sábado, abril 25, 2020

O colapso do petróleo em cinco perguntas e respostas (e não, não vamos ter combustível de borla)


Pela primeira vez na história, o petróleo foi transacionado nos Estados Unidos a preços negativos. Saiba por que é que isso não significa que possamos ter gasolina grátis e que outros impactos podemos esperar desta queda inédita. Opetróleo atingiu esta segunda-feira um marco inédito: foi pela primeira vez transacionado a valores negativos, sinalizando que os produtores (ou quem investe em petróleo) passou a pagar para que lhes fiquem com petróleo. O crude não é o único produto ou serviço de preços negativos. Mas o que podemos esperar agora? Teremos combustível mais barato nas estações de serviço? As petrolíferas vão falir?
POR QUE FOI O PETRÓLEO PARA PREÇOS NEGATIVOS?
Esta segunda-feira, o petróleo teve uma queda histórica no seu preço, mas apenas nos contratos futuros do WTI - West Texas Intermediate, um tipo de petróleo que é referência para o mercado norte-americano. A queda acentuada teve duas razões fundamentais. Por um lado, a queda da procura de combustíveis, que está a esgotar a capacidade de armazenamento de petróleo nos Estados Unidos da América. Por outro lado (e terá sido isto a justificar o colapso para preços negativos), a necessidade de muitos "traders" se desfazerem dos contratos futuros de maio, sob pena de, não os vendendo, terem de aceitar, no final do mês, ficar com os volumes físicos de petróleo que tinham em mãos, sem terem de facto onde armazenar o crude. A conjugação dos dois fatores levou a que o WTI tenha pela primeira vez passado a ser transacionado a valores negativos, ou seja, quem comprou os futuros de maio, assumiu o risco de nas próximas semanas revendê-los ou ter de receber fisicamente os volumes contratados, e, em vez de pagar pelos contratos, está a ser remunerado por isso.

PREÇOS NEGATIVOS SIGNIFICA QUE VAMOS TER COMBUSTÍVEL GRÁTIS?
Não. Em primeiro lugar porque os preços negativos se verificaram no WTI, mas o "brent", tipo de petróleo que é usado como referência nos mercados europeus, continua a ser transacionado a preços acima de zero: esta noite estava a ser negociado a 26 dólares por barril (desvalorizando-se 7,6%, contra a desvalorização de 306% do WTI, para um valor negativo de 37,6 dólares por barril). Depois, mesmo que o "brent" caísse para zero, ou até para preços negativos, é necessário considerar outros fatores que compõem o preço de venda ao público da gasolina e do gasóleo. As atualizações que são feitas semanalmente nas estações de serviço em Portugal (por norma à segunda-feira) ponderam a variação média das cotações dos refinados (a gasolina e o gasóleo, e não o crude) na semana anterior. Embora as cotações dos refinados tendam a acompanhar a tendência do petróleo, não são necessariamente coincidentes e é isto que explica que numa semana o preço final da gasolina possa descer e o do gasóleo subir, e vice-versa. As cotações dos refinados são influenciadas pela evolução do mercado petrolífero mas também por fatores específicos dos mercados de gasóleo e gasolina. Finalmente, os impostos. Em Portugal o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) é cobrado com um valor absoluto por litro. O que significa que mesmo que a cotação internacional da gasolina fosse zero, cada litro de gasolina nas bombas em Portugal custaria 66,7 cêntimos (de ISP), acrescidos do custo logístico da sua comercialização e do IVA. O mesmo raciocínio aplica-se ao gasóleo, que suporta um ISP de 51,3 cêntimos por litro.
QUE OUTROS EXEMPLOS HÁ DE PREÇOS NEGATIVOS?
Há vários mercados de preços negativos além do petróleo. Em vários países europeus, a eletricidade é transacionada no mercado grossista a preços negativos, quando há mais oferta do que procura. Nessa situação os produtores de eletricidade estão dispostos a pagar, em determinados momentos, para continuarem a produzir, porque o custo de pararem as suas centrais elétricas e de voltarem a arrancar mais tarde é especialmente elevado. Mas há outros mercados que também operam com preços negativos. É o caso do sistema financeiro: há países que emitem dívida com taxas de juro negativas (em vez de pagarem para se endividarem, recebem por isso) e há bancos que também pagam aos bancos centrais para aí poderem aplicar o dinheiro dos clientes, em vez de receberem um juro por essas aplicações.
AS COMPANHIAS PETROLÍFERAS VÃO FALIR?
Poder-se-ia dizer, neste caso, que prever a morte das petrolíferas com base nos preços negativos do petróleo é manifestamente exagerado. A indústria petrolífera é extremamente volátil e está habituada a viver com grandes amplitudes de preços da matéria-prima. Não sabemos quanto tempo vai durar o fenómenos dos preços negativos no WTI, nem se este movimento irá contagiar a cotação de outros tipos de petróleo. Mas grande parte das petrolíferas (como a Galp) estão presentes em toda a cadeia de valor, desde a extração do crude à comercialização dos refinados, tendo algumas delas diversificado para as energias renováveis. A Galp já assumiu nos seus planos de negócio que os seus projetos petrolíferos são rentáveis com o petróleo a 25 dólares (tudo o que estiver acima dessa cotação é lucro adicional). Um outro desafio será o de responder à queda global da procura (desde o combustível de aviação aos combustíveis rodoviários). Não sabemos ao certo quanto tempo o confinamento irá durar, mas a recuperação das economias implicará necessariamente o retomar da mobilidade, que, no curto prazo, continuará a ser feita com produtos petrolíferos.
QUE CONSEQUÊNCIAS PODEM TER OS PREÇOS NEGATIVOS DO PETRÓLEO?
Há diversas consequências. Por um lado, a pressão negativa do WTI pode ter um efeito de arrasto noutros mercados petrolíferos e nas bolsas. Por outro lado, pode contaminar outros produtos, como, por exemplo, o preço do gás natural. Se isso acontecer, uma queda dos preços do gás significa que tendencialmente também parte da produção de eletricidade (a que usa centrais de ciclo combinado que queimam gás para gerar energia elétrica) fica mais barata. Mas há também consequências macro-económicas importantes, sobretudo para os países mais dependentes da produção e exportação de petróleo, cujos orçamentos estejam especialmente dependentes desse recurso. Qualquer país que assume um exercício orçamental com base num determinado preço do petróleo pode ser chamado a rever as suas contas se a cotação do produto baixar de forma relevante. Apontando um exemplo simples: este ano, quer por via da queda do consumo com a pandemia, quer pela forte queda de preço, as receitas do Estado português com os combustíveis (em ISP e IVA) serão menores (Expresso, texto do jornalista Miguel Prado)

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