quarta-feira, fevereiro 12, 2020

Passos pede “sobressalto cívico” contra “a forma leviana” como querem aprovar a eutanásia

Rui Rio é a favor e dá liberdade de voto ao PSD. Passos é contra e denuncia “a ligeireza com que o Parlamento se prepara para aprovar a eutanásia”. Embora não defenda o referendo, o ex-primeiro-ministro compreende a necessidade de um “sobressalto cívico”. E gostava de ver o partido a assumir uma posição: “Não basta deixar à consciência de cada um”. Pedro Passos Coelho não é entusiasta de referendos sobre questões como a vida ou a morte que entende pouco consentâneas com mecanismos de democracia direta, mas partilha com os defensores de um referendo à eutanásia a convicção de que é necessário evitar a aprovação de uma lei sem um debate prévio alargado na sociedade portuguesa. “Percebo bem que os peticionários (pró-referendo) estejam inconformados com a ligeireza com que o Parlamento se prepara para aprovar a eutanásia”, afirmou Passos ao Expresso, muito crítico da forma como os deputados se preparam para votar, no próximo dia 20, vários projetos de legalização da morte assistida sem que antes tenha havido uma discussão pública suficientemente esclarecedora.

A petição pró-referendo tem, na opinião do ex-primeiro-ministro, “o mérito de chamar a atenção para a necessidade de se discutir seriamente o tema e provocar um sobressalto cívico com a forma leviana como a esquerda entende legislar sobre assuntos da maior importância”. Passos partilha a convicção de que se caminha “para uma decisão profundamente errada” e lamenta que o seu partido não assuma uma posição oficial sobre a matéria.
Em 2018, quando a eutanásia foi pela primeira vez a votos na Assembleia da República e não houve uma maioria bastante para a legalizar, Pedro Passos Coelho assumiu, num artigo no Observador, a sua posição contra a lei. “O recurso à eutanásia pode representar uma demissão e uma desresponsabilização da sociedade na forma de ajudar os que sofrem”, escreveu na altura. E o argumentário do ex-PM não mudou: “Se é mesmo com o sofrimento humano que estamos preocupados, e não com outro tipo de agendas, então talvez seja altura para decidir investir na expansão da rede de cuidados paliativos, mesmo que isso implique escolhas alternativas em termos de despesa pública”.
Sem querer comentar a posição do PSD nesta matéria - Rui Rio é a favor da eutanásia e sempre defendeu a liberdade de voto no seu grupo parlamentar - Passos diverge do atual líder do partido, quer na questão de princípio, quer na metodologia para gerir a votação social-democrata no Parlamento. Na sua opinião, embora seja natural que os deputados se vejam nestas matérias confrontados com questões de consciência, “os partidos enquanto tal não se podem furtar à opinião”, escreveu o ex-PM há dois anos. E hoje não pensa diferente - estando em causa questões que mexem com a visão cultural e ética que se tem da sociedade, “se um partido se alheia de emitir opinião, então nega a sua razão de ser e coloca sobre os seus representantes uma responsabilidade desproporcionada”.
Rui Rio discorda. Em declarações sobre as votações agendadas para o próximo dia 20 no Parlamento, o líder social-democrata foi claro: “A posição histórica do PSD é de dar completa liberdade de voto e de opção às pessoas, não me interessa rigorosamente nada o que outro possa pensar sobre isso, tal como ao outro não interessa o que eu penso”, afirmou. Para esta quinta-feira está marcada uma reunião do grupo parlamentar do PSD precisamente para discutir o tema da eutanásia mas a liberdade de voto não deverá ser posta em causa. Para já, o que fontes da bancada admitem é a defesa de que os projetos baixem à comissão parlamentar sem serem votados o que, a confirmar-se, permitirá ganhar tempo antes da Assembleia da República avançar para decisões definitivas. Quanto ao referendo, Rui Rio sendo a favor da eutanásia não será um entusiasta da consulta popular, mas ainda não assumiu nenhuma posição do partido.
Cavaco: “Esta é a decisão mais grave que a AR pode tomar”
Outro ex-líder do PSD, ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República saltou esta quarta-feira em defesa de um referendo, considerando que se o Parlamento aprovar a eutanásia no dia 20 essa será “a decisão mais grave para o futuro da nossa sociedade que a AR pode tomar”. Numa declaração á Rádio Renascença, Cavaco considera que os portugueses devem ser consultados num referendo nacional antes de se avançar para uma decisão que, na sua opinião, será “abrir uma porta a abusos na questão da vida ou da morte de consequências assustadoras”.
“Os deputados não podem tratar com leviandade o bem mais precioso de cada indivíduo”, defende o ex-Presidente, que acrescenta: “Não procurem enganar os portugueses dizendo que é uma questão de consciência. É, sim, um retrocesso no nosso sistema de valores”. Cavaco Silva chega ao ponto de defender que os nomes dos deputados que votarem a favor devem ficar registados na memória dos portugueses.
O antigo Chefe de Estado recorda que a medida não foi aprovada em Maio de 2018 — embora omita que foi por cinco votos de diferença —, e considera que os partidos que a propuseram “foram derrotados há menos de dois anos” e “insistem agora em aprovar a despenalização da eutanásia, apenas três meses após o início da nova legislatura”. Na sua opinião, as prioridades políticas deviam ser outras: “Podiam dar prioridade ao combate à pobreza, ao desenvolvimento da rede de cuidados paliativos, ao combate à corrupção, a tirar Portugal da cauda da União Europeia em matéria de desenvolvimento. Mas não. Para esses partidos a prioridade é autorizar por lei que um médico possa matar outra pessoa”, afirmou.
Marcelo, “no último segundo”
O atual Presidente da República continua em silêncio. Marcelo Rebelo de Sousa partiu esta quarta-feira de viagem para a Índia e até agora não deixou transparecer o que tenciona fazer caso lhe chegue às mãos um diploma a legalizar a eutanásia. Apenas disse que a sua decisão será conhecida “no último segundo”, ou seja, Marcelo quer ganhar tempo e deixar correr o processo.
Católico convicto, o Presidente será sensível à posição da Igreja Católica que pede um referendo nacional e que se prepara para lançar uma campanha contra a eutanásia nas missas e homilias dominicais. Mas não é certo que o PR confunda as suas convicções pessoais com a sua decisão institucional. O parecer que estará para sair do Conselho Nacional de Ética para as Ciências de Vida sobre os projetos de lei que vão a discussão no Parlamento no dia 20 pode ser um fator de peso na decisão presidencial (Expresso, texto da jornalista Ângela Silva)

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