“Branca
para os amigos, D. Branca para os conhecidos e reconhecido público”. Assim era
conhecida Maria Branca dos Santos, a celebrada “Banqueira do Povo”. Burlona
profissional, ficou conhecida durante a década de 1980, altura em que o esquema
“bancário” em que estava envolvida foi descoberto pelo jornal Tal&Qual.
Desde
cedo teve jeito para contar notas
Maria
Branca dos Santos, mais conhecida por D. Branca, nasceu em Lisboa em 1911.
Criada no seio de uma família muito pobre, nunca chegou a terminar a instrução
primária. Apesar disso, mostrou desde cedo apetência para os negócios bancários
e jeito para o negócio. Começou a atividade “bancária” ainda muito nova,
guardando o dinheiro de varinas. Pelo trabalho realizado, recebia ao fim do dia
uma compensação. À medida que foi ganhando fama pela sua honestidade, começou a
ser contratada por outros comerciantes, nomeadamente por vendedores ambulantes.
Mas
a verdadeira fama só viria mais tarde, no decorrer dos anos 70.
Com
o 25 de abril e o fim do regime salazarista, Portugal caiu numa profunda crise
económica, que a subida do preço do petróleo apenas veio agravar. O grande
número de desempregados e a elevada dívida externa e interna, levou o então
Governo – chefiado por Mário Soares – a adotar uma política de austeridade, que
apenas serviu para agravar a situação. Com a subida do preço dos bens
essenciais, dos impostos e com a inflação a atingir os 30% no inverno de 1983,
muitas famílias portuguesas enfrentavam uma situação difícil. Não havia apenas
fome em Setúbal, como exclamou na altura o Bispo da região. Havia fome no país
inteiro. Esta
foi uma altura particularmente favorável para o aparecimento de negócios
corruptos, como foi o caso da Dopa (Dragagens e Obras Públicas), uma empresa
que comercializava divisas ilegalmente. Foi também nesta conjuntura que D.
Branca expandiu o seu negócio – uma espécie de banco particular no qual,
durante anos, milhares de pessoas depositaram as suas poupanças, contando
ganhar mais dinheiro do que com os depósitos da banca tradicional. Num país
fustigado pela crise económica, o negócio de D. Branca não era apenas uma fonte
de rendimento fácil – era uma fonte de esperança para quem acreditava que o
futuro era cada vez mais incerto.
A
“Banqueira do Povo”
A
posição que assumiu face à banca tradicional ajudou a expandir rapidamente o
negócio. A quem aplicasse as poupanças no banco de D. Branca, eram garantidos
juros que chegavam a atingir os 120%. Este “El Dorado” da banca clandestina,
depressa começou a atrair tanto ricos como pobres – com o passar do tempo,
todos começaram a recorrer à “Banqueira do Povo”, como começou então a ser
conhecida.
Mas,
de onde é que vinha tanto dinheiro? O método usado por D. Branca era muito
simples. Tudo estava dependente do aparecimento de novos clientes todos os
dias, que garantiam o dinheiro necessário para a continuidade do negócio. As
poupanças depositadas por uma determinada pessoa, garantiam os juros mensais do
cliente do dia anterior. E assim sucessivamente. Como
a maioria dos clientes não procedia ao levantamento da totalidade do depósito,
rapidamente se gerou um fundo sustentável, que foi aumentando consideravelmente
com o passar dos anos. Não
é possível saber ao certo quantas pessoas lucraram com a “Banqueira do Povo”.
Todos os dias, vindos de todos os cantos de país, dezenas de portugueses
amontoavam-se à porta do escritório da senhora em Alvalade. Como refere Mendes
Ferreira, “o esquema parecia uma escada para chegar ao céu, já que a honestidade
da banqueira garantia o bom nome do sistema”. Ninguém parecia resistir à banca
de D. Branca.
O
sistema é descoberto
Mas
como quase tudo o que é bom acaba depressa…
Os
problemas de D. Branca começaram quando decidiu dar uma entrevista ao jornal
Tal&Qual, em fevereiro de 1984. Este foi o “pontapé de saída” de um longo
processo, como refere o Público, que só terminou com “a sua condenação e
morte”. A entrevista, que pretendia servir para publicitar o seu negócio,
descrevia em pormenor o sistema utilizado pela experiente banqueira. De acordo
com Mendes Ferreira, “as zelosas autoridades” decidiram então perguntar “à
senhora de cabelos brancos e Branca de nome pela sua carta de banqueira”. “Não
sei se lhe pediram o registo criminal, mas nos dias que vão correndo, é
documento importante a ter à mão”, aconselha.
Tudo
isto causou o desconforto da clientela, que se apressou o mostrar o seu
descontentamento em frente aos escritórios de D. Branca. Com a publicação da
reportagem do Diário de Notícias em setembro do mesmo ano, o pânico instalou-se
definitivamente. Nessa reportagem, um cliente do “falso banco” afirmava que, um
dia, ao fazer “o seu depósito viu tanto dinheiro a monte que até se sentiu
mal”. Ao
sentirem que estavam a ser enganados, centenas de clientes deslocaram-se a casa
de D. Branca para reaverem o dinheiro depositado. O “sistema ruiu como um
castelo de cartas”, refere Mendes Ferreira. Assim,
a 8 de outubro de 1984, D. Branca foi presa e teve início o processo jurídico,
que atravessou grande parte da época de 80. A sete de fevereiro de 1990, foi
condenada no tribunal da Boa Hora a dez anos de prisão pelos crimes de
associação de malfeitores, burla agravada e emissão de cheques falsos. Ao todo,
foram apresentadas duas mil queixas à Polícia Judiciária. O processo foi um dos
mais mediáticos em Portugal e chegou mesmo a ganhar fama internacional.
Pouco
tempo depois, devido à saúde frágil e à idade avançada, D. Branca viu a sua
pena ser reduzida e acabou por sair em liberdade. Até à data da sua morte,
viveu numa clínica lisboeta, cega e pobre.
Morreu
a 3 de abril de 1992 abandonada por todos aqueles que protegia e a que
carinhosamente chamava de “sobrinhos” ou “afilhados”. Para a história, para
além das burlas, ficou a imagem de uma mulher simples. “Enfim, uma mulher do
povo que chora com os que choram e ri com os que riem”, como costumava
descrever-se” (texto da jornalista do Observador, Rita Cipriano, com a devida
vénia)