O conselheiro de Estado Luís Marques Mendes considera que há perguntas sobre o Banif que devem ser feitas, e que devem ser respondidas. Porém, embora as respostas que já existem não tenham agradado a todos os partidos, essas questões já foram colocadas. Em 2016, houve uma comissão de inquérito com o Banif no centro, e as dúvidas que agora surgem já na altura existiam. E o relatório final dessa comissão de inquérito está nas mãos da Procuradoria-Geral da República desde essa altura. No seu comentário televisivo habitual, no último domingo, dia 20 de novembro, Marques Mendes – que apresentou a publicação do livro “O Governador”, em que constam as memórias de Carlos Costa, – levantou uma série de perguntas. “São as questões que acho que é legítimo perguntar e que é um dever responder. Não são de esquerda nem de direita, são de transparência ou de falta dela”, disse, na SIC. As dúvidas surgem por conta do lançamento do livro escrito pelo jornalista Luís Rosa, e publicado na semana passada. Na apresentação do livro Marques Mendes sugeriu haver motivos para investigação criminal por parte da Procuradoria-Geral da República.
A PGR não respondeu ao Expresso, quando contactada sobre essa averiguação, mas, no campo político, o Chega já propôs uma comissão de inquérito às revelações do livro (que não consegue aprovar sozinho), enquanto o PSD parece ter fechado as portas à sua realização. Apesar disso, os partidos têm dito que há dúvidas por responder. As perguntas são sobretudo sobre os últimos tempos de vida do Banif, em dezembro de 2015, em que havia um processo de venda a decorrer, que depois foi transformado numa resolução bancária, com divisão em três entidades: a parte saudável, transferida para o Santander; um veículo de gestão de ativos chamado Oitante, para ficar com créditos e imóveis e participações problemáticas, mas passíveis de recuperação; e a parte residual, com posições que não seriam recuperáveis.
AS PERGUNTAS DO CONSELHEIRO DE ESTADO
O processo de venda do Banif é o que
mais dúvidas levanta a Marques Mendes, segundo o seu comentário: “A meio do
processo houve ordens de cima para que as regras da venda fossem mudadas. A
meio do jogo, altera-se as regras? Regras que permitem afastar os
concorrentes?”, questiona Marques Mendes. “O processo de venda que estava já com
propostas já apresentadas, foi mesmo anulado. Alguém devia dar uma explicação”.
“Mais tarde, com a resolução, a venda é
entregue ao atual detentor, sem concurso. É normal, sem concurso? Quando foi o
BES, também houve resolução, e houve concurso”, continuou Marques Mendes. “No
livro, aparecem documentos em que há troca de correspondência entre Lisboa e
Bruxelas, em que dizem abertamente que o comprador tem de ser o Santander. Está
documentado”.
AS PERGUNTAS JÁ FEITAS EM 2016
Ora, a comissão parlamentar de inquérito
ao Banif que foi presidida pelo comunista António Filipe já tinha levantado
muitas destas questões – mesmo que as respostas até possam ter sido
consideradas insatisfatórias por quem as ouviu. Aliás, muitas das dúvidas
ficaram por responder porque as autoridades europeias – Comissão Europeia,
nomeadamente a sua Direção-Geral da Concorrência, e o Banco Central Europeu –
consideram que não têm de responder perante os deputados do Parlamento
português, a não ser por escrito, e apenas por delicadeza.
O livro que agora foi publicado traz uma contextualização que Carlos Costa não fez aquando da comissão de inquérito: por exemplo, agora, o ex-governador comenta que a carta que António Costa enviou à Comissão Europeia e ao Banco Central Europeu a 14 de dezembro de 2015 precipitou o fim do Banif. Foi ele, dá a entender o ex-governador, que conduziu à resolução bancária (com a venda ao Santander), concretizada no dia 20, depois de o BCE ter suspendido o estatuto de contraparte do banco. Algo que Carlos Costa não disse em 2016.
Mas houve perguntas agora feitas que
foram dirigidas ao então governador pelo social-democrata Luís Marques Guedes:
“Na altura em que o Sr. Primeiro-Ministro mandou esta carta existia já a
condição de a venda, eventualmente, a própria venda voluntária, e também a
resolução terem de ser para uma entidade com licença bancária em Portugal e de
dimensão pelo menos três vezes superior à do Banif?” A carta foi levada à
discussão parlamentar pelo próprio PSD.
“Não é estranho que o Banco Central
Europeu negue, apesar de ser identificado como do interesse do País, do
Estado-membro, em causa, a atribuição de uma licença bancária assim sem atas,
sem decisão lavrada. Então diz-se: e se tentarmos um banco de transição, porque
é o que achamos que é melhor para o nosso País? E respondem-nos: isso não, não
tentem isso! É assim que as coisas se passam?”, foram dúvidas colocadas pelo
então deputado do PCP Miguel Tiago.
“O Governo teve de determinar, a dada
altura, os requisitos para vender o Banco, a tal carta de compromissos. Quem é
que impôs essa carta de compromissos, ou quem negociou e como foi negociada e
quais eram os critérios mais relevantes?”, também tinha questionado o
socialista Carlos Pereira, numa audição a Mário Centeno.
Sobre as queixas de favorecimento ao Santander nesse período, também a bloquista Mariana Mortágua se tinha posicionado: “Isso quer dizer que ainda nem se tinha decidido uma resolução, ainda se estava, teoricamente, num processo de venda voluntária, e o Banco Central Europeu já estava ao telefone com o Santander?”.
O Santander pagou 150 milhões de euros,
mas recebeu uma carteira de ativos e passivos do Banif juntamente com 2,2 mil
milhões de euros de dinheiros públicos, para lidar com os impactos da
aquisição.
“O que pergunto é se o senhor se sente
confortável por ter participado num processo – não lhe estou, sequer, a
atribuir a responsabilidade, porque, provavelmente não é justo –, que foi
verdadeiramente uma farsa em que se passou de uma venda livre para uma
resolução com uma entidade bancária presente, com uma entidade que foi
patrocinada por tudo quanto é instância europeia para ficar com um banco e que
ficou com ele no dia em que tinha feito uma proposta muito superior para
concorrer com outros para poder adquirir o banco. No mesmo dia, ficou com esse
banco por alto patrocínio das instâncias europeias e com a assistência passiva
das autoridades portuguesas. Sente-se confortável com esse papel?”, perguntou
na comissão de inquérito de 2016 o centrista João Almeida a Mário Centeno,
então ministro das Finanças.
O Banif estava em processo de venda
competitivo, até havia quatro candidatos, mas foram sendo alteradas as regras,
com as autoridades europeias a deixar claro que seria preciso que fosse um
comprador com licença bancária (para não se demorar no crivo de avaliação do
BCE). Depois, o Santander passou a ter contactos privilegiados (e individuais),
como mostra a correspondência entre o Governo e Frankfurt.
Pelo meio, a venda voluntária deixou de
o ser, passando a ser uma venda no âmbito de resolução, porque as propostas
envolviam dinheiro do Estado (ou seja, se era para haver dinheiro estatal,
primeiro era preciso impor perdas aos acionistas e aos credores subordinados,
como mandam as regras europeias de resolução, para diminuir o impacto nos
contribuintes). Foi o que aconteceu.
PS COM GERINGONÇA, AGORA MAIORITÁRIO
Estas perguntas em específico foram
dirigidas a Mário Centeno e a Carlos Costa, ouvidos por duas vezes na comissão,
que contou com 33 audições entre fevereiro e outubro de 2016. Nem todas as
respostas foram dadas, e as que foram não agradaram a todos.
O hoje líder parlamentar do PS, Eurico
Brilhante Dias, foi o deputado relator desta comissão de inquérito, cujas
conclusões foram aprovadas pelos socialistas, bloquistas e comunistas – foi a
geringonça a funcionar no início do Governo suportado pelas três forças.
O CDS absteve-se e o PSD votou contra: isto apesar de ter sido o PSD a dar a mão ao PS quando foi necessário abster-se para que passasse o Orçamento do Estado Retificativo que permitiu acomodar a resolução do Banif em 2015. Na comissão de inquérito, todos os partidos apresentaram declarações de voto para se justificarem.
O PSD discordou das conclusões da
comissão de inquérito, que chutavam para fora do país muitas das
responsabilidades: “Em todos os aspetos, a atuação da DGComp [Direção-Geral da
Concorrência] e das restantes autoridades europeias contribuiu para o custo
associado à resolução e venda do Banif ao Santander”, apontava o relatório. O
PSD dizia, por sua vez, que foi o Governo que “capitulou” perante tais
autoridades.
Além disso, o relatório deixava muitas críticas da gestão do dossiê Banif para o Governo de Passos Coelho. Na altura, o PSD contestou a parcialidade do documento, e os sociais-democratas até uma “tabela de inverdades” de Mário Centeno entregaram na declaração de voto. Agora não há geringonça, mas há um cenário de maioria absoluta socialista e o PSD optou por não seguir em frente com uma comissão de inquérito sobre as revelações do livro do ex-governador, tendo em conta que este é um dossiê onde o PSD também se pode tornar um alvo. Chamada agora a analisar o caso por Marques Mendes, a Procuradoria-Geral da República recebeu o relatório final da comissão de inquérito já realizada, como costuma acontecer nestas iniciativas parlamentares. Foi em 2016 (Expresso, texto do jornalista Diogo Cavaleiro)
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