sexta-feira, janeiro 14, 2022

Opinião: Chocado com os preços da TAP? Bem-vindo ao mundo real


Sim, parece chocante que a TAP cobre mais dinheiro a quem parta de Lisboa do que a quem venha de Madrid apanhar o mesmo voo. Mas o choque é com a realidade. Neste argumento, Rui Rio ou é ignorante ou é populista. Mas eficaz: será sempre apoiado no argumento contra o demónio da TAP. Até o ajudo, tenho mais exemplos do género “inaceitável”, “revoltante”, “gravíssimo” António Costa esteve péssimo no debate com Rui Rio, começou com uma cassete de uma música velha e acabou num crescendo de arrogância. Rui Rio esteve melhor. Na TAP fez o que sabe fazer: mais oposição do que alternativa clara. Mas correu para o populismo fácil. Caro Dr. Rui Rio, diga-me um voo direto que cujo preço médio seja mais barato do que o preço com escala no mesmo voo?

O caso do português que paga três vezes e meia o que paga um espanhol para voar na TAP para São Francisco, dado por Rui Rio no debate com António Costa, que ganhou, é um exemplo rigoroso. E descontextualizado. Porque ignora as regras comerciais da aviação aérea, que a TAP não inventou nem com elas inova. O mesmo acontece em regras com voos da Ibéria que partam de Madrid, voos da Lufthansa que partam de Frankfurt ou voos da Air France que saiam de Paris: são mais caros para os espanhóis, alemães ou franceses do que para um português que saia de Lisboa para apanhá-los.

Não é preciso desfiar muitas razões. Basta sair do século XIX e deparar com a realidade de que as empresas não calculam preços com base em custos acrescidos de uma pequena margem de lucro. As empresas, na vida real, cobram o máximo que puderem aos clientes desde que não os percam. Se têm monopólio, esmifram os clientes, razão pela qual os reguladores intervêm. Se estão em concorrência quase perfeita, então o que cobram alinha-se pelas ofertas dos concorrentes. E então sim, em concorrência, os preços acabam por ser idênticos aos custos acrescidos de uma pequena margem de lucro.

É por isso que a concorrência é linda. E é por isso que as práticas das empresas são esta realidade pouco socialista, a da busca do lucro máximo, e só a ingenuidade dos clientes ou a propaganda dos gestores pode tentar fazer crer o contrário. Bem-vindo ao mundo real.

Mais: as empresas ganham mais com uns produtos do que com outros, em função de margens, quantidades vendidas e concorrentes em cada produto. Nas companhias aéreas, ainda mais: há uma data de preços diferentes para o mesmo voo, às vezes nos mesmos lugares, bastando mudar a data de reserva.

O que Rui Rio fez todos os clientes, portugueses ou espanhóis, fazem: vão ao site comparar preços. Se os da concorrência são mais baratos, escolhem-nos. Se queremos avaliar a gestão da TAP, é mais importante olhar para as taxas de ocupação dos voos e para os seus resultados (brutos e líquidos) e assim perceber se a política comercial, os preços, o serviço e os níveis de custos são ou não bem geridos.

Quer outro exemplo “inaceitável”? Um voo de ida e volta Lisboa-São Francisco pode custar quase o dobro do que um voo de ida e volta São Francisco-Lisboa. A TAP cobra menos a americanos do que a portugueses! É porque é parva ou antipatriota? Não, é porque há mais portugueses a quererem viajar pela TAP até São Francisco do que há americanos a querem viajar pela TAP até Lisboa.

Acontece que a TAP é uma empresa pública. O que muda isso? É simples: ou se assume que a empresa opera em concorrência (como faz a CGD) e assume as mesmas regras de financiamento pelo acionista e de busca de rentabilidade, ou se assume que presta serviço público, com serviços e preços que de outra forma não prestaria e sendo subsidiada no cumprimento desses serviços (como acontece com a CP ou com a Carris). É por isso que tanto se fala de contratos de serviço público, onde o Estado determina que funções específicas as empresas públicas têm de cumprir e as subsidia por isso.

O problema de muitas empresas públicas em Portugal, em décadas, tem sido não haver uma coisa nem outra. Nem concorrência, nem contrato de serviço público bem definido. Como não estão abertamente em concorrência, têm custos a mais (são ineficientes, estão influenciadas por decisões políticas, têm chefias nomeadas por partidos) e galgam dívidas que acabam por ser pagas por nós – como aconteceu com a TAP. E como não têm contratos de serviço público bem definidos, os serviços falham à população – como aconteceu com os CTT.

O problema na TAP não é cobrar mais por um voo direto a um português do que a um espanhol. É ter ou não uma política de preços competitiva e rentável, que assegure voos cheios e lucrativos. É ter anos e anos de gestão influenciada pela política, com milhares de pequenos custos ocultos de ineficiência ou com grandes buracos como aconteceu com o escandaloso negócio da compra da manutenção do Brasil, feita por impulso político de José Sócrates e Mário Lino. É não ter uma definição clara do que deve ser o seu papel no país, incluindo na relação equívoca com o Porto, que é clara e unicamente comercial mas comunicada como se fosse estratégica. É ter sido uma tragédia contínua de mais de uma década sem investimento, com frota envelhecida, cara e desconfortável, ao mesmo tempo que cedia a pressões políticas que acabaram por explodir numa intervenção do Estado que defendo mas cujo cumprimento é dificílimo. 

Dito isto, e ditas as dúvidas e críticas que tenho sobre a TAP, não embalo na tunda fácil que Rui Rio alegremente iniciou.

Já agora, Rio defende o quê? Que os voos sejam mais baratos para portugueses? Isso significa que o Estado tem de subsidiar mais. Que os estrangeiros paguem mais que os portugueses? Isso implica perder clientes. Que a TAP pratique preços mais baixos e tenha prejuízos? Isso seria manter injeções do Estado. Que o Estado assuma que viagens para São Francisco são serviço público e não se pode cobrar 697 euros a partir de Lisboa? Isso seria absurdo. Que a TAP opere em concorrência, ganhando e perdendo em função da competência da sua gestão que, essa sim, tem de ser avaliada por nós, contribuintes e acionistas? Estou de acordo. Que a TAP seja privatizada rapidamente? Também estou de acordo, garantindo o “hub” em Lisboa e sabendo que o dinheiro injetado nunca será recuperado. Que a TAP feche?

A TAP é um sarilho para o Estado e um custo alarve para os contribuintes. Mas não é por causa das escalas de Madrid, é pelas escolhas em Lisboa. Mas pronto, é a campanha eleitoral (texto de Pedro Santos Guerreiro, diretor executivo CNN Portugal)

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