"Na conferência “Para uma reforma abrangente da or- ganização e gestão do sec- tor público”, foi possível ouvir as experiências bem sucedidas de alguns países nesta matéria. Eis os traços gerais da reforma canadiana, apresentada por Evert Lindquist, da Universidade do Canadá — e a inevitável comparação com o que se passa por cá.
1) Uma reforma da governação pública é uma tarefa a longo prazo e multifacetada — e não apenas um exercício técnico. Por cá, tudo se parece restringir a cortar 4000 milhões de euros no mais curto espaço de tempo.
2) O exemplo tem de vir de cima: o Governo procedeu a uma profunda reorganização da sua estrutura, reduzindo de 32 para 23 os departamentos ministeriais. Por cá, não aconteceu nada de semelhante, estando em curso apenas a redução do número de freguesias.
3) A prioridade da reforma não pode ser de um só ministro (das Finanças), mas de todo o Governo; por cá, é evidente desde há algum tempo que o caminho seguido divide os dois partidos que integram o Governo, nomeadamente no que toca à política fiscal e às privatizações.
4) É essencial envolver os funcionários públicos em todos os níveis de decisão (macro, médio e micro) para que eles próprios se empenhem nas reformas. Por cá, assiste-se a um discurso político, desde há vários anos, muito crítico para os funcionários públicos, que são sistematicamente desvalorizados do ponto de vista profissional. O empenhamento que houver resulta só do brio profissional de cada um.
5) É necessário envolver o mais possí- vel a população, não para determinar as reformas, mas sim a dor aceitável para as concretizar. Isto foi feito pelos ministros no Canadá. Por cá, o mais que se realizou, por vontade do Governo, foi uma iniciativa à porta fechada e só para convidados escolhidos a dedo no Palácio Foz6) É necessário definir objetivos e metas para todos os departamentos governamentais. Por cá, reduz-se o Estado a pele e osso para sobre ele nascer uma economia dinâmica. Pode ser. O país é muito dado a milagres sabe, os objetivos e metas restringem-se aos cortes salariais e de funciona mento.
7) No Canadá são os funcionários pú- blicos de topo, não nomeados politica- mente, que se preocupam com o cami-nho que está a ser seguido. Por cá, a reforma (pressionada) dos quadros mais experientes, a que se junta a politização das funções dirigentes na Função Pública e o recurso sistemático a consultores, leva a que seja impossível pedir o mesmo aos funcionários portu gueses de topo.
8) No Canadá existiu pelo menos um caso de um funcionário público que era um visionário, com grande capacidade para motivar as pessoas. A liderança a todos os níveis é fundamental para o sucesso das reformas. Por cá, ainda não se vislumbra, nem na administração pública nem no Governo, alguém capaz de ser um líder e fazer um discurso mobilizador.
9) No Canadá houve um governo que adotou o programa de reformas do anterior e as pôs em prática. Por cá, isso seria impossível. Qualquer governo cmeça sempre a governar como se o país fosse uma folha em branco.
10) No Canadá, os governos foram forçados a atuar, porque a opinião pública tomou consciência de que o aumento dos défices significava mais impostos no futuro. Por cá, nunca nenhum governo será penalizado por “fazer obra”.
11) A reforma visou um Estado e insti- tuições mais ágeis mas não menos fortes. Por cá, a ideia é que existe um combate que visa reduzir o Estado social a pele e osso e que sobre ele nascerá uma economia forte e dinâmica. Pode ser. O país é muito dado a milagres" (Texto de Nicolau Santos, do Expresso, com a devida vénia)