Quando Pedro Passos Coelho se referiu ao seu “horizonte político e pessoal” esta segunda-feira, no Grémio Literário, em Lisboa, limitou-se a sinalizar o óbvio: o ex-líder do PSD nunca disse que tinha morrido para a política e jamais, desde que abandonou as funções, fez qualquer declaração no sentido de “nunca mais” regressar. De resto, tão recentemente como em novembro do ano passado, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter afirmado em público que o país devia “esperar muito do seu contributo no futuro”, Passos chegou a dizer que estava “fora de tudo” e que assim pretendia “continuar”. Mas também clarificou que esse “horizonte” era uma possibilidade: “Não há nenhuma razão para dizer que nunca mais na vida faço coisa nenhuma, seria uma tolice, um absurdo”, afirmou então. Agora, embora, segundo fontes passistas, não deseje causar “perturbação”, também não considera “razoável” ficar calado e desaparecer da cena cívica e pública por haver quem se perturbe com a sua intervenção e ache que ele será candidato ao que quer que seja: “Não tem um dever nem uma obrigação moral de voltar à política, mas não fez um voto de silêncio”, verbalizou Miguel Relvas, ex-ministro de Passos, esta semana, na CNN.
O ex-primeiro-ministro, que recentemente escreveu um artigo no “Observador” contra a eutanásia e que publicou um longo prefácio com detalhes sobre o seu Governo no livro do ex-embaixador português em Berlim, tem na gaveta um livro à espera do melhor momento para lançar e escreverá em breve o prefácio de outro livro, apurou o Expresso. Passos não abdicará da intervenção cívica que também pode ser vista como política.
Com a presença de Passos Coelho e de Marcelo Rebelo de Sousa — que os passistas acusam de ter ampliado as palavras de Passos para criar um facto político —, Luís Montenegro foi convidado pela organização do evento, mas declinou depois de esta o ter dado como certo, alegando motivos de agenda: na noite de 27 de fevereiro, o líder do PSD preferiu ir a um jantar com o Harvard Club (associação de portugueses que passaram pela Universidade de Harvard), que o partido não tornou público. Caso estivesse presente, corria o risco de ser subalternizado pelo ex-líder, avalia um social-democrata ouvido pelo Expresso.
A estrela da noite era mesmo o ex-líder do PSD, a rivalizar com outro ex-líder, o Presidente da República, que chegou a horas ao palácio do Grémio Literário, pelas 19 horas, para assinalar os 10 anos do Senado, uma associação de jovens de várias sensibilidades de direita que realizam jantares-palestras quase toda as semanas nas suas ‘câmaras’ (grupos que funcionam nas respetivas casas e que já fizeram 500 jantares com cerca de 200 palestrantes). Ora, Marcelo, que participou em sessões com aqueles jovens antes e depois de ir para Belém, ainda teve de esperar alguns minutos para que o evento se iniciasse. Entre os presentes havia quem ironizasse que estavam à espera do D. Sebastião. E eis que chegou Pedro Passos Coelho, para falar de construção europeia, porque não queria “fazer uma intervenção que pudesse ter ressonância pública”. Mas teve — no próprio PSD.
COMO COMEÇAR DE NOVO EM POLÍTICA?
Não deixa de ser irónico que a palestra de Luís Montenegro aos jovens do Senado, realizada em março de 2018, durante um jantar no Porto, tenha sido um “testemunho de como começar de novo em política”. Ignora-se, porém, se o testemunho de Montenegro aos jovens continha conselhos que encaixassem agora num eventual recomeço político de Passos — que passistas insistem em classificar ao Expresso como “altamente improvável”. Outras fontes apontam o facto, revelado pela “Sábado” há uma semana, de Passos ganhar pouco mais de dois mil euros como professor e de recusar convites de empresas como forma de preservar a sua independência para esse eventual futuro.
Nos oito meses que leva à frente do PSD, Montenegro tem lidado com a ‘sombra’ de André Ventura — ora porque é acusado de ir a reboque do Chega, ora porque insiste em não desfazer o tabu sobre entendimentos futuros entre os dois partidos —, mas também com o ‘fantasma’ de Passos, que vai fazendo aparições pontuais, sempre muito mediatizadas. Na quarta-feira, na inauguração da Bolsa de Turismo de Lisboa e após um fugaz cruzamento com Marcelo, o líder social-democrata desvalorizou mais esta intervenção: descreveu Passos como “um ativo extraordinário do país”, acrescentando que, se o antigo primeiro-ministro “regressar à política ativa”, será “sempre motivo de satisfação do PSD” e da sua “satisfação particular”. Estaria a falar de presidenciais? Em Belém, a convicção é de que Passos prefere São Bento (ver Marcelo sobre Passos: “Cronicamente pessimista”, “falta-lhe trazer esperança). “Eu não tenho receio de nada nem de ninguém”, disse ainda Montenegro quando questionado sobre se este eventual regresso ensombra a sua liderança.
O secretário-geral do PSD também não alinha na tese do ‘fantasma’. “Se há direção político-partidária que tem admiração por Passos Coelho é esta, portanto como é que podia ser um fantasma? Pelo contrário, o que vejo em Passos Coelho é um capital político enorme para ajudar o PSD e Montenegro a ganharem as próximas eleições legislativas”, diz Hugo Soares ao Expresso. E garante ter “a certeza absoluta” de que “Passos tudo fará para ajudar Montenegro a ser primeiro-ministro”, pelo que a convicção na direção é de que este nunca disputaria a liderança do PSD em 2024 — isto é, em diretas do partido na sequência de um eventual fraco desempenho nas europeias. Mas já lá vamos.
No PSD, as declarações inflamadas de Marcelo sobre Passos tendem a ser desvalorizadas como um fait divers. Tanto mais que se crê que de cada vez que o Presidente da República fala no antigo primeiro-ministro isso é meio caminho para Passos não desejar voltar tão cedo. Por isso é que uma contenda Passos vs. Montenegro não entra na cabeça dos sociais-democratas. É certo, para os mais próximos de Passos, que o ex-primeiro-ministro nada fará para Montenegro cair. Outra coisa é o líder sair pelo seu pé se as europeias correrem mal (ver texto ao lado) e haver uma vaga de fundo para o seu regresso. Mas se Montenegro tiver um bom resultado, um destacado social-democrata comenta que o ex-líder terá de equacionar um plano B, ainda que a ideia de ser Presidente da República não o seduza.
Embora continuem a ser definidos como amigos, as relações de Passos com Montenegro esfriaram depois de o ex-primeiro-ministro ter escrito um artigo no “Observador” a defender que o PSD devia ter uma posição oficial contra a eutanásia e a assumir-se contra um eventual referendo. O líder do PSD reagiu dizendo que discordava “completamente” de Passos, cuja intervenção foi vista no partido como uma pressão. Depois disto, a cumplicidade não terá voltado a ser a mesma.
REGIONALIZAÇÃO, NÃO!
A intervenção de Passos Coelho durante mais de uma hora sobre a construção europeia foi muito para além da possibilidade de um regresso e deixou pistas sobre o seu atual pensamento. “Continua a estudar todos os dias e a atualizar-se”, diz um amigo do agora professor no Instituto de Ciências Sociais e Políticas e na Universidade Lusíada. Depois de ter criticado Christine Lagarde, presidente do BCE, por não ter começado a reagir mais cedo à inflação com um aumento das taxas de juro, Passos fez questão de deixar claro que é contra a regionalização, um tema que divide o próprio partido. E sublinhou o facto de “faltar um desígnio” à governação “que nos faça convergir em termos reais e sérios”. Só elogiou o Governo por manter o seu legado e continuar o esforço para baixar a dívida, embora através de políticas que não seriam as suas.
Criticou também o facto de os fundos europeus não terem alavancado a economia portuguesa como aconteceu nos países de Leste, que aderiram depois, como a Roménia, e alertou para um aspeto: o ‘helicóptero’ de dinheiro do PRR terá de ser pago por alguém no futuro. Pessimista? Um passista de sempre acha que o ex-líder do PSD continua a ser apenas “realista”.
REGRESSO DE MOTA PINTO É “MOMENTO DE REGOZIJO PARA DEPUTADOS DESCONTENTES”
O ex-líder parlamentar do PSD Paulo Mota Pinto voltou esta quarta-feira à Assembleia da República, sentando-se na última fila da bancada do partido. O deputado, que em setembro suspendeu o mandato por cinco meses, diz ao Expresso que este regresso “significa, desde logo, o desempenho do mandato” para que foi eleito. “É importante o PSD afirmar-se. Quero ajudar o partido na tarefa de oposição ao Governo”, acrescenta. Mota Pinto não comenta o trabalho parlamentar durante a sua ausência, limitando-se a dizer que desde que foi “libertado dos encargos” como líder da bancada, tratou de “ocupações académicas”. E reconduz a conversa para o Governo, que, afirma, “mostra falta de energia reformadora e que, quando tenta fazer reformas, são atabalhoadas e dão sinais errados à sociedade e à economia”.
Deputados da ala rioísta falam em “momento de regozijo”. “Este regresso vem dar fôlego aos deputados descontentes, que podem ver nele uma figura que os representa”, dizem. Resta saber “se o partido volta a encostá-lo ou se aproveita este excelente tribuno”. Há mesmo quem lance a hipótese de Mota Pinto vir a desafiar Joaquim Miranda Sarmento quando a direção do grupo parlamentar for a votos no próximo ano.
Mota Pinto foi eleito com 92% dos votos em abril, mas não esteve mais de três meses no cargo. Quando assumiu a liderança do PSD, Luís Montenegro impôs o nome de Miranda Sarmento, que não foi além dos 60% (Expresso, texto dos jornalistas HÉLDER GOMES e VÍTOR MATOS)
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