sexta-feira, maio 13, 2022

Opinião (Tribuna da Madeira): Europa para todos os (des) gostos

A reboque da guerra da Ucrânia e da surpreendente quase total unidade entre desavindos, a Europa comemorou esta semana uma efeméride - o Dia da Europa (9 de Maio) - com tanta pompa e circunstância que até parecia que estava a sobreviver de alguma coisa que a ameaçava e a tornava dispensável.

De facto, com uma Europa degradada, desunida, minada por egoísmos nacionalistas, condicionada pelos interesses dos países mais influentes, ameaçada por extremismos políticos absurdos, economicamente debilitada e pressionada por factores exógenos que não controla, a Europa percebeu, porque a isso foi obrigada pela rapidez e pela gravidade dos recentes acontecimentos, que acabou de receber mais uma oportunidade para emendar-se e corrigir caminhos. 

E que em cima da mesa volta a estar o complexo desafio da sua própria refundação para que possamos ter uma Europa útil, eficaz, com identidade própria, menos dependente do oportunismo saloio dos americanos (algo que hoje ada tem a ver com a solidariedade atlântica do pós-guerra, quando existiam políticos com grande arcaboiço, respeitados, ouvidos e sérios dos dois lados), uma Europa menos capitalista, mais humanista, menos refém de interesses e de sistemas financeiros que vivem do fundamentalismo da dívida que alimenta lucros vergonhosos, uma Europa livre de lobbies abjectos e mafiosos autorizados a toda a espécie de patifarias nos corredores institucionais. Ou seja, estamos a falar de uma última oportunidade para um projecto europeu que parece teimosamente parado no tempo e que se autoflagela fomentando a dissidência interna e o seu abandono.

Se politicamente, com mais ou menos entusiasmo e convicção, os estados-membros conseguiram marcar posições perante a guerra na Ucrânia - embora muita coisa pudesse ser dita sobre o real impacto de muitas daquelas cenas mediáticas de romarias organizadas rumo a Kiev que não passaram de ridículos momentos de beija-mão (porque nada de útil levaram a quem esperava e precisa de apoio concreto e continua à esperar…), ninguém duvida que os grandes desafios são agora sociais e económicos dado o impacto perigoso e corrosivo da inflação galopante e descontrolada associada ao impacto e aos custos do conflito russo-ucraniano e não só. Um impacto que pode virar rastilho de contestações sociais que em nada ajudariam a Europa nestes tempos de encruzilhada.

Uma Europa que desconfio começa a duvidar do efeito de sanções que parecem estar a ter um efeito ricochete nas sociedades europeias, porque foram declaradas apressadamente, na medida em que ninguém antes acreditou a tempo na inevitabilidade deste confronto directo com o poderoso urso russo. E que foi antecipadamente anunciado, e erradamente desvalorizado e até ridicularizado por políticos ocidentais idiotas, pedantes, medíocres e impreparados, que não souberam ler as entrelinhas do célebre discurso de Putin em Munique, em 2007, e de outros discursos que lhe seguiram. 

Como foi (é) possível ao Ocidente – apesar da queda caótica da ex-URSS e da fragilidade económica da China que, entretanto, deu a volta à situação e inverteu tudo - acreditar como plausível que duas potencias, Moscovo e Pequim, que sempre nos olharam com desconfiança e distanciamento agreste, alguma vez poderão ser aliados dos ocidentais? Esse foi, de facto, o primeiro grande erro que antecedeu o que hoje ocorre na Ucrânia e que, esperamos que não, pode repetir-se em Taiwan sem que ninguém, nem EUA nem a Europa possam fazer seja o que for.

No caso, Madeira, Açores e as RUPs, e por que de Europa falamos, há uma certa desilusão, pois em meu entender constato que a questão da ultraperiferia e mesmo da política regional europeia, foram desvalorizadas, em termos de defesa e valorização de uma especificidade interna europeia comum a três países (Portugal, Espanha e França). Consequência disso? O aumento do eurocepticismo e o facto dos jovens se sentirem mais cidadãos dos seus países do que europeus, Lamentavelmente! (LFM)

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