segunda-feira, fevereiro 21, 2022

Com uma revisão da Lei das Finanças Regionais a República não vai dar mais dinheiro para acudir às necessidades da Saúde e da Educação nos Açores

 


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Carlos Rezendes Cabral - Micaelense dos quatro costados. Crítico ao poder instituído bem como a situações menos “claras”.

CA - Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social.

Muito sucintamente: tenho o antigo Curso Geral dos Liceus que dava acesso não só ao magistério primário (professor) mas também a tudo quanto era trabalho que não exigisse formação superior (universidade).

Profissionalmente, tenho um longo percurso. Comecei a trabalhar na Intendência de Pecuária (1957) quinze dias após ter terminado o Liceu. Depois trabalhei como Fiscal Técnico na extinta Direcção de Urbanização dos Açores que dependia do Ministério de Obras Públicas. Daí fui para os CTT onde fiz estágio de Operador de Reserva tendo trabalhado no gabinete do então Chefe de Estação (Ferreira de Melo) e nas encomendas postais. Daqui, e após ter feito o serviço militar, fui para J.H. Ornelas; depois para Varela e, por fim, para a Casa Bensaude de onde saí para director comercial da ASO, onde permaneci muito pouco tempo para fundar a Dinaço-Sociedade Metalúrgica dos Açores que abastecia todas as lojas de ferragens de São Miguel. Ao fim de um quarto de século fechei a empresa.

Socialmente, fui co-fundador do Banco Alimentar Contra a Fome em S. Miguel, membro da Assembleia Geral da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada durante algumas décadas; Presidente do Conselho Fiscal e Vice-presidente da Direcção da mesma Associação. Para além disto, fui durante 12 anos deputado municipal da Assembleia Municipal de Ponta Delgada pelo PSD, mas com estatuto de independente. Nesse âmbito, pertenci a várias comissões permanentes.

(...)

CA - Sempre foi um simpatizante da independência dos Açores e da FLA? A independência dos Açores está e vai continuar no sentimento de muitos açorianos. Já a Frente de Libertação dos Açores estará em fase de extinção...

- Estive envolvido, de corpo inteiro, no processo de emancipação dos Açores. Reivindico o meu quinhão na transformação dos Açores.

Por isso, eu sou dos que pensam que, se não tivesse havido a FLA não havia autonomia. Mesmo esta miséria autonómica que vivemos porque não temos dirigentes com … coragem suficiente para dar um murro na mesa exigindo da República aquilo que temos direito. Todavia, sinto que a FLA, enquanto organização, está moribunda. Porém, o sentimento nacionalista prevalece, como disse e bem.

CA - O considerado “centralismo do Terreiro do Paço” continua a ter a força de sempre. E hoje mais do que ontem. O centralismo é um sentimento colonialista? Um sentimento continental português de expansão para o Atlântico?

- Portugal sempre foi centralista e mentiroso quanto às liberdades. Recordo que Portugal foi um dos primeiros países do mundo a abolir a pena de morte e a escravatura. Porém, foi um dos últimos países a deixar o comércio de escravos entre África e as Américas.

CA - É ser ingénuo acreditar que a Região vai ter poder vinculativo em algumas áreas da gestão partilhada do mar dos Açores? Por exemplo, na decisão de exploração mineira em fundos marinhos açorianos se algum dia ela existir?

- A riqueza que dizem existir no fundo do nosso mar levará dezenas de anos a ser explorada, atendendo à profundidade a que se encontra. Por isso, para já, não se preocupem. Isto porque as leis que hoje restringem, amanhã podem ser alteradas se houver vontade política e governantes açorianos com tudo no sítio.

CA - Acredita que o Governo de maioria absoluta do PS vai manter uma boa relação com o Governo de coligação dos Açores para se resolver rapidamente questões que estão pendentes entre os dois executivos?

- Completamente descrente.

CA - A questão do relacionamento financeiro entre o Governo da República e o Governo dos Açores continua a estar na ordem do dia. Na Região há quem defenda uma revisão da Lei de Finanças Regionais que leve o Governo da República a disponibilizar mais meios financeiros para a Saúde e para a Educação. Acredita que isso possa acontecer?

- Negativo. A luta Açores/Lisboa tem de ser diária porque se não é o Presidente da República, é a Assembleia da República ou o Tribunal Constitucional. Se não é o Primeiro-ministro é um qualquer Ministro ou Secretário de Estado. Recordo que até Directores de Serviço já interferiram negativamente quanto às nossas pretensões!

CA - O que pensa da política e dos políticos açorianos de hoje?  

- Aos políticos falta-lhes sentido de Estado para decidirem em benefício do povo. A política não tem passado de uma cópia do que se passa na República.

CA - Enquanto cidadão, acredita na perenidade do actual Governo dos Açores resultante da aliança entre PSD/CDSPP/PPM com acordos parlamentares com o Iniciativa Liberal e o Chega? É um Governo para durar?

- O actual Governo anda sempre no “fio da navalha” e a satisfazer caprichos deste ou daquele  deputado, coligado ou não. Julgo que não irá aguentar até ao fim.

CA - O Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, deveria remodelar o Governo? Há quem entenda que deveria acabar com o cargo de Vice-presidente. Qual a sua opinião?

- Completamente de acordo. E não só ele. Há mais excrescências!

CA - Um Governo regional frágil nos Açores leva a que aumente o Ímpeto centralista dos governos da República?

- É lógico que assim seja. Não havendo quem conteste – ou conteste a medo – “os mandões lisboetas” enchem-se de força.

CA - Que reflexão faz sobre o desenvolvimento harmónico da Região.  

- Desenvolver a Região com harmonia, não é satisfazer caprichos. Para se desenvolver com harmonia há que ter em linha de conta a população, o comércio, a indústria, as acessibilidades e outras componentes que são diferentes de ilha para ilha. Harmonia não significa igualdade (Correio dos Açores)

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