Parece que Passos
Coelho se esqueceu, tal como a maior parte do parlamento, de quem ganhou as
eleições de 4 de outubro. O único que aparenta recordar-se é Costa, que ainda o
trata por primeiro-ministro.
Guardo com carinho
a memória do dia em que um investigador liberal se virou para mim em plena
igreja e disse: “A única coisa que nos une a todos é o mercado.” Eu sorri de
volta; pelo menos, encontrava-me no sítio certo para pedir perdão.
A maior parte dos
académicos mais liberais olha para os anos de governação de Pedro Passos Coelho
com ceticismo. As reformas foram poucas, queixam-se. Como escrevia João Miguel
Tavares, foi um governo que perdeu a grande chance para o português abandonar a
mentalidade do Estado-papá. São capazes de ter razão.
Passos Coelho não
se livra do rótulo de paradoxo andante. É, muito provavelmente, o líder menos
social-democrata que o Partido Social Democrata já teve.
É preciso coragem para se ser político e liberal num país em que a Constituição ainda faz tangente ao socialismo, com uma carga programática de tal modo evidente que se reflete na nomenclatura partidária: os de centro dizem-se de esquerda e os de direita dizem-se de centro.
Mas se Passos
tinha de (1) parecer social-democrata, (2) ser liberal, (3) cumprir com o
Tribunal Constitucional e (4) fazer o que a troika mandava, sobrou exatamente o
quê?
Não deixa de ser
irónico que o primeiro-ministro mais liberal da nossa história (dizem) seja
aquele que encabeçou o maior aumento de impostos dessa mesma história. Por isto
é que me desmanchei a rir quando a oposição e meia dúzia de analistas
associaram o executivo passista ao Tea Party norte-americano.
Em que terra é que
Rand Paul compactuaria com tanta taxação ao contribuinte? E em que terra é que
um libertário criaria um Ministério da Igualdade e faria juras de amor ao
Estado social? Na terra do nunca em que ele é Pedro Pan. Mas, sem hesitar, fez
isto mesmo. Prestou homenagem ao valor ideológico do adversário.
Para a
recandidatura à presidência do partido escolheu como slogan “Social-democracia,
sempre!” em mais uma ave-maria às ironias. Cavaco, Sócrates, António Costa,
Pacheco Pereira e Sá Carneiro fizeram discursos pela social-democracia. Nenhum
deles foi de direita.
Parece que Passos
Coelho se esqueceu, tal como a maior parte do parlamento, de quem ganhou as
eleições de 4 de outubro. O único que aparenta recordar-se é Costa, que ainda o
trata por primeiro-ministro.
A vitória da
coligação de direita trouxe um novo paradigma à nossa sociedade política. Se
Passos continuar a vestir a pele de centro/centro-esquerda – que era a mesma do
seu adversário –, as pragas neoliberais vão colar e perderá eleitorado. Quem
vota com medo dos desastres socialistas não chega para lhe dar uma maioria
absoluta; precisa de conquistar um eleitorado seu. Não pode deixar que a única
diferença que o separe da esquerda seja a face de cumpridor. Na comissão de
Finanças, uma deputada do PSD pediu que se refreassem de proferir palavras como
mentira ou direita; alguém só ouviu a segunda parte.
Em público,
responder-me-ia que “a liberdade do empreendedor e a igualdade de oportunidades
entre cidadãos é da matriz social-democrata” e ao ouvido, minutos depois:
“Sabe, companheiro, julgo que uma visão progressista do liberalismo se trate da
evolução natural da social-democracia, tendo em conta as possibilidades da
economia portuguesa e a nossa dimensão na Europa.” E eu perguntaria: “Mas
porque não pensou nisso antes, sotor?”, para ele se escapar com “foi o
memorando e a bancarrota que o PS nos deixou”.
Não tem a
capacidade de reinvenção de Portas (e até essa teve limites) ou a capacidade de
transfiguração de Marcelo. Agora é tarde para voltar atrás.
Durante o seu
mandato não foi eurocético nem federalista. Para ser um deles, era preciso
existir na União Europeia. E para ganhar as próximas legislativas será preciso
existir em Portugal; não gerir uma campanha de silêncios.
A pergunta é:
existirá Passos Coelho? (Jornal I, opinião de Sebastião R. Bugalho, com a devida vénia)
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