quarta-feira, fevereiro 07, 2024

Laços familiares são principal justificação dos “deputados paraquedistas”

Estratégias dos partidos ao fazer as listas conduzem candidatos a círculos diferentes dos habituais. Mas entre os dez casos que se destacam nas eleições de 10 de março há quem desvalorize o assunto e defenda que o importante é representar bem os eleitores. Um sinal de que o fenómeno designado por paraquedismo eleitoral não é novo reside no facto de há três décadas ter havido um deputado a justificar o círculo pelo qual seria cabeça de lista por esse distrito coincidir com um dos seus apelidos. Não é o caso de nenhum dos que se candidatam nestas legislativas em terras às quais não têm ligação evidente, em circunstâncias muitas vezes ditadas por lógicas nacionais. 

Nas listas dos principais partidos e coligações há uma dezena destes casos com eleição garantida ou muito provável, sendo os mais notórios os dos cabeças de lista da Aliança Democrática (AD) em Faro e Setúbal. A escolha do vice-presidente do PSD e da Câmara de Cascais, Miguel Pinto Luz, gerou contestação no Algarve - e a passagem a não inscrito (e candidato do Chega) do social-democrata Rui Cristina -, havendo também estupefação com a escolha da ex-ministra Teresa Morais, três vezes candidata por Leiria, para primeira candidata da coligação em Setúbal. Perante acusações de paraquedismo, Pinto Luz apontou ligações familiares ao distrito de Faro, de onde era natural o avô paterno e vive o pai, mas preferiu realçar que se tem dedicado ao turismo e às infraestruturas, “temas quentes no desenvolvimento da região”.

Por seu lado, Teresa Morais disse ao DN que considera ter “uma ligação próxima ao distrito”, patente no facto de ter dado aulas na Universidade Moderna, em Setúbal, e de ter casa no concelho de Grândola, “onde passa boa parte do tempo, até por razões de saúde”. Por outro lado, a cabeça de lista da AD considera que “foi muito bem recebida” pelas estruturas locais do PSD e do CDS-PP, até por algumas causas em que trabalhou “durante muitos anos, como deputada, governante e docente universitária”, incluindo direitos das mulheres ou prevenção e combate à violência doméstica, serem “temas de grande relevância política e social” no distrito.

Apesar disso, metade dos alegados paraquedistas estão nas listas do PS. Num caso pela segunda vez, pois a lisboeta Alexandra Leitão volta a ser cabeça de lista por Santarém. Numa entrevista ao Mirante, a ex-ministra (e coordenadora do programa eleitoral do PS) disse que “mais importante do que a proveniência do nascimento ou da residência é o empenho que a pessoa coloca naquilo que são as preocupações no seu território”.

Com a maior parte dos casos no PS associados a apoiantes de Pedro Nuno Santos “desviados” dos círculos habituais - o madeirense Carlos Pereira, desafeto do líder regional Paulo Cafôfo, é 11.º por Lisboa, e o ex-secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo, que foi vereador da Câmara de Viseu, é sexto em Setúbal -, a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, passa de Lisboa para segunda em Leiria, e o secretário-geral da Juventude Socialista (JS), Miguel Costa Matos, também transita da capital para Setúbal.

Ao DN, Costa Matos disse que ser o segundo por Setúbal é “uma valorização do secretário-geral da JS”, mas realçou ter passado grande parte da infância na Margem Sul, onde vivem os avós maternos e o pai tem atividade profissional. “Não sou alguém que acaba de aterrar no distrito”, defendeu, acrescentando que a sua inclusão “não foi estranha” nem para si nem para os camaradas de partido, contando representar bem um distrito “que conhece bem as virtudes da governação socialista”.

Mal recebido por núcleos locais de Aveiro da Iniciativa Liberal ao saber-se que seria cabeça de lista, sendo tratado por “candidato alienígena ao distrito”, Mário Amorim Lopes garante ao DN que tudo foi ultrapassado. Com ligações familiares ao círculo, pois a família materna é de Santa Maria de Lamas, tal como profissionais, o deputado na Assembleia Municipal do Porto diz que “ninguém até à data levantou esta questão”, e prepara-se para representar “um distrito de gente empreendedora”, que “é um exemplo para o resto do país”, mas precisa de mais investimento público.

Já Rui Cristina, que de eleito pelo PSD em Faro - também é vereador na Câmara de Loulé - passa a cabeça de lista do Chega por Évora, enquanto independente, disse ao DN que entre Algarve e Alentejo se encontram “desafios bastante similares”, como a escassez de água, vendo algumas das suas lutas políticas, incluindo a precariedade e o isolamento na velhice, como “questões de relevância para o distrito”.

Quanto ao termo paraquedista, Rui Cristina diz que é “inadequado e corresponde a mais um lugar comum da linguagem política”. Contactada pelo DN, a sua provável futura colega de bancada parlamentar Cristina Rodrigues, ex-deputada não inscrita (eleita pelo PAN) por Setúbal, que surge em terceiro na lista do Chega pelo Porto, preferiu não falar sobre o tema, nomeadamente por não ser cabeça de lista.

Porto é uma passagem entre Estrasburgo e São Bento

Quase 15 anos no Parlamento Europeu colocam Marisa Matias e Nuno Melo entre os mais experientes eurodeputados portugueses, em conjunto com Paulo Rangel e José Manuel Fernandes, também eleitos pela primeira vez em 2009, mas deixarão tal estatuto aos dois sociais-democratas, pois ambos são candidatos à Assembleia da República em lugares de eleição garantida. Nos dois casos pelo círculo do Porto, onde a candidata presidencial em 2016 e 2021 é cabeça de lista do Bloco de Esquerda e o líder do CDS-PP é o segundo candidato da Aliança Democrática (AD).

Marisa Matias vai estrear-se na Assembleia da República, após ter tentado ser presidente da Câmara de Coimbra, sua cidade natal, nas autárquicas de 2005. Quatro anos depois foi eleita pela primeira vez eurodeputada, mantendo-se desde entre Bruxelas e Estrasburgo, embora acompanhe temas do Porto, como a reabertura do Mercado do Bolhão.

Para Nuno Melo, que foi eleito três vezes deputado pelo círculo de Braga antes de se tornar eurodeputado, o círculo pelo qual se candidata foi ditado, entre outros fatores, por o CDS-PP só ter lugares elegíveis em Lisboa e Porto. 

Sindicalistas da UGT variam entre os maiores círculos

Depois de ter sido eleito deputado pelo PSD nos círculos de Setúbal, Faro, Lisboa, Leiria, e novamente Lisboa, o secretário-geral dos Trabalhadores Sociais Democratas (TSD), Pedro Roque, voltará à Assembleia da República na próxima legislatura como sétimo da lista da Aliança Democrática (AD) pelo Porto.

Em sentido contrário, a socialista Ana Paula Bernardo, antiga secretária-geral adjunta da União Geral dos Trabalhadores (UGT), funções que chegou a acumular com as de consultora da Casa Civil do Presidente da República, entre 2016 e 2022, viu terminar a meio a sua primeira legislatura, na qual foi eleita pelo Porto, e prepara-se para fazer um caminho para a reeleição inverso ao de Pedro Roque: é a 10.ª da lista do PS pelo círculo de Lisboa, pelo que também tem garantida a continuidade na Assembleia da República.

Com a quebra do PCP a dificultar a presença da CGTP, os dois principais partidos têm garantido representação parlamentar das correntes socialista e social-democrata da UGT. Quando o CDS-PP tinha mais votos, também Fernando Moura e Silva, da Federação dos Trabalhadores Democratas-Cristãos, foi deputado (DN-Lisboa, texto do jornalista Leonardo Ralha)

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