sábado, junho 05, 2010

Reportagem: "Maria de Jesus, a sombra de Salazar"

"Nunca se tornou formalmente a primeira-dama de Salazar, mas, enquanto este liderou o país a partir de São Bento, foi Maria de Jesus quem geriu as questões práticas da vida do ditador, por quem nutriu muito mais do que simples admiração. A vida da governanta de Salazar vem agora a público.
António de Oliveira Salazar conheceu Maria de Jesus Caetano Freire, quando era apenas professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. E foi na cidade dos estudantes que D. Maria (como ficou conhecida) começou a trabalhar como governanta ao serviço de Salazar – funções que iria desempenhar, de forma fiel, até à morte do ditador, em 1970. Enquanto serviu Salazar, Maria de Jesus tornou-se insubstituível no seu quotidiano, admite Joaquim Vieira, autor do livro ‘A Governanta’ (editado pela Esfera dos Livros): ‘organizava todos os aspectos práticos da vida de Salazar’, desde a lavagem e costura das roupas do ditador, até à confecção das refeições que mais lhe agradavam, como petinga frita com feijão-frade ou bacalhau assado com batatas a murro.
Os 'olhos e ouvidos' de Salazar
Natural da freguesia de Santa Eufémia, e filha de camponeses, Maria de Jesus sempre foi uma mulher do povo, ‘rude, disciplinada e um pouco brutal’, recorda Joaquim Vieira. Contudo, a inteligência da governanta agradava a Salazar, que dela se serviu como ‘uma sondagem de uma só pessoa’, um barómetro da opinião pública. ‘D. Maria era o único elo de ligação que o ditador tinha com o povo’, já que 'Salazar não gostava do contacto físico com os cidadãos'. Por isso mesmo, era a governanta, nos seus afazeres domésticos, quem contactava directamente com os populares, ouvindo o que se dizia nas ruas sobre o regime, medindo o pulso à opinião pública. Com o ditador a morar já em São Bento, era também Maria de Jesus quem servia de intermediária entre Salazar e todos os amigos, conhecidos e simples visitantes do ditador, fazendo uma triagem dos acessos, e apurando a fidelidade ao regime das pessoas que lhe eram próximas. Cientes da influência que exercia junto do Presidente do Conselho de Ministro, cidadãos comuns, deputados e outras personalidades enviavam correspondência a D. Maria, pedindo que intercedesse por si junto de Salazar.
Ao serviço de Salazar
Salazar e Maria de Jesus partilhavam traços de personalidade: ‘o carácter autoritário e disciplinador é comum aos dois’, admite Joaquim Vieira. ‘Mas Salazar, perante D. Maria, fazia até o papel de democrata’, dada a austeridade com que a governanta lidava com as questões mais corriqueiras do dia-a-dia (como o próprio relacionamento com as crianças que passavam por São Bento). Identificando-se com o estadista, Maria de Jesus desenvolveu por Salazar uma ‘profunda admiração’, que lentamente se transformou em algo mais: uma paixão mantida em segredo e nunca correspondida. Recorda Joaquim Vieira, que por outro lado ‘a relação de Salazar com D. Maria era apenas uma relação de amo para com empregado’, ainda que este por ela nutrisse um 'enorme respeito'. ‘Sem a sofisticação, a formação ou a cultura’ necessárias para o ser, D. Maria acabou contudo por desempenhar junto de Salazar ‘o papel de primeira-dama’ – uma mulher do campo, que chegou a São Bento, e que, à sombra de Salazar, deu ao ditador condições para gerir os destinos da Nação durante 36 anos”. (reportagem de Marco Leitão Silva, no
SAPO)
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