sábado, fevereiro 15, 2020

Eutanásia: a estranha pressa da Assembleia da República

Escrevi há dias que não tenho uma opinião formada e consistente sobre a Eutanásia. Significa isto que recuso radicalismos, manipulações, fundamentalismos, condicionalismos ou sequer a possibilidade de ficar refém seja do que for, incluindo de conceitos religiosos que sendo compreensíveis porque em coerência com os valores doutrinários, não podem querer substituir-se seja a quem for muito menos a impor apenas a sua vontade a todos, fazendo o que criticam aios defensores desta solução.
Escrevi também, e mantenho, que muito do que contribui para esta minha posição de reflexão continuada, tem a ver com o choque entre o direito à vida, que não contesto, e o sofrimento extremo, que caracteriza situações extremas em que chamar de "viver" a um simples devorar dramático e penoso de páginas diárias do calendário da vida é um insulto à nossa inteligência e consciência colectivas.
Admito e respeito, todas as opiniões, seja da opinião pública em geral, seja dos médicos e demais profissionais da saúde em particular.
Portanto nada disso muda. Não sei se temos o direito de impedir que uma pessoa em situação clínica extrema, a quem a vida transformou cada dia que passa num sofrimento para ele e para os seus familiares e amigos, possa decidir sobre o seu destino, furtando-se de um penoso arrastar no tempo, sofrendo mais e cada vez mais. Mas também penso nos que estão em situações extremas, que apenas vegetam - porque não admito que digam que alguém vive quando na realidade vegeta - que não conseguem ser eles próprios a poder decidir sobre o seu destino e penso na autoridade e legitimidade dos que podem eventualmente decidir por esses. É tudo muito difícil e penoso, sem dúvida.
Mas recuso, como na Holanda tem vindo a acontecer de forma lamentável e socialmente criminosa - apesar de eu não considerar a Holanda propriamente um exemplo de coisa nenhuma - a banalização do recurso à eutanásia, o que está a mergulhar o país num conflito entre a ética - se é que ela existe - a responsabilidade humana, e os argumentos clínicos subjacentes a esta realidade.
No caso de Portugal, e à boa maneira das ditaduras mais autoritárias e vergonhosas, a Assembleia da República, para uma certa masturbação mental de alguns iluminados que por lá andam, quer acelerar a discussão e a votação. Sem debate, sem uma discussão mais alargada, competente, clarificadora, construtiva e aberta a todas as ideias, opiniões e propostas, sem que o Povo conheça em pormenor todas as propostas que estão em cima da mesa. Acho vergonhoso que os deputados votem, com ou sem liberdade de voto, é insignificante, iniciativas legislativas desta natureza e impacto sem que as discutam com a  sociedade civil que os elegeu chamando as pessoas a perceberem, repito, o que realmente está em cima da mesa, os impactos que podem resultar e como o processo será gerido, caso a legislação seja promulgada.
Tenho tentado nos últimos dias acompanhar mais de perto o processo depois do "germânico" Rui Rio achar que nem se deve falar de referendo. Deve aparecer um dia destes a exigir referendo para as mer** políticas que o diverte e aos outros. Mas referendo sobre coisas sérias recusa logo. Os escroques da política - sem ofensa para ninguém - são isso mesmo, aproveitam-se dos tachos parlamentares para legislarem em nome do povo, quando não lhes dão cavaco de coisa nenhuma.
Lembro-me das altas problemáticas nos hospitais onde centenas ou milhares de idosos são "depositados" porque as famílias não querem ou não pode tê-los em casa, como era sua obrigação. Lembro-me dos idosos que em épocas de férias, são enviados para os hospitais a reboque de qualquer enfermidade na esperança de ali ficarem por um determinado período de tempo para que quem os devia acompanhar possa estar longe dali. Dói? Pois dói, mas é a verdade incontestável e todos já ouvimos falar disso.
Que fique claro, não estou nem a favor, nem contra a eutanásia ou a morte clinicamente assistida ou chamem-lhe o que entenderem. Já vi pessoas em sofrimento quase extremo, sofrendo, vi o desespero nalgumas por isso ou a resignação impotente  noutras. Vi pessoas para as quais olhava e constatava a sua destruição progressiva, sem que pudéssemos fazer nada, mas sem que isso obrigasse a uma qualquer situação mais extremada. Portanto, e é isso que quero dizer, cada caso é um caso, e cada caso deve ser analisado, discutido, ponderado de forma racional, humana e limpa, para que um acto mesmo que legalizado pela "ditadura" parlamentar, não possa depois provocar conflitos de consciência, abrir feridas que nunca mais saram, feridas da culpabilidade por uma opção da qual depois se arrependam.
Temo que o debate em torno deste tema esteja a ser manipulado, não entro nele porque não me considero competente para discutir questões clínicas mais técnicas e específicas que o rodeiam. Mas sei há uns gajos que o fazem, falam do que não sabem nem são competentes para o abordar e tentam circunscrever o assunto a uma mera opção política ou decisão parlamentar. Não vou por esse caminho.
O que defendo, e apoiarei todas as iniciativas nesse sentido, é que a Assembleia da República não tenha a estranha pressa que parece ter, impondo aos portugueses leis ou soluções que nas campanhas eleitorais nunca discutiram, nunca debateram. Passamos a última campanha eleitoral a ouvir falar de défices,de pensões, de função pública, de salários, e não sei que mais.
Alguém ouviu falar e sem ser sequer em pormenor, de eutanásia? O referendo seria a solução mais fácil porque daria azo a uma campanha eleitoral preenchida por este tema. Mas a verdade é que não creio que a eutanásia seja um tema que convide a uma campanha eleitoral (ou de esclarecimento) demasiado prolongada. Acho que abrir o debate publico durante alguns meses, poderia ser uma boa solução. A Assembleia da República iniciou funções em final do ano passado se não aprovar esta matéria nesta primeira sessão legislativa o que impede que o faça na seguinte. E que mal advirá disso? A Rio recomendo juízo, e não pense que a palhaçada do congresso e uma eleição em directas que dividiu o partido lhe dá legitimidade para falar em nome do universo social-democrata. Nem se atreva a isso (LFM)

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