Segundo o Expresso, "a Pobreza relativa calculada pelo INE e Eurostat coloca limiar nos 60% da mediana do rendimento. Com a recessão, os rendimentos caem e os pobres ‘enriquecem’. À primeira vista pode parecer um contrassenso: em tempos de crise prolongada como a que Portugal vive atualmente a pobreza tende a cair. Não se trata de nenhum comentário de mau gosto numa altura em que o desemprego já atinge 17% — com mais de um milhão de desempregados ‘reais’ — e em que a degradação das condições de vida de milhares de portugueses é visível a olho nu. Trata-se apenas de uma questão estatística. A pobreza em Portugal e na União Europeia, mais concretamente a taxa de risco de pobreza, é calculada pelo INE e pelo Eurostat de forma relativa. São considerados pobres todos aqueles que têm um rendimento inferior a 60% da mediana do país (421 euros em 2010, o último ano disponível). Como em tempo de crise o rendimento tende a cair de forma generalizada, o limiar também baixa, o que pode ‘retirar’ estatisticamente da pobreza pessoas cujo rendimento não se alterou ou até caiu. Pensionistas, por exemplo, ou trabalhadores de baixos rendimentos que têm sido poupados a algumas medidas de austeridade.
Nos últimos dados do INE, referentes a 2010 e publicados em julho de 2012, a taxa de risco de pobreza subiu ligeiramente de 17,9% para 18%. Se o limiar de pobreza relativa se tivesse mantido inalterado nos 436 euros a taxa seria de 19,6%, diz-nos Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG e especialista em política social.
Ao mesmo tempo, houve também um agravamento da intensidade da pobreza que mede a distância entre o rendimento mediano das pessoas consideradas pobres e o limiar de pobreza relativa. Em 2010, subiu de 22,7% para 23,2%. É preciso distinguir estes dois indicadores — incidência e intensidade da pobreza — quando se analisam os efeitos da política social. “Muitas das medidas são de valor inferior ao limiar de pobreza e, por isso, reduzem o grau da pobreza e não o número de pobres”, explica José Pereirinha, do ISEG. Aliás, lembra o economista, o próprio Indexante de Apoios Sociais, utilizado para a fixação de várias prestações, está abaixo da linha de pobreza. Embora reconheça que “os estudos sobre eficiência dos gastos sociais mostram que a portuguesa é das mais baixas a nível europeu”, lembra que estes apoios “reduzem a pobreza e a desigualdade” e que muitas vezes do que se trata é de “aliviar a pobreza dos pobres”.
Para tentar contornar os problemas da medida de pobreza relativa, o economista está neste momento a coordenar um trabalho conjunto de várias universidades (ISEG, ISCSP e Católica) para tentar chegar a um limiar de pobreza absoluta, cujos resultados só serão conhecidos em 2014. Uma das grandes vantagens é permitir ter uma análise mais próxima da realidade da pobreza e, ao mesmo tempo, se o Governo eventualmente a vier a adotar, ter políticas mais precisas.
Nesta fase de recessão prolongada em Portugal, tem havido várias alterações de medidas de combate à pobreza que, na prática, a podem estar a agravar. Carlos Farinha Rodrigues fez as contas no caso do RSI e concluiu que as duas alterações recentes (em 2010 e 2012), em termos de condição de recursos, retiraram cerca de 30% à prestação média de uma família. João César das Neves avisa que, para já, é cedo para “ter conclusões sólidas” sobre o impacto da crise sobre a desigualdade. Refere, contudo, que “esta crise parece estar a afetar sobretudo a classe média, que está a perder nível de vida e, guma dela até a cair em situações de pobreza”. Como a austeridade tende a proteger os rendimentos mais baixos, serão os escalões logo a seguir os mais afetados. “O impacto que isto tem sobre a desigualdade é ambíguo e não é óbvio que seja de aumento.”
Medidas
RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO - Define um patamar mínimo (178,15 euros este ano) e quem tem rendimento inferior recebe o complemento necessário. Vai custar este ano 304 milhões de euros e beneficia atualmente 282,5 mil pessoas, dos quais cerca de um terço são menores. Nasceu como Rendimento Mínimo Garantido e mudou de nome no governo Barroso
COMPLEMENTO SOLIDÁRIO IDOSOS - Mais uma criação socialista, desta vez de Sócrates em 2005 para combate à pobreza dos idosos. Funciona numa lógica semelhante ao RSI mas o limiar é a linha de pobreza. Custa 243 milhões de euros e beneficia mais de 250 mil pessoas.
ABONO DE FAMÍLIA - É uma das medidas mais abrangentes e mais antigas. Atualmente, conta com mais de 1,1 milhões de beneficiários. Representa um gasto de 678 milhões de euros.
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO - Beneficia 389,9 mil pessoas, menos de metade do desemprego oficial. Em conjunto com as medidas de apoio ao emprego vai custar 2691 milhões de euros.
SUBSÍDIO POR DOENÇA - Serve para apoiar os trabalhadores na doença e, em novembro, foi pago a 106 mil pessoas. Este ano, a Segurança Social prevê gastar 414 milhões de euros.