domingo, setembro 20, 2020

Dez entidades diferentes investigam Reguengos...

Sucedem-se as versões sobre o surto de covid-19 num lar. Governo promete tirar ilações de três inspeções que pôs no terreno. O Parlamento já recebeu cinco relatórios sobre o surto de covid-19 numa residência para idosos em Reguengos, que causou a morte de 18 pessoas. Mas nenhum destes documentos é o “inquérito” que o primeiro-ministro referiu existir e ter sido enviado para investigação do Ministério Público. O assunto está longe de estar esgotado, e prova disso é o facto de estarem a decorrer mais cinco investigações, três das quais sob a forma de inspeções, ordenadas pelas ministras da Saúde e da Segurança Social. Esta semana — e três meses depois de ter surgido o primeiro caso de infeção em Reguengos — o Governo assumiu a existência de “um conjunto de aspetos que não correram bem”e prometeu não “enjeitar responsabilidades”. Ainda não há prazo para conclusões, mas fica o registo do que está a ser feito.

1 - ORDEM DOS MÉDICOS
“Dada a gravidade excecional deste caso”, a Ordem dos Médicos forma, logo a 12 de julho, uma comissão de inquérito que segue para o terreno. No início de agosto, com fortes críticas e até acusações de “abandono” de doentes, envia as conclusões para o Ministério Público. A comissão de inquérito distribui responsabilidades entre os responsáveis do lar, mas também não poupa as autoridades de saúde locais. “A desorganização e consequente prejuízo para os doentes (é) atribuível à Autoridade de Saúde e à ARS do Alentejo”, afirma o relatório, que conclui que houve falhas no “processo de governança clínica”.
2- ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALENTEJO
Em resposta ao relatório da Ordem dos Médicos, o presidente da ARS do Alentejo envia à ministra da Saúde uma “pronúncia” sobre os factos ocorridos em Reguengos. E em 19 páginas arrasa o “relatório de auditoria da Ordem dos Médicos”, que classifica de “inválido, porque destituído de fundamento de facto e de direito”. Além do mais, ba­seou-se em “métodos obscuros” e foi redigido por alguém com “incompatibilidade” devido ao “conflito de interesses” que tinha sobre o caso. Finaliza dizendo que “compete à Segurança Social exercer os poderes de tutela”.
3- INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
Em 24 páginas, mais 22 de anexos, os responsáveis do Centro Distrital de Évora da Segurança Social fazem um relato da informação interna disponível sobre o lar de Reguengos. Fazem uma longa cronologia dos acontecimentos e referem as oito visitas feitas à instituição nos últimos nove anos, destacando o relatório mais recente: de uma deslocação “técnica”, feita no dia 11 de março (antes do estado de emergência), em que não foram registadas quaisquer irregularidades. A ministra recebe a informação a 14 de julho e envia-a para o Ministério Público.
4- PROTEÇÃO CIVIL
A delegação municipal da Proteção Civil fez o mais amplo relatório até agora produzido sobre o caso. São 561 páginas de uma longa lista de tudo o que foi feito no concelho no âmbito do combate à pandemia. De editais a cartazes, tudo é impresso no relatório, classificado como “um documento aberto” e onde não há nem conclusões nem ilações do que se passou no lar.
5- FUNDAÇÃO MARIA INÁCIA VOGADO PERDIGÃO SILVA
A proprietária do lar de idosos contratou uma equipa de consultores externos para uma “averiguação” às responsabilidades pelo surto que ocorreu na instituição. As conclusões preliminares têm 29 páginas e foram enviadas ao Parlamento, como forma de a Fundação responder às críticas públicas surgidas sobretudo a partir da divulgação do relatório da Ordem dos Médicos. A Ordem dos Médicos é, aliás, um dos principais alvos de críticas, por ter ­ignorado o plano de contingência do lar para combate à covid-19, alegadamente por ter sido entregue fora do prazo. Ora, a Ordem criticou a instituição precisamente pela inexistência desse plano.
Três inspeções oficiais no terreno, a que se juntam relatórios de entidades que vão da tropa aos advogados
6 - ORDEM DOS ADVOGADOS
Por iniciativa do bastonário, Menezes Leitão, a Ordem dos Advogados está a averiguar as condições de vida nos lares em Portugal. O documento começou a ser preparado em julho e a investigação está a ser conduzida pela Comissão de Direitos Humanos da organização. “O objetivo é saber se os direitos humanos dos utentes estão a ser violados”, diz uma fonte da Ordem. O trabalho ainda não está finalizado e só é esperado um relatório no final do mês de setembro.
7 - FORÇAS ARMADAS
Os militares foram chamados a intervir no lar de Reguengos, quando a situação se complicou devido à falta de funcionários para prestar assistência aos utentes. Com vários trabalhadores infetados e outros obrigados a quarentena, 15 militares das equipas de saúde das Forças Armadas instalaram-se no local e, mais tarde, 33 ajudaram à desinfeção do lar. Os deputados requereram ao EMGFA um relatório sobre a situação de Reguengos, que ainda não chegou à secretaria do Parlamento.
8 - INSPEÇÃO-GERAL DAS ATIVIDADES DE SAÚDE
A ministra desencadeou uma inspeção para apurar o que se passou naquele lar de idosos e prometeu “para breve” a apresentação das conclusões. Rute Serra, subinspetora-geral, confirmou ao Expresso “que o inquérito está em curso e no prazo”. Marta Temido garantiu aos deputados que a inspeção iria decorrer num prazo de 30 dias, mas nem a ministra nem a Inspeção revelaram quando se iniciou. É “certo que, quando estiver finalizado, o inquérito será remetido à entidade que determinou a sua instauração, para decisão”, conclui Rute Serra.
9 - INSPEÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL
A ministra garantiu, em agosto, não ter aberto qualquer processo de inspeção ao lar de Reguengos. “O meu objetivo no acompanhamento dos surtos não tem sido a responsabilização. De facto, não tem sido. Tem sido criar instrumentos de reforço para apoio às instituições e acompanhá-las”, disse ao Expresso. Mas esta semana assumiu perante os deputados ter desencadeado duas inspeções no terreno (ver ponto seguinte). “Na sequência de diferentes relatórios, considerei que era importante uma verificação por parte da Inspeção da Segurança Social e uma avaliação da Inspeção-Geral do Ministério”, disse Ana Mendes Godinho, garantindo ter desencadeado “todos os procedimentos”, mas não referindo nem prazos para as conclusões nem o âmbito das averiguações.
10 - INSPEÇÃO-GERAL DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SEGURANÇA SOCIAL
A ministra da Segurança Social disse que a informação sobre o caso de Reguengos será tratada “com o máximo de transparência possível” e os deputados já pediram acesso aos relatórios das inspeções, quando estas tiverem terminado. O Expresso pediu igualmente esclarecimentos sobre as duas inspeções desencadeadas, mas não obteve resposta do ministério de Ana Mendes Godinho até ao fecho desta edição. A tutela dos lares de idosos cabe ao Ministério da Segurança Social, que perante casos de incumprimento das normas dos contratos de cooperação pode levantar processos e aplicar sanções que podem implicar mesmo o encerramento das instalações ou o fim dos apoios do Estado. No caso de Reguengos, a Segurança Social atribui mensalmente uma verba de quase €60 mil para apoio das várias valências da Fundação (lar de idosos e creche) (Expresso, texto da jornalista ROSA PEDROSO LIMA com RUI GUSTAVO E VERA LÚCIA ARREIGOSO)

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