domingo, setembro 20, 2020

Itália: Democracia representativa vai a votos

“Queremos reformas e não cortes”, pedem os partidários do ‘não’ no referendo, esta semana em Roma. Referendo para encolher Parlamento é um teste ao sistema. Proposta deve passar com ampla maioria. Meio ano após o primeiro contágio por coronavírus em Itália, uma estreia na União Europeia, os eleitores têm este fim de semana uma dupla convocatória: eleições para uns, referendo para todos. Afetarão o mapa político do país e o Governo de Giuseppe Conte. Há eleições em sete regiões e, a nível nacional, vota-se para confirmar uma reforma constitucional aprovada pelo Parlamento que reduz o número de deputados e senadores de 945 para 600. Itália tem 630 deputados, face aos 230 portugueses, 350 espanhóis ou 577 franceses.

Vão às urnas a Ligúria (Génova), Marcas (Ancona), Apúlia (Bari), Vale de Aosta (Aosta), Toscânia (Florença), Campânia (Nápoles) e Véneto (Veneza). A direita é favorita no Véneto, Ligúria e Marcas, mas as aparências iludem. No Véneto vencerá Luca Zaia, mas a sua lista conservadora não é a da Liga, de Matteo Salvini. Em Marcas ganharão provavelmente os Irmãos de Itália (FdI), de Giorgia Meloni.
Desde que irromperam na política, os antissistema do Movimento Cinco Estrelas (M5S) desceram de 37,4% para 17% nas intenções de voto, pelo que o atual Parlamento já não espelha a realidade. O referendo foi obra sua, mas o cómico Beppe Grillo, fundador do M5S, teve de voltar aos palcos para acalmar os excessos hormonais dos outrora “indignados” e dizer-lhes que o melhor que têm a fazer é aliar-se aos progressistas. O resultado das regionais será a prova dos nove de um novo centro-esquerda que una o M5S ao Partido Democrata (PD).
O Executivo não vai cair. Conte é apoiado por 60% na gestão da pandemia e espera ficar no cargo até 2022, ano da eleição do próximo Presidente da República. Os poderes fáticos — bancos, correntes maçónicas várias, burguesia nortenha e outros atores — desejam um Governo mais forte e sugeriram Mario Draghi para o chefiar, mas este não se mostrou disponível. Em causa estão €209 mil milhões de fundos comunitá­rios para a recuperação.
A maioria dos cidadãos votará para suprimir 230 lugares de deputados e 115 de senadores na consulta de domingo, cuja data inicial era 29 de março (que a pandemia inviabilizou). A classe dirigente, impelida pela imprensa nacional, votará contra. Partes do PD e do M5S não seguirão a orientação de voto dos respetivos partidos. Os eleitores estão divididos, com vantagem (71%) para os que querem emagrecer o Parlamento.
O M5S propôs esta lei para poupar um montante calculado em €57 milhões por ano, segundo vários centros de análise. A consulta de domingo não exige um quórum de eleitores, visto que se destina a confirmar uma lei que já passou no Parlamento.
CONTRA A DEMOCRACIA?
“Basta de dinossauros”, proclama Grillo. “Vão cagar, mais as vossas mentiras”, escreveu, surpreendentemente, Roberto Saviano contra os apoiantes do ‘sim’. “O referendo é o triunfo dos populistas”, acrescenta o cartoonista Staino. “O Parlamento é um desperdício”, rebatem os partidários da reforma.
Os adversários da proposta alertam que ela reduz a representação democrática e opõem-se ao que os antissistema definem como “democracia direta”. Riccardo Fraccaro, subsecretário da Presidência (M5S) e autor da reforma, afirma: “A vontade popular confirma que é essencial reconhecer a centralidade dos cidadãos na forma de participar na vida política.” Essa vontade ter-se-á expressado e votações populares contornam o Parlamento. A isto acrescentava o falecido Roberto Casaleggio, inventor da plataforma informática Rousseau, que o M5S usa para tomar decisões: “A superação da democracia representativa é inevitável […], existem instrumentos de participação decididamente mais democráticos e eficazes em termos de representação popular do que qualquer modelo de governo do século XX.” “A democracia não é um clique”, contrapõem os defensores do ‘não’.
Em 1993, um referendo visou eliminar o Ministério da Agricultura em nome da poupança, uma vez que as suas competências já estavam transferidas para as regiões. O “sim” arrasou, mas descobriu-se no dia seguinte que o país, orgulhoso do seu “made in Italy”, carecia agora de representação na UE (Expresso, texto do jornalista ROSSEND DOMÈNECH, CORRESPONDENTE EM ROMA)

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