sexta-feira, dezembro 23, 2022

“O tempo do sr. Berardo acabou”.....

 

A dez dias da extinção da Fundação, os trabalhadores ainda não tinham sido informados pelo diretor. “O tempo do sr. Berardo acabou”, diz o ministro da Cultura. “A atitude litigante dele mostra que tínhamos razão em pôr fim a esta relação. O Estado não podia seguir outro caminho e o tribunal deu-lhe razão.” Pedro Adão e Silva comenta assim o facto de José Berardo ter desistido, a 29 de novembro, do recurso que interpôs contra o fim do acordo de comodato da sua Coleção no CCB. A não renovação do acordo, a 31 de dezembro, significa a extinção da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo (FAMC-CB), criada em 2006 no quadro do comodato. Esta extinção foi comunicada pela presidência do Conselho de Ministros ao diretor-geral da Fundação, Pedro Bernardes, a 9 de dezembro, através de um e-mail ao qual o Expresso teve acesso, no qual lhe era pedido que informasse os trabalhadores da Fundação, “de forma a habilitar a respetiva pronúncia, no prazo fixado”.

“Esta informação nunca foi enviada aos trabalhadores”, confirma o ministro. Ao mesmo tempo, a presidência do CCB mandou a Pedro Bernardes uma carta a garantir que os vínculos laborais dos 30 trabalhadores irão ser assegurados “sem hiato temporal” pelo CCB, que novamente não lhes foi reencaminhada. Isso deu origem a que, a 21 deste mês, um dia depois de ser lançado o último catálogo da Coleção que inclui uma extensa entrevista a Berardo, e a dois dias do termo do prazo de pronúncia dos trabalhadores, a própria presidência do CCB se lhes dirigisse para assegurar que o processo “não implicará qualquer suspensão da relação laboral”.

Adão e Silva qualifica de “intolerável” o comportamento do diretor-geral. Este “demonstra uma intenção deliberada de não informar os trabalhadores” e “uma tentativa de obstrução” enquadrada num “padrão de litigância e má-vontade” — que, porém, “não interfere” com o prazo estipulado para o fim da Fundação. “Isto prova que virar a página em relação ao sr. Berardo era uma questão de interesse público.” Contactado pelo Expresso, Pedro Bernardes diz ter sido impedido pelo Conselho de Administração da FAMC-CB de remeter as comunicações aos trabalhadores “sem instruções expressas, as quais não recebi até à data”.

Em outubro, os advogados de José Berardo requereram ao Tribunal da Comarca de Lisboa a revogação do arresto decretado sobre a Coleção Berardo em julho de 2019. Estes alegam que o seu valor é superior ao da dívida de €1000 milhões que três bancos — Novo Banco, CGD e BCP — reclamam do empresário, apoiando-se numa nova avaliação feita por Gary Nader, galerista de Miami, que a situa entre €1,5 e €1,8 mil milhões. Valor que contrasta com os €316 milhões avaliados pela leiloeira Christie’s em 2006.

Num artigo publicado de dia 20, Francisco Capelo, impulsionador da Coleção Berardo, avança que, já em 2009, Gary Nader a teria avaliado 80% acima da Christie’s, em €571 milhões. E recorda que a constituição da coleção foi possível graças a fundos de origem social, “provenientes da isenção do pagamento de impostos”. É esta a coleção que Berardo “luta para que permaneça privada e disponível para vender”.

Questão não despicienda: ainda está por saber-se a decisão judicial que resultará do pedido de revogação do arresto das obras interposto pelos advogados de Berardo, e como é que a mesma afeta o futuro da Coleção e do Museu de Arte e Moderna e Contemporânea a nascer no CCB em 2023. “Não faço cenários. Será sempre uma decisão judicial no contexto de um processo em que o Estado não é parte”, diz Adão e Silva, frisando que, “clarificada esta situação e reconhecendo o valor único da coleção, o Estado estará empenhado em negociar com quem for o seu titular. Trata-se de uma coleção privada, que será ou do senhor Berardo ou dos bancos. Vamos garantir a fruição pública até haver uma decisão e, depois, negociar com o proprietário quando a coleção estiver livre de encargos” (Expresso, texto da jornalista LUCIANA LEIDERFARB)

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