quarta-feira, maio 11, 2022

Mais prejuízos, mais trabalhadores e menos volume de negócios em 2020 em 143 empresas do Estado

Empresas não financeiras do Setor Empresarial do Estado, onde se destacam a saúde e os transportes, agravaram o prejuízo em 800 milhões em 2020, revela o Conselho das Finanças Públicas. Crescimento acentuado dos prejuízos, mais trabalhadores, menos volume de negócios e forte queda dos meios operacionais libertos. É este, a traços largos, o retrato do Setor Empresarial do Estado (SEE) feito pelo Conselho das Finanças Públicas, presidido por Nazaré Costa Cabral. A Covid-19 agravou o prejuízo das 143 empresas públicas. 2020 foi um ano muito negativo para as empresas do Setor Empresarial do Estado, especialmente paras as empresas não financeiras, cujo prejuízo se situou nos 2,5 mil milhões de euros. A exceção a esta maré vermelha foi o setor financeiro - onde a CGD está incluída -, que apresentou resultados positivos de 606 milhões de euros. O relatório publicado pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) é o primeiro estudo sobre o Sector Empresarial do Estado feito por esta entidade e diz respeito aos anos de 2019/2020.

O resultado líquido do setor não financeiro, composto por 88 empresas, registou um agravamento de 800 milhões de euros em relação aos prejuízos de 1,7 mil milhões de euros registados em 2019. Só os transportes, com a TAP à cabeça, geraram um prejuízo de 1,7 mil milhões de euros. Apenas 27 empresas (ou grupos de empresas) do setor não financeiro alcançaram resultados líquidos positivos em 2020, com as restantes 61 a registarem resultados negativos.

A pandemia de Covid-19 teve um impacto “muito negativo no desempenho económico” do SEE, composto por 143 empresas. Os números estão aí para o mostrar: o valor acrescentado bruto (VAB) contribuiu 3,1% para o PIB e 3,6% para o VAB nacional em 2020, menos 1,3 pontos percentuais (p.p.) e menos 1,5 p.p. que em 2019, respetivamente. As receitas para os cofres do Estado provenientes do SEE reduziram-se em 32,9%, para 248 milhões de euros, fruto da quebra dos dividendos, que caíram 214 milhões de euros.

Das 143 empresas do SEE, 64 são empresas do setor da gestão das águas, 48 do setor da saúde (14,1%) e 42 dos transportes e armazenagem (12,4%). Há também empresas públicas presentes no setor das atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas: 34 empresas. A este cenário negativo somam-se as responsabilidades contingentes (possíveis custos futuros), onde se destacam as garantias do Estado ativas no final de 2020, que ascendiam a cerca de 6,4 mil milhões de euros, o equivalente a 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Com a economia em travagem a fundo houve também uma quebra de 23,5% no volume de negócios face a 2019, para 9,3 mil milhões de euros e uma descida de 38,5% na criação de VAB para 4,7 mil milhões.

“Há uma degradação muito significativa dos resultados económicos durante o biénio 2019-2020, refletindo os efeitos negativos da Covid-19”, salienta o CFP no seu relatório. Deu-se uma quebra a pique no EBITDA (meios operacionais libertos), que passou de 1,5 mil milhões de euros euros em 2019 para um valor residual de 12 milhões de euros em 2020. O resultado operacional caiu de 131 milhões para menos 1,6 mil milhões de euros.

MAIS TRABALHADORES

O recuo das contas não levou, contudo, ao emagrecimento do número de trabalhadores, que cresceu 3,5% para 158.958 profissionais em 2020 face a 2019. Os trabalhadores do SEE representam 22,1% do emprego público e 3,4% do emprego nacional. O maior crescimento do número de trabalhadores verificou-se no setor não financeiro, cujo número ascendeu a 144.714 em 2020, mais 4,5% que em 2019. Um aumento que está relacionado sobretudo com a saúde, e ligado ao reforço devido à pandemia..

O relatório revela que globalmente o ativo do SEE aumentou 621,5 milhões de euros face a 2019, passando para 59,4 mil milhões em 2020, mas o passivo cresceu 1,2 mil milhões de euros, passando para 56,2 mil milhões de euros. Situação que degradou o capital próprio destas empresas: 3,15 mil milhões em 2020, menos 15% do que em 2019.

Esta deterioração do capital próprio reflete os resultados negativos do exercício de 2020, os quais absorveram boa parte das entradas de capital realizadas pelo Estado nesse ano (+ 1,5 mil milhões de euros). O relatório revela que eram 33 as empresas públicas que no final de 2020 apresentavam capitais próprios negativos, estando assim na situação de falência técnica.

SAÚDE E TRANSPORTES SÃO AS ÁREAS QUE MAIS PESAM NOS PREJUÍZOS

Dois setores de atividade concentravam mais de 80% dos agregados económico-financeiros das empresas não financeiras do Estado: saúde e transportes. No final de 2020, o sector da saúde tinha o maior número de profissionais (78% do total), de volume de negócios (55%) e de gastos operacionais relevantes (65%).

Todas as empresas públicas do Sistema Nacional de Saúde (SNS) registaram resultados líquidos negativos em 2020. O prejuízo agregado do SNS ascendeu a 775,7 milhões de euros, um crescimento face aos 750,1 milhões de euros de 2019. Mais de metade das empresas do SNS, mais concretamente 22, apresentavam capitais próprios negativos no final de 2020.

No setor dos transportes e armazenagem o impacto da Covid foi forte, o que era de esperar, uma vez que o confinamento impedia as pessoas de circular. O volume de negócios caiu 50,6% face a 2019, com maior impacto na área dos transportes. É o sector dos transportes e armazenagem que reúne a maior parte do ativo (70%) e do capital social investido pelo Estado (67%).

Os gastos operacionais relevantes no setor dos transportes e armazenagem tiveram uma redução inferior (-37,7%), o que deteriorou o VAB e a eficiência operacional, gerando prejuízo global de 1,7 mil milhões de euros em 2020, um valor que compara com o prejuízo de 200 mil milhões reportados em 2019. Uma grande parte do prejuízo de 2020 provém da TAP: 1,4 mil milhões de euros.

SETOR FINANCEIRO COM LUCRO

Do lado dos ganhos esteve apenas o setor das empresas financeiras do Estado, que atingiu um resultado líquido positivo de 606 milhões de euros em 2020, ainda assim a recuar 358,5 milhões de euros face a 2019. A Caixa Geral de Depósitos é a principal responsável por este desempenho positivo, apesar de ter registado, em 2020, um resultado líquido de 491,6 milhões de euros, inferior aos 775,9 milhões alcançados em 2019, destaca o CFP. O relatório revela também que o esforço financeiro líquido do Estado totalizou 5,1 mil milhões de euros em 2020, menos 14,6% do que em 2019, representando 2,5% do PIB desse ano.

Os fluxos financeiros dirigidos ao setor também reduziram, totalizando 5,6 mil milhões de euros em 2020, menos 16,7% que 2019. Estiveram distribuídos entre dotações de capital (36,3%), transferências e subsídios (33,6%) e empréstimos (30,1%). Nas dotações financeiras destacam-se os montantes atribuídos à IP (1,05 mil milhões de euros), às entidades do SNS (563 milhões de euros para cobertura de prejuízos) e à Metropolitano de Lisboa (320 milhões de euros). "É também de salientar o reforço da presença do Estado na TAP (+55 milhões de euros), associado ao empréstimo concedido à empresa", sublinha o relatório.

O investimento pago pelas empresas do SEE em 2020 totalizou 1,864 mil milhões de euros, mais 4,5% do que em 2019, o equivalente a 0,9% do PIB. Os empréstimos concedidos às empresas do SEE, líquidos de reembolsos, ascenderam 1,7 mil milhões de euros em 2020 - só 1,2 mil milhões de euros foi para a TAP.

ÁGUAS DE PORTUGAL COM MAIORES CONTINGENTES

Dentro das responsabilidades contingentes, destacam-se, como já referido, as garantias do Estado ativas no final de 2020, que ascendiam a 6,39 mil milhões de euros (3,2% do PIB). Cerca de 20% destas garantias estavam associadas a entidades públicas classificadas fora do setor das Administrações Públicas (1,3 mil milhões) - destacando-se o grupo Águas de Portugal com 1,1 mil mil milhões de euros (17,4% do total) - podendo vir a ter impacto no défice e na dívida pública se acionadas as garantias, alerta o CFP. A segunda forma de responsabilidades contingentes mais relevante, destaca o organismo presidido por Nazaré da Costa Cabral, resulta do endividamento das empresas públicas: 2,3 mil milhões de euros em 2020 (1,2% do PIB).

Em 2020, o endividamento das empresas públicas não reclassificadas manteve-se cerca dos 2,3 mil milhões de euros. Este valor está concentrado, essencialmente, no grupo Águas de Portugal (77,1% do total) e na STCP (16,5%).

OS CONSELHOS DO CFP

O Conselho das Finanças Públicas sublinha que se denota "a forte exposição deste sector a choques exógenos", e por isso, aconselha a que as empresas públicas a fazer uma correta identificação dos diferentes riscos, avaliação (preditiva) dos seus impactos e adoção das necessárias medidas de prevenção e contenção. O CFP apela a que se tenha consciência que atuam "num contexto concorrencial e segundo princípios de mercado, até por imposição da legislação europeia", e que isso os obriga ao desenvolvimento e aprovação de instrumentos de gestão promotores da melhoria dos principais indicadores financeiros, de eficiência operacional e de solvabilidade.

Esta exigência, diz o CFP, "é agora mais crítica do que nunca – num quadro de forte deterioração verificada nos últimos anos e com sinais preocupantes no imediato - não apenas para garantir a sustentabilidade financeira futura destas entidades, mas do Estado no seu todo, enquanto seu acionista exclusivo ou maioritário".

O SEE "tem sido para o Estado fonte primacial de custo e de despesa (a que se juntam ainda responsabilidades contingentes), e menos de distribuição de dividendos e de receita. E defende a definição de orientações verdadeiramente estratégicas para as empresas nas diferentes áreas e tendo em conta o seu papel na economia nacional (Expresso, texto da jornalista Anabela Campos) 

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