quinta-feira, dezembro 15, 2022

Sem referendo, primeira-ministra da Escócia quer transformar as próximas eleições num plebiscito à independência


Nicola Sturgeon quer usar as próximas legislativas britânicas para contar espingardas independentistas. Se mais de 50% dos escoceses votarem em forças nacionalistas, afirma, Londres não poderá ignorá-los. Um seu companheiro de partido prefere fazê-lo em eleições regionais Horas depois de o Supremo Tribunal do Reino Unido ter decretado que a Escócia não pode convocar um referendo à independência sem autorização do Parlamento britânico, Nicola Sturgeon assegura ter um mandato democrático para organizar essa consulta popular. A independentista e chefe de governo escocês considera-o mesmo “inegável”. Frisando, em conferência de imprensa, que o tribunal não se pronunciou sobre esse mandato nem sobre a bondade ou não de a Escócia deixar de fazer parte do Reino Unido, Sturgeon reconhece que o acórdão anunciado esta quarta-feira a impede de organizar a votação. Em 2014 houve referendo porque o Governo britânico, então liderado por David Cameron, decidiu autorizá-lo. O independentismo perdeu por 55%-45%.

UNIDOS À FORÇA

Na opinião de Sturgeon, a decisão do painel de cinco juízes significa que o Reino Unido não é uma união voluntária de nações, já que a Escócia não pode decidir se quer ficar ou sair dela. Acatará, excluindo uma consulta ilegal como a da Catalunha em 2017. Mas só se fecha uma rota para a secessão, assegura.

Recusa-se a ir “de mão estendida” pedir a Londres a permissão que o poder central tem negado, pois antevê que o primeiro-ministro Rishi Sunak mantenha a posição dos seus antecessores Boris Johnson e Theresa May de recusar o referendo. “Essa posição, a meu ver, não só é insustentável como é muito contraproducente. Quanto mais desprezo o regime de Westminster mostrar pela democracia escocesa, mais certo é a Escócia votar ‘sim’ na hora da escolha.”

Escócia não pode referendar independência sem autorização de Londres, declara o Supremo Tribunal do Reino Unido Frisando que não é ela quem abandona o referendo, mas “Westminster que o bloqueia”, Sturgeon inclina-se para testar a posição do eleitorado escocês sobre a independência nas próximas eleições. Se mais de 50% preferirem partidos nacionalistas, argumenta, terão de ser ouvidos.

“A não ser que desistamos da democracia, coisa que não estou disposta a fazer, podemos e iremos encontrar outro meio democrático, legal e constitucional para o povo escocês exprimir a sua vontade”, garantiu Sturgeon. “A meu ver, só pode ser em eleições. As próximas eleições marcadas para a Escócia são as legislativas do Reino Unido, o que faz delas a primeira e mais óbvia oportunidade para tentar fazer o que descrevi em junho como um referendo de facto.” Até lá, anuncia uma “grande campanha em defesa da democracia escocesa”.

CONFERÊNCIA NACIONALISTA EM JANEIRO

Sturgeon vai convocar uma conferência extraordinária do seu Partido Nacional Escocês (SNP), em janeiro de 2023, para decidir passos concretos. Há mais dois partidos independentistas: os Verdes escoceses e o Alba, cisão do SNP chefiada pelo antecessor de Sturgeon na chefia do governo regional, Alex Salmond.

Angus Brendan MacNeil, um dos 44 deputados que o SNP tem no Parlamento britânico, também falou à televisão Sky News de um “plano B” que substitua o referendo através de eleições. Diverge da líder ao considerar que é melhor fazê-lo nas regionais escocesas do que numa ida às urnas de âmbito britânico. Ian Hamilton, nacionalista escocês que roubou a pedra que vai ser usada na coroação de Carlos III (1925-2022)

DESASTRES NATURAIS

Nas legislativas do Reino Unido, previstas para 2025, “a comunicação social estará mais focada no que acontecer em Inglaterra, que é a maior parte do Reino Unido”, afirma MacNeil. Seria melhor, assim, “forçar uma eleição antecipada para Holyrood [Parlamento escocês], apenas sobre o assunto da independência, e deixar falar o povo escocês”. As regionais normalmente seriam em maio de 2026.

PRIMEIRO-MINISTRO DIZ QUE HÁ DESAFIOS MAIS URGENTES

Sunak também se pronunciou, durante o debate semanal na Câmara dos Comuns. Acusado pelo líder parlamentar do SNP, Ian Blackford, de querer “negar a democracia ao povo da Escócia”, o chefe do Governo britânico afirmou que o que esse povo quer é que os políticos “resolvam os grandes desafios coletivos, seja a economia, o reforço do serviço nacional de saúde ou mesmo o apoio à Ucrânia”.

Blackford retorquiu que o atual parlamento escocês tem a maior fatia de sempre de deputados a favor de um referendo à independência. Acha irónico vê-lo negado por um primeiro-ministro que “nem sequer tem mandato pessoal para estar no n.º 10 de Downing Street”. Sunak, escolhido pelo Partido Conservador e não pelo eleitorado, é o segundo chefe de Governo do Reino Unido a não vir das urnas, depois de Liz Truss. O último a vencer legislativas foi Boris Johnson, em 2019, que viria a ser deposto pelos seus deputados em julho último.

Outra antiga chefe do Executivo britânico, Theresa May, ainda deputada, aproveitou o debate para exortar o SNP a “acabar com a obsessão de dividir” o país. A ex-primeira-ministra (2016-19) celebra o “legado único” da Escócia enquanto “membro valioso da família de nações” que é o Reino Unido.

O Partido Trabalhista, maior força da oposição no Reino Unido, também está contra novo referendo. O seu líder, Keir Starmer, reafirmou-o esta quarta-feira e anunciou que não fará acordos com o SNP após as próximas legislativas. Starmer apoia a transferência de competências para os países componentes do Reino Unido e as regiões inglesas, mas considera a secessão da Escócia “uma questão muito diferente” (Expresso, texto do jornalista Pedro Cordeiro)

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