O projecto é ambicioso e pretende, até 2020,
ultrapassar todas as metas dos acordos internacionais. Porto Santo quer ser um
"laboratório"para novas tecnologias ligadas às energias renováveis.
Investimento em mobilidade eléctrica e reforço nas energias “limpas” são a receita. nÉ preciso começar por algum lado, e o Governo
madeirense quer que o início de um futuro mais sustentável no arquipélago nasça
no Porto Santo. A autarquia local, liderada pelo socialista Filipe Menezes de
Oliveira, acolhe a ideia de braços abertos, e o investigador da Universidade de
Aveiro, João Batista, com diversos trabalhos aplicados na ilha, coloca algumas
interrogações. O Smart Fossil Free Island, um projecto do
executivo madeirense que replica outros que estão a ser introduzidos em vários
países, incluindo Portugal, na ilha Graciosa, nos Açores, tem como objectivo
último tornar aquele território livre de energias não renováveis e optimizar os
recursos naturais existentes. Pelo caminho, pretende rentabilizar esta “aposta
verde” em termos turísticos.
O desafio, para já, passa por ir mais além das
metas da estratégia europeia 20-20-20, que estabelecem uma redução de 20% das
emissões de gases com efeito de estufa, colocam a fasquia de 20% de energias
renováveis e apontam para um aumento, nesse mesmo valor, da eficiência
energética. O ponto de partida foi 1990 e a meta é 2020, mas no Porto Santo a
corrida é mais curta.
A referência, para a redução de CO2 é 2010, e o
objectivo são 30%, que o Funchal quer que seja superior a 80% em 2050. Como? O
secretário regional da Economia, Turismo e Cultura, Eduardo Jesus, responde ao
PÚBLICO. “O Porto Santo reúne todas as condições para assumir-se como um
laboratório real para o desenvolvimento e demonstração de novas tecnologias.”
A ilha, com uma área um pouco superior aos 40
quilómetros quadrados e uma população inferior a cinco mil habitantes, é, ao
contrário da Madeira, essencialmente plana. Por isso, sem as limitações da
orografia madeirense, a aposta passa logo pela introdução de veículos
eléctricos.
Veículos eléctricos
A ilha, com uma área um pouco superior aos 40
quilómetros quadrados e uma população inferior a cinco mil habitantes, é, ao
contrário da Madeira, essencialmente plana. Por isso, sem as limitações da
orografia madeirense, a aposta passa logo pela introdução de veículos
eléctricos. Primeiro, e porque neste campo, o exemplo é muito importante, na
administração local e transportes públicos colectivos, depois nos táxis e
veículos de aluguer. Paralelamente, o executivo regional pretende
reforçar a rede de abastecimento de veículos eléctricos — neste momento apenas
existe um — e prolongar a ciclovia, que já atravessa mais de metade da costa
Sul da ilha, incentivando a utilização da bicicleta, já bastante popular no
Porto Santo. Em termos de financiamento, explica Eduardo
Jesus, o Funchal conta com apoios financeiros de vários projectos operacionais,
como PO-Madeira e PO-SEUR, sistemas de incentivos à economia e, claro, fundos
comunitários.
São exactamente estes custos que preocupam Filipe
Menezes de Oliveira. “A nossa frota automóvel precisa de ser renovada, mas o
dinheiro não estica e têm existido outras prioridades”, admite ao PÚBLICO,
lembrando que o investimento em viaturas eléctricas ou híbridas é elevado, e
chega a ser proibitivo para a maioria das famílias. Mesmo assim, Menezes de
Oliveira “acredita” no projecto. “Fui o primeiro a falar de uma smart island”,
garante, acrescentando que a autarquia tem vindo a trabalhar para melhorar a
mobilidade da ilha. “Queremos reorganizar o trânsito e descentralizar os
serviços, para que a população não tinha que recorrer tanto aos automóveis.”
Mas, mesmo com veículos eléctricos a circular, é
preciso intervir a montante para que essa energia que carrega as baterias de
automóveis, bicicletas ou ciclomotores e que alimenta as lâmpadas LED que a
autarquia quer instalar não seja produzida por combustíveis fósseis.
É aqui que o Governo de Miguel Albuquerque quer
também intervir. É também aqui que o Porto Santo, pela exposição solar que tem
e pelo vento que sopra todo o ano, pode assumir-se como aquele “laboratório” de
que Eduardo Jesus fala.
Sistema inteligente
A ilha tem já um histórico de aproveitamento
eficiente dos recursos. Praticamente sem água potável — a precipitação é
residual e não possui cursos de água permanentes —, o que corre nas torneiras
vem do mar, depois de passar numa dessalinizadora. A ideia é fazer o mesmo com
a energia. Aproveitando a luz solar e a força eólica, o projecto contempla a
implementação de um sistema eléctrico inteligente, mais racional, ao mesmo
tempo que coloca no terreno soluções tecnológicas que potenciem a utilização de
energias renováveis. Um dos passos, passa pela instalação de baterias
que acumulem a energia nos períodos de menor consumo, como nos meses do
Inverno, para depois ir para a rede nas épocas maior necessidade. No Verão, por
exemplo, os nove quilómetros de praia do Porto Santo, atraem milhares de
turistas. Em Agosto, a população chega a quadruplicar para 20 mil pessoas. A ilha tem já um histórico de aproveitamento
eficiente dos recursos. Praticamente sem água potável — a precipitação é
residual e não possui cursos de água permanentes —, o que corre nas torneiras
vem do mar, depois de passar numa dessalinizadora. A ideia é fazer o mesmo com
a energia.
Esta não é também a primeira tentativa do Porto
Santo para reduzir a dependência do petróleo. Em 2008, ainda com Alberto João
Jardim à frente do Executivo, foram investidos mais de 20 milhões de euros no
projecto para a produção de biocombustível a partir de algas marinhas. A meta era
2016, mas a dependência não só continua, como a ilha apresenta piores
indicadores ambientais do que a Madeira. As energias renováveis têm um peso de
15% no total produzido, contra 30% na Madeira, e a emissão de dióxido de
carbono era em 2009 também mais elevada: 6,9 toneladas por habitante, quando na
ilha vizinha era de 3,9. É por isso que João Batista tem algumas
reticências sobre esta segunda investida ambiental. “Era importante quantificar
o que foi feito. As metas que foram propostas, e o que foi realmente
conseguido”, nota o investigador.
"Destino turístico sustentável"
Batista, que lidera uma equipa que tem actuado no
Porto Santo, “acredita” no projecto. Diz que tudo o que signifique reduzir as
emissões de carbono é bem-vindo, mas defende que primeiro é preciso intervir
nas coisas mais simples. A praia, exemplifica, apresenta várias lacunas no
apoio aos banhistas, o que coloca em causa a qualidade higiénica-sanitária do
areal. “Não basta investigar ou projectar. É preciso aplicar no terreno.”
Mas essas dúvidas não demovem Eduardo Jesus.
Principalmente, argumenta, porque o Smart Fossil Free Island não se esgota nas
questões ambientais. Vai contribuir para a “criação de valor acrescentado” e
para a redução dos custos associados para todos: famílias, empresas e
administração pública local.
“Transversalmente, reforça-se, também por esta
via, a fundamental valorização e crescente afirmação do Porto Santo, como
destino turístico sustentável”, acrescenta.
A face mais visível desta espécie de “refundação”
de uma ilha cuja frágil economia sofre da sazonalidade turística, é a
comercialização desta nova identidade junto dos mercados externos. Para isso, é
necessário também olhar para a identidade histórica e cultural do Porto Santo.
Eduardo Jesus fala em “reposicionar” a ilha. “Um novo rumo que atenda a
questões que são mais imateriais, que passam pela qualidade de vida e por uma
melhor gestão dos recursos existentes, a favor de um futuro melhor”, adianta,
apontando para a exploração de novas áreas de negócio, com baixa pegada
ecológica, como a agricultura biológica e o empreendedorismo associado a
produtos tradicionais e a elementos culturais. O que está em causa, sublinha, é
a sustentabilidade daquele território. A todos os níveis (texto do correspondentedo Público no Funchal, MÁRCIO BERENGUER)
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