terça-feira, setembro 28, 2010

Alberto João Jardim: "Uma coisa é a negociação política, outra é o milagreiro «consenso»"

"A tecnocracia, para além da sua inibição teórica em considerar os milhões de casos concretos e diferentes, não há dúvida que desumanizou a Política. Agarrada a modelos que tem por científicos, não só castrou muita criatividade, como empurrou as democracias para caminhos afastados do primado da Pessoa Humana na sociedade politicamente organizada. A globalização e as novas tecnologias facilitaram as teorias tecnocráticas se espalhar e se impôr mundialmente em termos iguais, mesmo ante situações gritantemente diferentes.
E se as Liberdades são marca essencial dos regimes democráticos, afinal a tecnocracia implicou de tal maneira a redução do âmbito das opções políticas possíveis, ao ponto de, hoje, mesmo com as Liberdades que a Democracia propicia, vermos, nas sociedades democráticas, uma certa tendência para o estabelecimento de um quase «pensamento único». É falso que estes climas de quase «pensamento único», derivem só do controlo da Propaganda a que tragicamente se assiste nas próprias Democracias, à mercê de poderosíssimos interesses da mais variada natureza, principalmente os económicos, e os políticos que se lhes subordinam. Controlo da informação que a legislação de muitos países tidos por democráticos, não quer ou se revela inepta para lhe pôr termo.
Nos últimos tempos, também em Portugal, vem se acentuando o carácter «mágico» que se pretende impôr à palavra «consenso». É um pouco como dizer que já não há lugar para a diferença de projectos, por muito mérito que estes tenham e para o direito de o provar. É um pouco como dizer que a lógica coerente e eficiente de um bom projecto ou de uma boa alternativa, tem de acabar por se subordinar a «consensos» com outros, desta salada resultando misturas que, em bom e normal raciocínio, bem como avaliação, podem servir para prolongar a agonia de uma situação política, perpetuando as dificuldades da população.
Uma coisa é a negociação política, subordinada à concretização do Bem Comum. Outra coisa é estender tal negociação, só por causa do milagreiro «consenso», sabendo-se de antemão que tal a pouco conduzirá. Quase que é dizer, com esta mania dos «consensos» custem o que custar, que já não há lugar à opção por Valores e por Princípios, a fim de a sociedade, virando-lhes desgraçadamente as costas, passar a ser guiada prioritariamente pelo que for resultando de acordos. Na União Europeia, de há muito que é assim, por isso está como está. Portugal, tristemente, anda por lá. Tudo é adiado no plano da lógica, da coerência e da eficiência para, no fundo, imperar a tecnocracia e nos impingirem o «pensamento único». Passem bem com os vossos consensos incapazes!”. (crónica de Alberto João Jardim na TVI24, na rubrica “Palavras Assinadas”, ontem, segunda-feira)