sexta-feira, dezembro 23, 2022

Sondagem: Marcelo nem fala demasiado nem fiscaliza o suficiente

 

Um Presidente da República (PR) que não fala demais e cujas palavras não mudam a perceção que se tem dele. Um Presidente da República que, no entanto, não cumpre tanto quanto seria expectável algumas das principais funções de um chefe de Estado: fiscalizar o Governo, que agora tem maioria, e obrigá-lo a agir. Se nos últimos meses Marcelo Rebelo de Sousa tem estado no olho do furacão por uma série de intervenções públicas escorregadias, com o caso dos abusos na Igreja à cabeça, a sondagem feita pelo ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC mostra uma realidade que valida o discurso do PR: a bolha mediática (e às vezes a partidária) pode ir aos arames, criticando-o publicamente pelo que diz ou por dizer demasiado, mas a maior parte dos portugueses continua com o Presidente da República. Na sondagem, uma larga maioria dos inquiridos (71%) considera-se “muito satisfeita” ou “algo satisfeita” com a atuação de Marcelo no segundo mandato. É uma leitura que atravessa todas as faixas etárias (embora menos expressiva no grupo entre os 25 e os 44 anos), níveis de ensino ou nível de vida. E que se repete à direita e ao centro, mas também à esquerda. De longe a figura política mais popular, Presidente da República só fica abaixo da expectativa na relação com o Governo Aliás, não só é à esquerda que o PR colhe melhor avaliação como ela é especialmente significativa entre os simpatizantes do PS — 85%, face aos 72% de avaliação positiva entre eleitores do PSD ou dos 66% entre os que não têm simpatias partidárias.

Reeleito há perto de dois anos com cerca de 2,5 milhões de votos, Marcelo só não satisfaz pouco mais de um quarto dos portugueses — e, desses, apenas 8% se dizem “nada satisfeitos”.

CATAR E IGREJA NÃO BELISCAM

Na forma, Marcelo não mudou um milímetro do primeiro para o segundo mandato. Interventivo, Presidente-comentador, capaz de estar num dia a alertar para a situação socioeconómica do país e no dia seguinte a tecer considerações técnico-táticas sobre um jogo de futebol, a presença pública permanente é muitas vezes entendida como o seu ponto mais fraco. Mas até nisso o PR continua a agradar à maioria (53%), que considera a frequência de declarações públicas do chefe de Estado “adequada”.

Os dados foram recolhidos este mês, entre os dias 3 e 15, já depois de Marcelo ter sugerido “esquecer” por um momento os direitos humanos, a propósito do Campeonato do Mundo de futebol no Catar. “É criticável, mas concentremo-nos na equipa”, disse no final de novembro, dias antes de se deslocar ao Médio Oriente para assistir a um jogo da Seleção Nacional.

Ainda antes disso, viu-se envolvido numa polémica de proporções inauditas nos quase sete anos que leva de mandato, após ter dito que 400 casos de abusos de menores na Igreja não era um número “particularmente elevado”. Palavras que o obrigaram a emendar a mão, num gesto também inédito, primeiro através de uma nota oficial, depois em declarações à RTP na mesma noite e por fim com um pedido de desculpas público.

É à esquerda que o Presidente colhe melhor avaliação. Especialmente entre os simpatizantes do PS — 85% dão-lhe nota positiva

Em outubro, contava o Expresso, Marcelo aguardava expectante pelas sondagens que mediriam o efeito dessa crise. Não sem repetir uma frase que funciona como uma espécie de adágio presidencial. “A ligação fundamental para mim é ao povo, a ‘bolha’ político-mediática são milhares, mas o povo são milhões”, disse.

A avaliar pela sondagem, não se enganou, e passou quase incólume pelas polémicas. Há 65% de inquiridos para quem o que o Presidente diz não muda, nem para melhor nem para pior, o que pensam sobre ele.

Um em cada quatro portugueses põe-se do outro lado da barricada. São os que consideram que o PR fala demasiado (24%) e os que afirmam que essas declarações mudaram as suas opiniões sobre o chefe de Estado “para pior” (25%). Será esta a “bolha mediática” a que se refere Marcelo?

GOVERNO COM RÉDEA SOLTA

Os indicadores em que o PR fica abaixo da expectativa dizem respeito à relação com o Governo. O mandato de maioria absoluta socialista até começou com avisos presidenciais, uns diretamente para António Costa, fechando a porta a um eventual sonho de saída para Bruxelas em 2024 — “tenho a certeza de que sabe que o rosto que venceu dificilmente pode ser substituído por outra pessoa”, disse Marcelo —, outros para o PS como um todo — “os portugueses deram maioria absoluta, não deram nem poder absoluto nem uma ditadura de maioria”.

Segundo os inquiridos, fiscalizar o Governo (35% das respostas) e forçá-lo a agir (33%) estão entre as principais competências de um Presidente da República, seja ele qual for. E quando as respostas se centram em Marcelo, o resultado fica aquém.

Apenas um em cada cinco portugueses acha que o PR tem cumprido o papel fiscalizador da maioria absoluta. E menos ainda (18%) vê Marcelo a exercer um magistério de influência que force o Governo a agir perante os problemas do país.

A proximidade com o Governo aparece, assim, como a principal falha de Marcelo. Mesmo quando faz bem. À pergunta sobre quais as funções mais importantes do cargo de Presidente, 27% respondem “colaborar com o Governo”. Mas são o dobro, mais de metade dos inquiridos (54%), os que dizem que é precisamente isso que Marcelo mais tem feito.

À boleia de um segundo mandato exigente, que se seguiu a um primeiro marcado pelos incêndios de 2017 e pela pandemia de covid-19 nos anos seguintes, foi reabilitada a discussão sobre a duração dos mandatos presidenciais. Um único de sete anos ou dois consecutivos de cinco? Há muito que o próprio Marcelo defendeu a ideia do mandato único, bem antes de chegar a Belém, justificando-a com o cansaço a que está sujeita a mais alta figura do Estado. A esse cansaço tem aludido algumas vezes, ora subtilmente, ora de forma direta, como quando classificou de “brutais” os primeiros cinco anos em Belém.

Questionados sobre a duração dos mandatos presidenciais, os portugueses preferem não mexer nisso. Na sondagem ICS/ISCTE, a maioria dos inquiridos (58%) escolheu manter a situação atual, com os Presidentes a poderem cumprir dois mandatos consecutivos de cinco anos cada. E há cerca de um quinto (21%) que veria com bons olhos a alteração para um mandato de sete anos.

MONTENEGRO DESCONHECIDO PARA UM QUARTO DOS PORTUGUESES

Chegou à liderança do PSD há mais de meio ano, mas continua a lutar por notoriedade. Luís Montenegro é avaliado por 77% dos inquiridos, uma vez que os restantes dizem que não o conhecem. É um resultado melhor face à última sondagem Expresso/SIC, de setembro de 2022 (em que 69% o conheciam), mas mostra um líder da oposição ainda invisível para quase um quarto dos portugueses. Entre os que o avaliam, Montenegro sai com nota negativa, mas com ligeira melhoria relativamente há três meses. A liderança política mais desconhecida é, no entanto, e sem surpresa, a de Paulo Raimundo, eleito por unanimidade secretário-geral do PCP há pouco mais de um mês. O novo líder comunista tem-se desdobrado em entrevistas, a última das quais ao Expresso, e o discurso parece estar a entrar melhor do que o do antecessor. Jerónimo de Sousa era muito mais conhecido (86% contra os 44% de Raimundo), mas tinha em setembro uma avaliação negativa que o novo secretário-geral já superou. Ainda que Marcelo continue, de longe, a figura política mais popular do país, foram as lideranças do BE e do PAN a registar as maiores subidas.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre 3 e 15 de dezembro de 2022. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis sexo, idade (quatro grupos), instrução (três grupos), região (cinco regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (cinco grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente 83 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 3010 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 809 entrevistas válidas (taxa de resposta de 27%, taxa de cooperação de 39%). O trabalho de campo foi realizado por 42 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 809 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. As percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto do jornalista JOÃO DIOGO CORREIA e infografia de SOFIA MIGUEL ROSA)

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