Pela primeira vez na história, o petróleo foi
transacionado nos Estados Unidos a preços negativos. Saiba por que é que isso
não significa que possamos ter gasolina grátis e que outros impactos podemos
esperar desta queda inédita. Opetróleo atingiu esta segunda-feira um marco
inédito: foi pela primeira vez transacionado a valores negativos, sinalizando
que os produtores (ou quem investe em petróleo) passou a pagar para que lhes
fiquem com petróleo. O crude não é o único produto ou serviço de preços
negativos. Mas o que podemos esperar agora? Teremos combustível mais barato nas
estações de serviço? As petrolíferas vão falir?
POR QUE FOI O PETRÓLEO PARA PREÇOS NEGATIVOS?
Esta segunda-feira, o petróleo teve uma queda
histórica no seu preço, mas apenas nos contratos futuros do WTI - West Texas
Intermediate, um tipo de petróleo que é referência para o mercado
norte-americano. A queda acentuada teve duas razões fundamentais. Por um lado,
a queda da procura de combustíveis, que está a esgotar a capacidade de
armazenamento de petróleo nos Estados Unidos da América. Por outro lado (e terá
sido isto a justificar o colapso para preços negativos), a necessidade de
muitos "traders" se desfazerem dos contratos futuros de maio, sob
pena de, não os vendendo, terem de aceitar, no final do mês, ficar com os
volumes físicos de petróleo que tinham em mãos, sem terem de facto onde
armazenar o crude. A conjugação dos dois fatores levou a que o WTI tenha pela
primeira vez passado a ser transacionado a valores negativos, ou seja, quem
comprou os futuros de maio, assumiu o risco de nas próximas semanas revendê-los
ou ter de receber fisicamente os volumes contratados, e, em vez de pagar pelos
contratos, está a ser remunerado por isso.
PREÇOS NEGATIVOS SIGNIFICA QUE VAMOS TER
COMBUSTÍVEL GRÁTIS?
Não. Em primeiro lugar porque os preços
negativos se verificaram no WTI, mas o "brent", tipo de petróleo que
é usado como referência nos mercados europeus, continua a ser transacionado a
preços acima de zero: esta noite estava a ser negociado a 26 dólares por barril
(desvalorizando-se 7,6%, contra a desvalorização de 306% do WTI, para um valor
negativo de 37,6 dólares por barril). Depois, mesmo que o "brent"
caísse para zero, ou até para preços negativos, é necessário considerar outros
fatores que compõem o preço de venda ao público da gasolina e do gasóleo. As
atualizações que são feitas semanalmente nas estações de serviço em Portugal
(por norma à segunda-feira) ponderam a variação média das cotações dos
refinados (a gasolina e o gasóleo, e não o crude) na semana anterior. Embora as
cotações dos refinados tendam a acompanhar a tendência do petróleo, não são
necessariamente coincidentes e é isto que explica que numa semana o preço final
da gasolina possa descer e o do gasóleo subir, e vice-versa. As cotações dos
refinados são influenciadas pela evolução do mercado petrolífero mas também por
fatores específicos dos mercados de gasóleo e gasolina. Finalmente, os
impostos. Em Portugal o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) é cobrado com
um valor absoluto por litro. O que significa que mesmo que a cotação
internacional da gasolina fosse zero, cada litro de gasolina nas bombas em
Portugal custaria 66,7 cêntimos (de ISP), acrescidos do custo logístico da sua
comercialização e do IVA. O mesmo raciocínio aplica-se ao gasóleo, que suporta
um ISP de 51,3 cêntimos por litro.
QUE OUTROS EXEMPLOS HÁ DE PREÇOS NEGATIVOS?
Há vários mercados de preços negativos além do
petróleo. Em vários países europeus, a eletricidade é transacionada no mercado
grossista a preços negativos, quando há mais oferta do que procura. Nessa
situação os produtores de eletricidade estão dispostos a pagar, em determinados
momentos, para continuarem a produzir, porque o custo de pararem as suas
centrais elétricas e de voltarem a arrancar mais tarde é especialmente elevado.
Mas há outros mercados que também operam com preços negativos. É o caso do
sistema financeiro: há países que emitem dívida com taxas de juro negativas (em
vez de pagarem para se endividarem, recebem por isso) e há bancos que também
pagam aos bancos centrais para aí poderem aplicar o dinheiro dos clientes, em
vez de receberem um juro por essas aplicações.
AS COMPANHIAS PETROLÍFERAS VÃO FALIR?
Poder-se-ia dizer, neste caso, que prever a
morte das petrolíferas com base nos preços negativos do petróleo é
manifestamente exagerado. A indústria petrolífera é extremamente volátil e está
habituada a viver com grandes amplitudes de preços da matéria-prima. Não
sabemos quanto tempo vai durar o fenómenos dos preços negativos no WTI, nem se
este movimento irá contagiar a cotação de outros tipos de petróleo. Mas grande
parte das petrolíferas (como a Galp) estão presentes em toda a cadeia de valor,
desde a extração do crude à comercialização dos refinados, tendo algumas delas
diversificado para as energias renováveis. A Galp já assumiu nos seus planos de
negócio que os seus projetos petrolíferos são rentáveis com o petróleo a 25
dólares (tudo o que estiver acima dessa cotação é lucro adicional). Um outro
desafio será o de responder à queda global da procura (desde o combustível de
aviação aos combustíveis rodoviários). Não sabemos ao certo quanto tempo o
confinamento irá durar, mas a recuperação das economias implicará necessariamente
o retomar da mobilidade, que, no curto prazo, continuará a ser feita com
produtos petrolíferos.
QUE CONSEQUÊNCIAS PODEM TER OS PREÇOS
NEGATIVOS DO PETRÓLEO?
Há diversas consequências. Por um lado, a
pressão negativa do WTI pode ter um efeito de arrasto noutros mercados
petrolíferos e nas bolsas. Por outro lado, pode contaminar outros produtos,
como, por exemplo, o preço do gás natural. Se isso acontecer, uma queda dos
preços do gás significa que tendencialmente também parte da produção de
eletricidade (a que usa centrais de ciclo combinado que queimam gás para gerar
energia elétrica) fica mais barata. Mas há também consequências
macro-económicas importantes, sobretudo para os países mais dependentes da
produção e exportação de petróleo, cujos orçamentos estejam especialmente
dependentes desse recurso. Qualquer país que assume um exercício orçamental com
base num determinado preço do petróleo pode ser chamado a rever as suas contas se
a cotação do produto baixar de forma relevante. Apontando um exemplo simples:
este ano, quer por via da queda do consumo com a pandemia, quer pela forte
queda de preço, as receitas do Estado português com os combustíveis (em ISP e
IVA) serão menores (Expresso, texto do jornalista Miguel Prado)
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