segunda-feira, junho 28, 2010

Mau caminho no jornalismo

“As organizações por detrás dos jornalistas vão por um mau caminho”. A frase respondia a um pedido de comentário sobre a relação Governo-Presidência. De todo fora do que levou Mário Soares a Arcos de Valdevez. Ali é o homenageado. O “homem de espírito”. Tempo de encómios e bem-dizer, o próprio primeiro-ministro a clamar que gosta muito dele. De Soares. Porque Soares gosta de Camões e Sócrates gosta de políticos que gostem de Camões. Soares devolveu-lhe a “grande estima” e, com a garantia, dada depois, de que não comenta os que fazem o que ele um dia fez (ser primeiro-ministro ou presidente, entenda-se), deixou o recado: “Não quer dizer que esteja de acordo com todas as medidas que toma!”. Sócrates lá teve de sorrir. A plateia da Casa das Artes, essa, não se coibiu, nem por sombras. Sobrou do arranque das conferências “República, União Europeia, descolonização e geopolítica, Um futuro para Portugal”, cuja primeira sessão foi moderada por José Leite Pereira, director do JN, a ideia de que os políticos só podem ser homens de confiança. Disse Sócrates que Soares é um deles: teve a “coragem” de confiar “em si próprio, na sua própria razão” e “nunca se deixou seduzir pelo glamour do pessimismo”, que contamina a vida política e é “sinal de declínio civilizacional”. Foi um discurso repetitivo. Ficou dito uma série de vezes que Soares aliou o pensamento à acção, aberto a novas ideias, sem dogmas nem preconceitos e capaz de ver nelas soluções. É sempre fácil ter ideias. Mais difícil é aplicá-las? Não seria propriamente Soares o visado aqui. O ex-presidente, diz Sócrates, nunca virou a cara à acção. E aqueles que andam na política sabem bem as dificuldades da acção? É um homem de espírito?. E só isso evita o tom paroquial, provinciano e tantas vezes saloio? que por aí se ouve. Afirma Sócrates.Soares disse-se “esmagado” pelas descrições ali feitas dele próprio. Pelo adversário político Freitas do Amaral, pelo amigo da oposição Miguel Veiga, pelo médico Sobrinho Simões, pelo primeiro-ministro. E lembrou as raízes rurais que lhe deram “um certo bom senso e uma certa relatividade das coisas”. A mesma com que olha os jornalistas à volta dele e lhes diz que não acredita na comunicação social, apesar de participar nela. Que não sabe se há tensão entre Sócrates e o actual presidente. Mas que confia que “as organizações que estão por detrás dos jornalistas e comandam e que, muitas vezes, sugerem as perguntas vão por um mau caminho, porque julgam que a intriga faz ganhar audiências”. Soares igual a si próprio. Embora “esmagado”. “Um político é alguém que se assume através da sua acção no mundo”. Que o modifique, não o deixe ficar como ele era quando o encontrou. Sem ter a ousadia de definir o que é um político, o ensaísta Eduardo Lourenço resumiu assim, ontem à noite, o que pensa de Mário Soares, na segunda sessão do cliclo de conferências do “Concelho de Estado”, que homenageia o antigo presidente. Um “político porque as circunstâncias o ajudaram”, disse. Mas só porque estava preparado para os momentos concretos em que soube estar e que soube ler. Portugal “ainda espera dele grandes benefícios(por Ivete Carneiro, no Jornal de Notícias)

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