje, uma pessoa com 65 anos é completamente diferente do que era há 40 ou 50 anos e não faz sentido estarmos a empurrá-la para fora do mercado de trabalho só porque atingiu aquela idade. Por que não então desacelerarmos o ritmo de trabalho ao longo da vida, até para as pessoas se poderem dedicar a outros projectos, designadamente o de ter filhos ou receber mais formação, e prolongarmo-lo na vida até mais tarde?". Para Valente Rosa, "a idade funcionava como marcador do valor dos indivíduos perante a sociedade numa altura em que o trabalho precisava de força física muito intensa". Hoje, "o marcador que conta é o conhecimento e esse não tem barreiras de idade".
Crise agrava projecções
Num cenário em que o país perdeu capacidade de atracção de imigrantes, ao mesmo tempo que empurra para fora os jovens em cuja formação investiu e que desincentiva a decisão de ter filhos, as projecções apresentadas podem pecar por defeito? "Podem e é isso que queremos discutir", declarou António Barreto, segundo o qual este encontro procura pôr o país a pensar para além dos efeitos imediatos da crise. "Portugal conseguirá ou não retomar um lugar na economia internacional e europeia? Será capaz de voltar a atrair populações de outros continentes? As pessoas terão mais vontade de ter filhos e, já agora, por que é que não os têm?" A imigração e a emigração são outros dos assuntos a reclamar definição urgente, segundo António Barreto, para quem o país corre o risco de esvair-se na incoerência das suas políticas. "Há políticas que promovem a natalidade e outras o seu contrário. Há políticas para fomentar as famílias numerosas e outras que as condenam. Na questão das migrações, os partidos políticos têm uma espécie de pudor em falar do assunto e mostram-se favoráveis a tudo. Falam da integração multicultural que é uma coisa que se anula mutuamente: ou promovemos a integração dos imigrantes, pondo em funcionamento os mecanismos que os levam a transformarem-se em portugueses, a falarem português e a naturalizarem-se portugueses; ou adoptamos uma política multicultural que favorece a aprendizagem da língua materna dos imigrantes, que respeita o costume das mulheres usarem chador ou dos homens praticarem a poligamia", invectiva, para concluir que "é preciso fazer opções, ter políticas coerentes e conhecidas da população". Porque todos estes factores influenciam a demografia do país, o encontro propõe-se obter respostas a perguntas como estas: "O conflito de gerações é inevitável? Os tempos de trabalho e de família estão mesmo a competir? O que poderão significar as novas vagas de emigração? Que diferenças de povoamento e de utilização de recursos naturais podemos prever para o futuro?". Entre os oradores encontram-se nomes como o sociólogo e ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, o demógrafo Carl Haub, o ex-comissário europeu António Vitorino, o psiquiatra João Barreto, o arquitecto Nuno Portas e a presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet, entre outros(texto da jornalista do Publico, Natália Faria, com a devida vénia)