O Bloco de Esquerda é cada vez mais o partido da auto-ajuda. Catarina
Martins já nos tinha avisado que preferia ser operada por um cirurgião que
tivesse sido “feliz na escola” do que por um cirurgião que tivesse sido
“testado na escola”, num texto a que chamou “6 razões para acabar de vez com os
exames do básico”. Agora fez uma intervenção a que poderia ter chamado “6
razões para acabar de vez com o batalhão de Comandos”. Se alguém lhe
perguntasse se preferia ser defendida por um soldado que tivesse sido “feliz na
tropa” ou por um soldado que tivesse sido “testado na tropa”, estou certo que
Catarina escolheria o soldado feliz, porque está convencida de que a mais nobre
função das metralhadoras é servirem de jarras para cravos.
Para Catarina Martins, “reconhecer a tragédia exige extinguir o batalhão
de Comandos”. O raciocínio lógico é tentador: significa isso que devo advogar a
extinção do Bloco de Esquerda por reconhecer a frequente tragédia das suas
intervenções? Talvez não. Tal como reconhecemos a tragédia de Entre-os-Rios sem
exigir a extinção das pontes ou a tragédia do 11 de Setembro sem exigir a
extinção de aviões e arranha-céus, a única coisa que devemos exigir aos
Comandos é que, sem diminuírem o grau de exigência da instrução, não voltem a
empurrar para o hospital 11 militares de uma só vez, dois dos quais acabaram
mortos, na sequência de um exercício realizado a temperaturas proibitivas.
Não há nada de original neste pedido. É um tema transversal a todos os
países que têm unidades de elite. Numa notícia de Maio deste ano, na sequência
da morte por afagamento de um militar (considerada homicídio devido à actuação
de um dos instrutores), o USA Today noticiava que desde 2013 morreram mais Navy
Seals a treinar do que em combate. Só nos primeiros quatro meses de 2015 havia
registo de quatro mortos, ainda que nem todos resultassem directamente da
instrução – há quem se mate por falhar a entrada nos Seals, uma atitude com
certeza incompreensível para a advogada da felicidade universal. Afinal, a
segunda razão de Catarina Martins para acabar de vez com os exames do básico
era esta: “sofrer não faz bem”. Poderíamos tentar explicar-lhe que sofrer não é
um fim em si, a não ser para sádicos ou masoquistas – é um meio para se
alcançar qualquer coisa que se considera mais elevado, seja entrar para uma unidade
de elite, ir aos Jogos Olímpicos ou ser um estudante de excelência. Poderíamos
tentar, mas não vale a pena: no mundo colorido do partido da auto-ajuda, a
palavra “sacrifício” está proscrita.
Só que Catarina Martins não se limitou a
advogar a extinção dos Comandos. Argumentou que já existem “várias forças
especiais que têm actuado fora de Portugal em missão de paz” e que “os Comandos
não fazem esse tipo de missões”. Ora, não sendo eu especialista em assuntos
militares, lembro-me de ter visto Comandos destacados no Iraque e integrando a
ISAF, no Afeganistão. Lembro-me de ter lido a notícia da morte do
primeiro-sargento dos Comandos Roma Pereira, em 2005, na sequência de um
rebentamento de um engenho explosivo nos arredores de Cabul. E lembro-me que
entre as missões dos Comandos estão operações humanitárias e de apoio à paz,
“com prioridade para as operações de evacuação de não combatentes”. Serão estes
objectivos pouco meritórios ou desnecessários? A história de uma tropa de elite
não se põe em causa só porque dois militares morreram. O mundo está perigoso em
todo o lado. Menos, claro, na cabeça de Catarina Martins (texto de JOÃO MIGUELTAVARES, Público)
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