Com a eleição de
Donald Trump para a Casa Branca, ficámos todos a discutir o papel que as redes
sociais tiveram na vitória de um homem que nenhuma sondagem ou analista
mainstream previu. Sem qualquer nuance, Paul Horner, o agora célebre autor de
“notícias” falsas no Facebook, disse uma frase que vai fazer parte da história
destas eleições: “Penso que Donald Trump está na Casa Branca por minha causa”.
Se uns acharam que o humorista americano estava a exagerar ligeiramente, outros
acreditam que as redes sociais vão destruir a democracia ocidental. A cientista
política alemã Anita Gohdes, professora de Relações Internacionais no
departamento de Ciências Políticas da Universidade de Zurique e membro do
Center for Comparative and International Studies, é taxativa: “As redes sociais
não elegem Presidentes”. Mas também diz que, finalmente, estamos a perceber que
“não são a ferramenta mágica que vai tornar o mundo melhor” e que “a lua-de-mel
das redes sociais acabou”.
Há anos que
estuda e documenta a repressão estatal e a violência política à escala global,
ao mesmo tempo que investiu muitas horas a pensar como quantificar as violações
de direitos humanos. O seu ensaio sobre como os governos usam a tecnologia das
comunicações digitais para definir estratégias de repressão foi premiado e
tornou-se uma referência. A linha de investigação de Gohdes expõe um aparente
paradoxo num planeta onde há cada vez mais democracias: “A censura é uma
indústria em crescimento”.
E revela outra
coisa: o lado escuro das redes sociais. Donald Trump foi eleito por causa do
Facebook e do Twitter? As redes sociais têm o poder de eleger Presidentes?Não.
As pessoas votam nos candidatos de que mais gostam. As redes sociais não elegem
presidentes. Dito isso, o papel das empresas que têm redes sociais, os
algoritmos que elas usam, e o poder que têm para criar e dar corpo ao discurso
político, tem uma importância vital. E por isso é encorajador ver os políticos
e os cidadãos envolvidos nesta discussão. De uma vez por todas, as empresas das
redes sociais, como o Facebook, têm de assumir a sua responsabilidade — e levar
esta questão muito a sério. Hoje, uma enorme fatia da população mundial recebe
a maior parte das notícias que lê através do Facebook. E o Facebook vir dizer que
não é uma empresa de media não muda o facto de o Facebook ter uma influência
gigantesca sobre o que as pessoas lêem — e sobre o que é mantido longe da sua
vista.
Estamos a
acordar para o “lado escuro” das redes sociais?
Estamos
seguramente a constatar que a euforia inicial em torno da ideia de as redes
sociais serem forças de libertação já foi substituída por uma aceitação muito
mais sóbria da ideia de que as redes sociais não são uma ferramenta mágica que
fará o mundo melhor.
Em vez disso — e
tal como acontece com todas as tecnologias — as redes sociais são ferramentas
que podem enriquecer os processos democráticos, pois ajudam a dar voz aos que
não a têm, mas que, por outro, são uma plataforma excelente para os populistas
disseminarem a sua mensagem de forma muito eficaz. A lua-de-mel das redes
sociais acabou.
A chanceler
alemã Angela Merkel acaba de dizer que a distribuição de “notícias” falsas nas
redes sociais está a contribuir para o aumento do populismo e dos extremos
políticos nas democracias ocidentais. Concorda?
Devemos ter
cuidado e não estabelecer relações de causa-efeito. Os estudos mostram que o
que mais influencia as preferências das pessoas ainda é o que elas retiram da
rede social da sua “vida real” — os que estão à nossa volta no nosso quotidiano.
Por isso, se é
natural que as “notícias” falsas incitem e provoquem sentimentos populistas,
essas notícias alimentam-se de descontentamento e de medo que já existe. Para
além disso, se as plataformas que divulgam “notícias” falsas são um problema
sério, muitas dessas histórias não são necessariamente falsas ou fabricadas. O
que fazem é apresentar um ponto de vista extremamente parcial ou exclusivamente
um dos lados. E é muito mais difícil lidar com estas histórias. Podemos tentar
usar filtros de modo a excluir histórias falsas, mas no momento em que
começarmos a apagar histórias parciais ou enviesadas, entramos no território da
censura política, uma coisa que as democracias ocidentais têm orgulho em não
fazer.
Qual dos lados é
o mais eficaz a usar as redes sociais, o “benigno”, usado pelo cidadão comum
para mobilizar a sociedade contra regimes repressivos, ou o “maligno”, usado
por ditadores e governantes opressivos para esmagarem revoltas pró-democracia?
As redes sociais
estão a evoluir de forma constante e nesse processo assistimos a uma luta
permanente entre os que lutam para que a sua voz marginalizada seja ouvida, e
os que representam interesses não-democráticos ou autocráticos.
A vontade de os
governos manterem o seu poder político a todo o preço traz-lhes uma vantagem: a
tendência é esses líderes controlarem o acesso à Internet nos seus países. A
censura e a tecnologia de vigilância é uma indústria em expansão — uma
indústria que está a ajudar os que estão no poder a espiarem os seus cidadãos e
a censurar conteúdos dentro das suas fronteiras. Por outro lado, desde que os
ficheiros de Edward Snowden foram tornados públicos, os cidadãos e os
activistas passaram a estar muito mais atentos a este tipo de questões.
Nos últimos
anos, o número de pessoas que usam ferramentas para enganar a censura explodiu.
Do mesmo modo que explodiu o número de pessoas que trabalha activamente para
manter as suas comunicações seguras e encriptadas.
As redes sociais
estão a ajudar mais os ditadores ou os movimentos pró-democracia?
A investigação
mostra-nos que, em termos globais, o aparecimento da Internet levou à
consolidação do poder autocrático — o oposto do que estaríamos à espera. O que
vemos é os governos não-democráticos a movimentarem-se na Internet com cada vez
mais conhecimento e agilidade, ao mesmo tempo que o mercado de dispositivos
para controlar a Internet vive um boom. Os movimentos sociais que lutam contra
este tipo de regimes estão a adaptar-se a este novo ambiente de informação, mas
os movimentos de cidadãos que têm mais sucesso são aqueles que investem em
estratégias de protestos de tipos muito diversificados — usar apenas as redes
sociais não muda sistemas políticos.
Vivemos a
“ilusão da informação perfeita”
Governos
autocráticos em todo o mundo têm sido extremamente activos a desenvolver e a
afinar novas ferramentas de vigilância, manipulação e censura do fluxo digital
de informação. Qual foi a ferramenta mais cruel e terrível que descobriu na sua
pesquisa?
Apesar de hoje
existirem formas muito mais sofisticadas de fazer censura, muitos governos já
fecharam de forma absoluta o acesso à Internet dentro das suas fronteiras.
Fazem-no quando sentem que a segurança nacional está em perigo. Há exemplos
recentes disso no Gabão, Sudão, Síria, República Democrática do Congo, Índia,
Paquistão, e muitos outros. Este tipo de censura não só é extremamente
assustador — imagine não poder contactar ninguém durante dias e dias seguidos —
como tem custos económicos muito elevados. A vida, os negócios e tudo à nossa volta
pára se não tivermos acesso à rede global.
Ao analisar os
governos que usam redes sociais para exercer violência de Estado contra os
cidadãos, que país mais a chocou?
Há muitos
exemplos de países que usam métodos brutais contra os seus cidadãos com base em
informação recolhida nas redes sociais. Apenas alguns: o Bahrain, a Etiópia, o
Vietname e, claro, a Síria.
Ao tentar medir
o volume de violações dos direitos humanos, o que concluiu — as redes sociais
ajudaram ou pioraram os direitos humanos no mundo?
As redes sociais
aumentaram de forma radical a quantidade de informação em tempo real que hoje
temos sobre os conflitos no mundo. Isso é um avanço importantíssimo.
O lado negativo
é aquilo a que eu chamo a “ilusão da informação perfeita”, que é acharmos que,
por causa das redes sociais, sabemos rigorosamente tudo o que se está a passar
no mundo.
No trabalho que
fiz para tentar quantificar as violações de direitos humanos em conflitos,
percebi que, apesar de sabermos hoje muito mais sobre o que está a acontecer
nos conflitos no mundo, continua a haver enormes pontos cegos sobre os quais
pouco ou nada é reportado. E negligenciar esses pontos cegos é tão perigoso
hoje como era há 50 anos (Público, entrevista da jornalista Bárbara Reis)
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