quarta-feira, julho 03, 2013

Demissão: a polémica carta de Vitor Gaspar a Passos Coelho



"No dia 22 de outubro de 2012, há um pouco mais de oito meses, dirigi-lhe uma carta em que assinalava a urgência da minha substituição no cargo de ministro de Estado e das Finanças. Agora, em meados do ano seguinte, essa urgência tornou-se inadiável.
A oportunidade do meu pedido de demissão no outono de 2012 ocorreu após uma série de importantes acontecimentos, entre os quais me permito destacar o acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de julho de 2012 e uma erosão significativa no apoio da opinião pública às políticas necessárias ao ajustamento orçamental e financeiro na sequência das alterações então propostas à taxa social única.
Numa crise de financiamento externo, estou convencido que o país devedor, em crise, tem inicialmente de dar prioridade à restauração da relação fiduciária com os credores oficiais e privados. Na ausência de um entendimento estável, a parte devedora sofrerá custos económicos e sociais agravados. Aquando do início do mandato do atual Governo, a confiança dos nossos credores externos necessitava ser recuperada com urgência, tal era a gravidade da nossa situação; hoje, estou confiante que o esforço deve ser dirigido à preservação dessa confiança, face aos resultados alcançados.
Senhor Primeiro-Ministro
As semelhanças entre a primavera de 2013 e o outono de 2012 são claras e marcadas. Como bem sabe, pareceu-me inevitável a minha demissão na sequência do segundo acórdão negativo do Tribunal Constitucional. Foi-me pedido que continuasse para assegurar a conclusão do sétimo exame regular, a extensão do prazo de pagamento dos empréstimos oficiais europeus e a preparação do orçamento retificativo, necessário depois da prolação daquela decisão jurisdicional. Aceitei então por causa da situação dramática para a qual o país seria arrastado se essas tarefas não fossem realizadas.
0 sétimo exame regular está oficialmente concluído. A extensão dos prazos dos empréstimos oficiais europeus está formalmente confirmada. O orçamento retificativo está aprovado. As condições de financiamento do Tesouro e da economia portuguesa melhoraram significativamente. O investimento poderá recuperar com base na confiança dos empreendedores. A minha saída é agora, permito-me repetir, inadiável.
Relembro que apenas após o Conselho de Ministros extraordinário de 12 de maio recebi um mandato claro do Governo que permitisse a conclusão do sétimo exame regular (o que ocorreu imediatamente a seguir, a 13 de maio). A ausência de um mandato para concluir atempadamente o sétimo exame regular não me permite agora continuar a liderar a equipa que conduz as negociações com o objetivo de melhor proteger os interesses de Portugal.
Senhor Primeiro-Ministro
Numa carta de demissão é imperativo refletir sobretudo sobre as próprias limitações e responsabilidades. O incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto o Ministro das Finanças.
Os grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a profundidade e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira. No entanto, o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves. Requerem uma resposta efetiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa parte exigem a rápida transição para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento! Esta evolução exige credibilidade e confiança. Contributos que, infelizmente, não me encontro em condições de assegurar. O sucesso do programa de ajustamento exige que cada um assuma as suas responsabilidades. Não tenho, pois, alternativa senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem.
Senhor Primeiro-Ministro,
Liderança é, por vezes, definida como sabedoria e coragem combinadas com desinteresse próprio. A liderança assim exercida visa os superiores interesses nacionais que perduram de geração em geração. Fácil de dizer, difícil de assegurar, em particular quando as condições são de profunda crise: orçamental, financeira, económica, social e política. Sendo certo que contará sempre com a inteligência, coragem e determinação dos portugueses, cabe-lhe o fardo da liderança. Assegurar as condições internas de concretização do ajustamento são uma parte deste fardo. Garantir a continuidade da credibilidade externa do país também. Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão do Governo. É minha firme convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a coesão da equipa governativa.
Pela minha parte, resta-me agradecer o enorme e inestimável apoio que me prestou nestes dois anos de excelente cooperação.
Com a amizade, lealdade e admiração do Vítor Gaspar"