domingo, abril 12, 2020

Nota: os desafios (quase) épicos da imprensa e da cs em geral

Um grupo de directores de jornais publicou recentemente uma declaração contra a institucionalização da pirataria no sector.
Falando claro.
Os directores manifestaram-se contra a generalização da partilha de edições completas de jornais (em papel) em sites classificados de "piratas", em prejuízo dos meios de comunicação social em causa.
O problema é que eu penso que esta reacção legítima dos directores de jornais - que compreendo e aceito, porque há que defender o sector e no meu caso isso nem se questiona - parece-me algo a destempo porque nestes tempos de pandemia o que faltava era as pessoas andarem a sair para comprarem jornais. E duvido que o acesso online pago seja uma opção neste momento em que famílias perderam rendimentos e  as prioridade das pessoas são outras.
É nessa lógica, e só, que acho a tomada de posição, repito, natural e legítima, pode ser vista como algo deslocada no tempo e no momento escolhido para a difusão dessa tomada de posição colectiva, tanto mais em que ela aparece numa altura em que muitos deles até abriram as edições em papel para acesso livre.
Muito francamente e repito e insisto, sem colocar em causa a importância e pertinência da declaração dos directores, que subscrevo, porque a sobrevivência dos meios comunicação é essencial numa democracia e numa sociedade evoluída, achei algo despropositada pelo timing escolhido.
Resta finalmente acrescentar e reafirmar o que eu sempre defendi e defendo:

a) o problema da comunicação social em geral, e particularmente da imprensa, não são as edições pagas e nem sequer a quebra das vendas em banca, que não são também determinantes na vida das empresas, mas sim as acentuadas quedas nas receitas com a publicidade;

b) sendo legítimo pensar que o regresso à normalidade e a retoma da actividade económica, deverá gerar uma grande torrente de publicidade para os média por parte das empresas. Mas até que isso aconteça os meios de comunicação social em geral, particularmente a imprensa, continuam a laborar, por turnos é certo, mas a trabalhar integralmente, muitos deles, em duas frentes, no digital e na edição impressa.

A conjugação destas situações acaba por causar grandes problemas aos meios de comunicação social em geral, que não estão fechados, pelo contrário continuam a laboral normalmente e são essenciais na difusão de informação às pessoas. Acho que as empresas do sector, na sua maioria, apesar das dificuldades que esta situação está a criar, não recorreram ao lay-off. Nem podem.
Por isso - e sei que o Bloco de Esquerda avançou na Assembleia da República com uma proposta de apoio extraordinário ao sector, por 3 meses e só para empresas que não tenham despedido profissionais e, julgo eu, que não tenham recorrido ao lay-off (o documento do BE não estava hoje disponível no site do parlamento) - continuo a pensar e a defender que cabe ao Estado - sem qualquer tentativa de aproveite este momento de fragilidade para sacanagens ou tentativas de controlo das empresas ou outras habilidades mais discretas mas manhosas, como é sabido (LFM)
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Alguns factos recentes que devem ser retidos:

- Quebras publicitárias provocadas pela pandemia fazem tremer um sector já debilitado. Ainda nem há quatro meses várias entidades, com o Presidente da República à cabeça, defendiam a urgência de tomar medidas de apoio à comunicação social. Em causa estava a crise estrutural vivida pelo sector, acelerada pela crise financeira e económica iniciada em 2007 e 2008. Mal podiam imaginar o que aí vinha: a situação de emergência criada pela pandemia de covid-19 fez soar os alarmes e levou a Plataforma de Media Privados (PMP) a apresentar ao Governo medidas “urgentes” e para serem implementadas de imediato.
- Na carta enviada ao ministro da Economia e ao secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, a PMP realça “um decréscimo homólogo das receitas superior a 20%”, mas ainda é cedo para se ter noção exata do grave impacto que o surto está a ter — e aponta previsões internacionais que referem reduções de 40% a 60% das receitas dos grupos de media.
- A dona da SIC e do Expresso prevê apenas reduzir alguns custos temporários, não antecipando despedimentos, à semelhança do grupo presidido por Luís Cabral. “Posso ter lay-offs numa área ou noutra, mas à data não há despedimentos em curso. Não nos podemos precipitar”, indica o líder da Media Capital, que detém a TVI. E recorda que o foco agora é “garantir que os media não param”, tendo o Estado que assegurar que “continuam a cumprir a missão de informar, aconselhar, tranquilizar — e entreter”.
- O Sindicato dos Jornalistas (SJ) “enviou um apelo ao Governo para que aprove o quanto antes um pacote de apoios à comunicação social, sob pena de o sector colapsar. A quebra de receitas publicitárias, o adiamento de investimentos e projetos editoriais e o decréscimo nas vendas de publicações perió­dicas vão acentuar-se”. Sofia Branco realça que “estas devem garantir postos de trabalho e salários” e apoiar os jornalistas sem vínculo laboral — que são um terço dos jornalistas portugueses e que “poderão deixar de ter trabalho” —, assegurando-lhes um rendimento mínimo. Lembrio que em janeiro, o SJ apresentou um pacote de propostas para serem integradas no Orçamento do Estado para 2020, mas quase nenhuma foi atendida pelo Governo.
- Não é só em Portugal que o cenário é negro. Espanha prevê quedas de 50% nas receitas publicitárias em abril, Itália entre 25% e 30% no primeiro semestre e, nos Estados Unidos, o “New York Times” antecipa quedas de mais de 10% no primeiro trimestre. Perante este cenário, associa­ções de editores de imprensa, rádio e televisão privadas lançaram um grito de alerta. Apesar da subida nas audiências e subscrições, as quebras naquela que é a principal fonte de receitas dos media ameaça gerar “um processo de ajustamento mais duro do que o da crise de 2008, com uma forte destruição de emprego e encerramento de jornais e emissoras”. A Associação Mundial de Jornais e Editores fez um apelo aos Governos para aprovarem apoios para o sector, nomeadamente “linhas de financiamento para ultrapassar esta travessia do deserto, que vai ser muito dura”, disse ao jornal espanhol “Vanguardia” o presidente Fernando de Yarza. E alguns países, como Itália e Alemanha, já apresentaram soluções.
- O Governo está a analisar e poderá acolher algumas das propostas do Bloco de Esquerda para fazer face aos efeitos da pandemia da Covid-19 na comunicação social. Fonte oficial do Ministério da Cultura, afirmou, ainda assim, não haver, para já, medidas a comunicar, apesar de ter passado mais uma semana sem que tenha anunciado apoios. O programa de emergência do BE propõe um total de 15 milhões de euros a distribuir pelos grupos de comunicação social em maio, junho e julho. Um valor superior aos 10 milhões que o Governo se prepara para anunciar. Segundo a proposta, o montante "equivale à estimativa de receita trimestral do Imposto Google [a aplicar às gigantes tecnológicas e que o Governo espera por um entendimento global para aplicar em Portugal]". 
Em relação à forma como os apoios devem ser repartidos, o BE diverge também da forma como, ao que tudo indica, o Governo se prepara para proceder. O critério da receita publicitária "não é adequado". Os bloquistas lembram que quem beneficiará com este será sobretudo a TV e a rádio, apesar de "a repartição dos jornalistas profissionais pelos  segmentos ser muito diferente": 52% estão na imprensa escrita. Por isso, a proposta propõe que a TV receba 43% (6,45 milhões), a imprensa  43% (6,45 milhões), e as rádios com corpo redatorial 14% (2,1 milhões). No caso da imprensa escrita, o valor seria distribuído de acordo com as escolhas feitas pela população.

- A distribuição de jornais e revistas em todo o País está em risco. O alerta é dado pela distribuidora nacional VASP - que tem como acionistas os grupos Cofina (que detém o Correio da Manhã), Global Media e Impresa. A empresa enviou ao Governo uma carta no passado dia 27 de março, na qual denuncia a grave situação que o sector atravessa e pede "medidas compensatórias urgentes", mas não recebeu resposta até ao momento. Por isso, a Vasp pediu aos editores para se juntarem no apelo ao Governo. O objetivo é garantir a aprovação de medidas "que incluam toda a cadeia de valor", revelou ao CM Paulo Proença, diretor-geral da VASP. "Estão a ser discutidos apoios aos editores, para compensar a quebra de receita publicitária. Acho muito bem que isso aconteça, mas não resolve o problema da distribuição, nem dos pontos de venda ou das gráficas". Com centenas de pontos de venda fechados e uma quebra de vendas a rondar os 50%, torna-se fundamental que o Governo avance com medidas como a "comparticipação nos custos de transporte" e "créditos fiscais". O responsável diz que, cada dia que passada, "o prejuízo aumenta", colocando em causa a distribuição de jornais e revistas

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