O bloqueio das passagens fronteiriças oficiais entre a Venezuela e a Colômbia amplia o recurso a percursos ilegais entre os dois países, apesar do custo dos subornos e dos perigos de ser atingido a tiro. Pacotes de papel higiénico, fraldas, roupas e alimentos são carregados por jovens em tronco nu que se equilibram nas pedras que formam uma ponte natural no rio Táchira, entre Cúcuta, Colômbia, e San Cristóbal, Venezuela. São os “trocheros”, venezuelanos que cobram 25.000 pesos colombianos (cerca de 7 euros) para ajudar compatriotas na perigosa travessia, chamada “trocha”.
Não que o rio ofereça algum perigo, mas os chamados “coletivos” — grupos de civis armados como brigadas pelo governo venezuelano — patrulham a fronteira, extorquindo aqueles que desejam entrar no país com as suas compras e ameaçando disparar sobre qualquer incauto que passe para o outro lado. “Está a ver aquelas árvores e o mato? Eles estão constantemente por ali, e se você atravessa para a metade de lá do rio disparam contra si — e na Colômbia ninguém irá responsabilizar-se”, diz o ‘trochero’ Yoneis Ramirez, de 20 anos.
Como outras cidades fronteiriças com a Venezuela, Cúcuta, no nordeste da Colômbia, desenvolveu-se muito nos últimos cinco anos, amparada na crise económica vivida no país vizinho. Milhares de venezuelanos viajam até 20 horas para comprar produtos básicos como farinha, açúcar, carne, produtos de higiene, até mesmo pneus. “Nós juntamos algum dinheiro e viajamos 17 horas de camioneta de Ciudad Bolivar, no leste da Venezuela, até aqui”, conta o engenheiro civil Alonso Correa, de 41 anos. Durante a viagem, fica hospedado com a mulher em San Antonio del Táchira. “Vamos comprando e atravessando, até juntar tudo e voltar para casa”, diz.
Na noite desta segunda-feira, Correa deixava San Antonio em direção a Valência quando, diz, em três barragens rodoviárias da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) os seus membros aproveitavam para tirar o que podiam aos viajantes carregados de mercadorias. “Se você compra três pacotes de fraldas, deixam-lhe apenas um. E na farinha e no açúcar ficam com tudo se levar mais de 6 kg”, reclama. A sua família faz a mesma rota de dois em dois meses para fazer compras. Todos os dias, milhares de pessoas recorrem a carreiros para passar a fronteira com compras de bens comuns que, com a fronteira aberta, não exigiriam uma caminhada tão longa.
A 50 km da fronteira, aos pés das montanhas do Parque Nacional General Juan Pablo Peñaloza, está San Cristobal. Aí vive Camilo Quintero, 37 anos, com a mulher, Yanis, e o filho. Os três “fizeram a trocha” pela primeira vez esta segunda-feira. “Fazemos compras aqui na Colômbia duas vezes por semana, mas passamos sempre pela ponte; agora que ela está fechada, somos forçados a passar por aqui”, diz.
Após a travessia, Quintero contou, por telefone, que milicianos exigiram 5.000 pesos colombianos (€1,50) de cada um dos membros da família para os deixar seguir. “Cobraram-nos apenas isso porque era o que tínhamos, mas de outros exigiram 10 ou 20 mil pesos”, diz Camilo Quintero, mecânico de automóveis. Mesmo com todos os subornos que têm de pagar a ‘trocheros’ e ‘coletivos’, a travessia ainda compensa, já que com o salário não poderiam comprar nem um décimo do adquirido na Colômbia, garante.
UM COMPRA A UM, QUE PAGA A OUTRO, QUE SUBORNA OUTRO...
As ‘trochas’ já existiam antes do fecho da fronteira, na sexta-feira. Usadas para o transporte de mercadorias proibidas — metais preciosos, dólares, etc. — eram ponto de passagem de venezuelanos, conta o vendedor ambulante Richard Suarez, que vende sumo e empanadas no lado colombiano. “Há já vários anos que até aproximadamente 10 km da fronteira o peso colombiano é mais utilizado que o bolívar, já que quando há bolívar ele não serve para comprar nada”, afirma. Sob sol forte, famílias sofrem com a caminhada e correm o risco de ataque de milicianos
Se hoje, com a via oficial - através da ponte - fechada, mais de 40.000 pessoas têm transitado por ali todos os dias desde sexta-feira, antes o transito era reservado a negócios mais informais. Como o de sucata. Calhas, placas de metal, chapas de zinco, tambores de aço. Vale qualquer coisa que possa ser transportada às costas para revender em Cúcuta num dos muitos ferro-velhos que há na região da cidade de La Parada — logo após a ponte Símon Bolívar.
“Esse dinheiro movimenta toda esta parte da Venezuela. A região da fronteira está difícil, mas para o interior a coisa é muito mais grave. Há gente a morrer nos hospitais por simplesmente não haver medicamentos básicos. Pelo menos isso conseguimo-lo por aqui”, conta o engenheiro civil Correa.
Na Colômbia também há quem viva do transporte ilegal. “Eu não conseguia emprego por aqui, por isso há cinco meses comecei a transportar as pessoas. Foi a maneira que encontrei de conseguir alimentar os meus filhos, a minha mulher e a minha mãe, que ficaram na Venezuela. É uma cadeia: um compra a um, que paga a outro, que suborna outro — e assim flui dinheiro para um país que hoje não produz nada”, comenta Ramirez logo após ajudar, de graça, duas mulheres com dificuldade em equilibrar-se com os bebés no colo (Expresso)
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