A maior parte dos dez candidatos presidenciais não conseguiu preencher
de forma absolutamente inequívoca a declaração de rendimentos, património e
cargos sociais que a lei obriga a entregar no Tribunal Constitucional (TC). Há
falhas na descrição dos imóveis de que são proprietários, na enumeração das
aplicações financeiras e contas bancárias e descrição de cargos sociais em
instituições e entidades públicas ou empresariais, segundo detectou o PÚBLICO
na consulta dos documentos disponíveis no TC. A avaliar pelos rendimentos anuais declarados pelos candidatos à
Presidência da República, trocar a vida actual pelo Palácio de Belém não
compensa financeiramente para Marcelo Rebelo de Sousa e António Sampaio da
Nóvoa. E atendendo ao património do ex-empresário Henrique Neto e muito
especialmente ao de Cândido Ferreira, não é pelo que poderão amealhar que estão
na corrida. Este último, médico e antigo presidente da distrital do PS de Leiria, é
o que reúne o melhor pé-de-meia no banco. São 2,936 milhões de euros em três
dezenas de aplicações em bancos e seguradoras. A que se somam 15 imóveis com um
valor patrimonial conjunto de, pelo menos, 2,668 milhões de euros. Em 2014 diz
que ganhou 94.294 euros. Apesar disso, Cândido não declara carro nem barco, mas mantém 910 acções
do Benfica, 30% dos 500 mil euros do capital da Pombaldeal e 1275 acções da
empresa Carvalhal da Urra, onde está a investir na construção de uma adega.
Henrique Neto segue a máxima da galinha que não deve guardar os ovos no
mesmo ninho: entre o BCP, Novo Banco, BPI, Deutsche Bank e o suíço UBS Zurich,
o empresário tem 1,3 milhões de euros. O seu património imobiliário é vasto,
mas a lista não permite que se perceba o valor dos 15 imóveis urbanos que tem,
sobretudo na Marinha Grande, mas também em Lisboa (onde mora), Algés, Carvalhal
e Portimão. Neto tem um Mercedes e um barco Beneteau. Não declara qualquer
quota em empresas, apenas o cargo social no Sport Operário Marinhense. Marcelo Rebelo de Sousa ganhou em 2014 perto de 385 mil euros brutos e,
além das poupanças bancárias (384 mil euros no BCP, BPI e Novo Banco), não tem
qualquer outro património – nem mesmo casa. A comparação com outra declaração
de 2012 (como conselheiro de Estado) permite perceber que o comentador e
professor tem mantido as poupanças sempre ao mesmo nível. O seu colega de universidade e agora concorrente António Sampaio da
Nóvoa teve, em 2014, rendimentos de perto de 130 mil euros em trabalho
dependente e independente. Na declaração há uma lista de património que herdou,
entre terrenos, contas bancárias, certificados de aforro, um carro e até um
jazigo, mas de que tem direito a apenas 3/20 avos. Tem dois automóveis. As regras destas declarações são minuciosas e exigentes, mas a verdade é
que o Tribunal Constitucional não tem por hábito controlar ao pormenor as
informações que lá são inscritas. Os candidatos não explicam nem têm que
explicar qualquer aparente disparidade entre os rendimentos e os bens que declaram.
Nenhum cargo a declarar, diz Belém
Maria de Belém declara apartamentos na Portela (Loures) e Vilamoura,
assim como a sua quinta no Rodízio, em Colares (Sintra), junto à Praia Grande,
e um terreno na mesma aldeia. Aliás, é na sua morada que tem sede a empresa de
consultadoria Priorikey que mantém com o marido desde 2010, e da qual diz ter
uma quota de 50%. Além dos rendimentos de 60.601 euros em 2014, declara ter
dois carros Honda e 70.408 euros em contas à ordem no Novo Banco e CGD, a que
se somam aplicações financeiras a prazo e PPR de 134 mil euros. Mas quando se chega à descrição dos cargos sociais dos últimos dois anos
– que só são obrigatórios divulgar no caso de serem em instituição de direito
público ou, se forem pagos, em fundações ou associações de direito privado –
Maria de Belém preferiu resguardar-se nas entrelinhas da lei e escrever:
“Nenhum cargo social dos que exerço é remunerado.” Em 2014, o professor Jorge Sequeira diz ter ganho 36 mil. Mas em 2015
fez investimentos em contas bancárias num valor bem superior: só no Montepio
abriu quatro contas a prazo no último trimestre no valor total de 58 mil euros,
e juntou algumas contas à ordem, ficando com um total de 111.752 euros.
Refira-se que a maioria das contas à ordem não precisavam de ser comunicadas
por serem inferiores a 25 salários mínimos. Em dinheiro, Sequeira descreve ainda planos poupança de 45.640 euros e
vários investimentos em PPR, fundos e carteiras de títulos de mais 41.328
euros. Tudo somado, o speaker profissional de Braga tem poupanças de 256.720
euros. Nos veículos, limita-se a declarar uma Vespa de 50CC. Tem um imóvel em
Braga que não é a sua habitação. É sócio em três empresas, todas com sede em
sua casa, no Porto.
Imóveis mal identificados
Paulo de Morais, o ex-vice-presidente da direcção da TIAC –
Transparência e Integridade Associação Cívica que deixou o cargo para se
candidatar a Belém e tem feito da transparência e do combate à corrupção a
bandeira da sua campanha, acaba por ter uma declaração com zonas opacas. O património
imobiliário (prédios rústicos ou urbanos) tem que estar identificado pela sua
natureza e situação, inscrição matricial e ter uma descrição sumária. Paulo de
Morais limita-se a dizer que é herdeiro de dois prédios rústicos nos concelhos
de Sintra e Monção e tem uma fracção de prédio urbano em Viana do Castelo. A somar a isso está o facto de ter deixado a Câmara do Porto em 2005,
onde era vice-presidente de Rui Rio, mas só ter entregue a declaração de
rendimentos de cessação de funções, obrigatória por lei, 10 anos depois. Morais
fê-lo a 15 de Abril do ano passado, dias depois de anunciar que pretendia
concorrer a Presidente da República. E a declaração de início de funções, em
2002, foi entregue já fora do prazo. Em 2014 teve rendimentos de 57.579 euros (33.342 em trabalho
independente), mas não tem contas bancárias a prazo ou aplicações financeiras,
nem contas à ordem de valor superior a 25.250 euros. Mantém o mesmo Daewoo
Nubira desde 2000. A declaração de Vitorino Silva tem também deficiências na informação
bancária: na parte em que lhe é pedido que identifique as contas à ordem
superiores a 50 salários mínimos, limita-se a escrever o NIB quando deveria
inscrever o montante, a instituição, o número da conta e a data de abertura.
Mas há mais: Tino de Rans declara que ganhou, em 2014, 17.460,19 euros de
salário dependente, a que se somam 278 euros de rendimentos comerciais e
industrias e 1440 euros de prediais. Mas o calceteiro da câmara do Porto mantém
três automóveis (é certo que todos com mais de 10 anos) - um MG, um BMW e uma
Nissan Navara – e duas casas.
Edgar Silva sem património
O candidato apoiado pelo PCP já deixou o sacerdócio há quase 20 anos,
mas mantém o desapego dos bens materiais. As folhas da sua declaração de
rendimentos e património estão quase todas traçadas com uma linha de tinta
preta na diagonal: Edgar Silva limita-se a comunicar que ganhou, em 2014,
46.098 euros em trabalho dependente (é deputado pela CDU na Assembleia Regional
da Madeira) e nem mais uma letra ou um número.
Marisa Matias teve como único rendimento em 2014 os 97.392,24 euros de
trabalho dependente como eurodeputada. Declara apenas a co-propriedade com o
marido da casa onde reside em Coimbra, e no banco tem aplicações a prazo e em
PPR no valor total de 28.875 euros. E mantém um crédito à habitação no BCP de 79.737
euros que finda em 2045 (texto do Público, da jornalista Maria Lopes)
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