segunda-feira, fevereiro 21, 2022

Da pirâmide ao "cilindro": Há mais chefes que soldados na tropa



As Forças Armadas têm mais "chefes" que soldados: 59% de oficiais e sargentos para 41% de praças. Distribuindo praças por sargentos e oficiais, estes não chegam a ter um soldado para cada. Independentemente das tendências da evolução dos efetivos das Forças Armadas e de números dissonantes, o ano de 2021 revela um acentuar do desequilíbrio na estrutura militar entre praças, de um lado, e sargentos e oficiais por outro.

A base, que devia ser ampla, como a de uma pirâmide hierárquica, está mais reduzida que o topo: dos militares no ativo, apenas 41% são praças e 59% são oficiais e sargentos - distribuindo praças por "chefes", estes não chegam a ter um soldado para cada. Os números aqui utilizados são os de apresentações não classificadas dos ramos, a que o DN teve acesso. A pirâmide já desapareceu em todos os ramos.

O Exército está quase numa relação de um para um (43% praças; 16% sargentos e 17% oficiais, num total de 43%). Na Marinha há 46% praças; 29% sargentos e 25% oficiais (total 54%). Na Força Aérea, a pirâmide está praticamente invertida: 19% praças; 49% sargentos e 32% oficiais (total 81%).

"Todos sabem que neste momento faltam 6000 praças, face ao número definido pelo governo. Esta situação cria um enorme problema de disfunção em toda a estrutura. Há casos em que são os sargentos mais novos a fazerem o trabalho das praças o que, à letra, até é ilegal, e há também oficiais a cumprirem funções de sargentos", afirma o presidente da AOFA.

"O pessoal está saturado, estamos a fazer em média 60 horas por semana, sendo que não há nenhuma compensação por isso", alerta. Este oficial assinala que "desde 2011 que tem havido uma redução de efetivo, mas não há menos missões, pelo contrário, foram ainda acrescentadas missões, como as de prevenção e combate aos incêndios de forma permanente, já para não falar em tudo o que os militares fizeram durante a pandemia, com muita gente a não ter férias durante dois anos".

A ex-deputada do PSD, que integrou a Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República, Ana Miguel dos Santos questiona se "será suficiente o Dia de Defesa Nacional para atrair mais jovens para as Forças Armadas".

A antiga coordenadora social-democrata para a Defesa Nacional acredita que "é preciso fazer muito mais pela condição militar, logo à partida em relação às diferenças salariais" entre soldados e polícias, mas também reavaliar e melhorar as "contrapartidas que se podem dar para compensar a supressão de direitos inerente à condição militar".

Esta perita em defesa lembra "a situação invulgar de haver 99 oficiais generais, cada um com uma média de 230 militares sob o seu comando, distorcendo o básico das estruturas de comando". "Já não é uma pirâmide, mas um cilindro", ironiza, recordando que uma das propostas do PSD para promover a melhoria de condições para atrair mais soldados, que era a criação de um quadro permanente de praças no Exército e na Força Aérea (atualmente só há regime de contrato) "foi chumbado pelo PS, PCP e BE).

Apesar disso, lembra, "essa medida foi incluída no Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar, de 2019, e, surpreendentemente, sem ter sido executada, está no programa eleitoral do PS".

O general Carlos Chaves assevera que "não está em causa querer uma pirâmide perfeita", mas tal como a situação está, "é uma anomalia perigosa".

Admite que "num cenário em que não é previsível a necessidade imediata da projeção de um grande número de militares, pode até haver menos praças", mas acha "lamentável que se tenha feito anteriormente esforço para limar as arestas desta pirâmide e agora volte a estar assim".

Sublinha que "quem dita o número de efetivos é o governo (está em 32 mil) e tem de prever dinheiro para isso".

O ex-CEMA Melo Gomes diz que "os sargentos e oficiais não vão embora porque estão no quadro permanente, o que não acontece com as praças do Exército e da Força Aérea" e "o efeito é desastroso, logo à partida, porque o planeamento das carreiras não é coerente entre oficiais, sargentos e praças. Não há mecanismos de correção".

Concorda com a AOFA, quanto à enorme sobrecarga para as praças, que têm de estar permanentemente ao serviço". No seu entender, a "criação de condições de atratividade para esta carreira, como por exemplo, um bom apoio de serviços de saúde para o jovem militar, boa formação como qualificações reconhecidas pelo mercado, melhores salários, seria muito mais prioritário do que reforma da estrutura superior das Forças Armadas que com tanta urgência o governo e o PSD quiseram aprovar" (DN-Lisboa) 

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