"No dia 22 de outubro de 2012, há um
pouco mais de oito meses, dirigi-lhe uma carta em que assinalava a urgência da
minha substituição no cargo de ministro de Estado e das Finanças. Agora, em
meados do ano seguinte, essa urgência tornou-se inadiável.
A
oportunidade do meu pedido de demissão no outono de 2012 ocorreu após uma série
de importantes acontecimentos, entre os quais me permito destacar o acórdão do
Tribunal Constitucional de 5 de julho de 2012 e uma erosão significativa no
apoio da opinião pública às políticas necessárias ao ajustamento orçamental e
financeiro na sequência das alterações então propostas à taxa social única.
Numa
crise de financiamento externo, estou convencido que o país devedor, em crise,
tem inicialmente de dar prioridade à restauração da relação fiduciária com os
credores oficiais e privados. Na ausência de um entendimento estável, a parte
devedora sofrerá custos económicos e sociais agravados. Aquando do início do
mandato do atual Governo, a confiança dos nossos credores externos necessitava
ser recuperada com urgência, tal era a gravidade da nossa situação; hoje, estou
confiante que o esforço deve ser dirigido à preservação dessa confiança, face
aos resultados alcançados.
Senhor
Primeiro-Ministro
As
semelhanças entre a primavera de 2013 e o outono de 2012 são claras e marcadas.
Como bem sabe, pareceu-me inevitável a minha demissão na sequência do segundo
acórdão negativo do Tribunal Constitucional. Foi-me pedido que continuasse para
assegurar a conclusão do sétimo exame regular, a extensão do prazo de pagamento
dos empréstimos oficiais europeus e a preparação do orçamento retificativo,
necessário depois da prolação daquela decisão jurisdicional. Aceitei então por
causa da situação dramática para a qual o país seria arrastado se essas tarefas
não fossem realizadas.
0
sétimo exame regular está oficialmente concluído. A extensão dos prazos dos
empréstimos oficiais europeus está formalmente confirmada. O orçamento
retificativo está aprovado. As condições de financiamento do Tesouro e da
economia portuguesa melhoraram significativamente. O investimento poderá
recuperar com base na confiança dos empreendedores. A minha saída é agora,
permito-me repetir, inadiável.
Relembro
que apenas após o Conselho de Ministros extraordinário de 12 de maio recebi um
mandato claro do Governo que permitisse a conclusão do sétimo exame regular (o
que ocorreu imediatamente a seguir, a 13 de maio). A ausência de um mandato
para concluir atempadamente o sétimo exame regular não me permite agora
continuar a liderar a equipa que conduz as negociações com o objetivo de melhor
proteger os interesses de Portugal.
Senhor
Primeiro-Ministro
Numa
carta de demissão é imperativo refletir sobretudo sobre as próprias limitações
e responsabilidades. O incumprimento dos limites originais do programa para o
défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito
substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que
provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes
desvios minou a minha credibilidade enquanto o Ministro das Finanças.
Os
grandes custos de ajustamento são, em larga medida, incontornáveis, dada a
profundidade e persistência dos desequilíbrios, estruturais e institucionais,
que determinaram a crise orçamental e financeira. No entanto, o nível de
desemprego e de desemprego jovem são muito graves. Requerem uma resposta
efetiva e urgente a nível europeu e nacional. Pela nossa parte exigem a rápida
transição para uma nova fase do ajustamento: a fase do investimento! Esta
evolução exige credibilidade e confiança. Contributos que, infelizmente, não me
encontro em condições de assegurar. O sucesso do programa de ajustamento exige
que cada um assuma as suas responsabilidades. Não tenho, pois, alternativa
senão assumir plenamente as responsabilidades que me cabem.
Senhor
Primeiro-Ministro,
Liderança
é, por vezes, definida como sabedoria e coragem combinadas com desinteresse
próprio. A liderança assim exercida visa os superiores interesses nacionais que
perduram de geração em geração. Fácil de dizer, difícil de assegurar, em
particular quando as condições são de profunda crise: orçamental, financeira,
económica, social e política. Sendo certo que contará sempre com a
inteligência, coragem e determinação dos portugueses, cabe-lhe o fardo da
liderança. Assegurar as condições internas de concretização do ajustamento são
uma parte deste fardo. Garantir a continuidade da credibilidade externa do país
também. Os riscos e desafios dos próximos tempos são enormes. Exigem a coesão
do Governo. É minha firme convicção que a minha saída contribuirá para reforçar
a sua liderança e a coesão da equipa governativa.
Pela
minha parte, resta-me agradecer o enorme e inestimável apoio que me prestou
nestes dois anos de excelente cooperação.
Com
a amizade, lealdade e admiração do Vítor Gaspar"