sábado, janeiro 09, 2016

Presidenciais? Sim? Onde, com quem?!

O país está em campanha eleitoral para a presidência da República. Não fossem os debates televisivos, que pouco ou nada adiantam, e os cartazes de alguns dos candidatos e ninguém daria por isso. O alheamento dos principais partidos - PSD e PS - deste processo eleitoral, a contenção de despesas pela maioria dos candidatos, a ideia de que Marcelo Rebelo de Sousa (pessoalmente continuo a ter imensas dúvidas sobre se reúne condições pessoais e políticas para o exercício da função presidencial, quando é conhecido nos corredores do poder como uma fábrica factos políticos que lhe interessam, mas também que fomenta a intriga, a especulação e joga a seu favor com as relações que possui na comunicação social) já ganhou eleições mesmo antes delas se terem realizado, tudo isso conjugado, sem esquecer o desprestígio da instituição presidência da República, são realidades que afastam as pessoas das urnas. Temo que depois do recorde de abstenções em 2011 se possa obter este ano um valor ainda mais superior.

Continuo a pensar que Cavaco Silva deu cabo das eleições presidenciais. Não só porque foi um mau Presidente, nunca teve perfil para o cargo - como afirmou ontem Ângelo Correia na entrevista ao Jornal I - mas porque foram tantas as aneiradas que acaba por sair de Belém como o Presidente com mais baixo índice de popularidade.
Mas sei que muitas pessoas temem - e porventura com razões fortes para isso - as diatribes de Marcelo instaladas em Belém, os riscos da sua personalidade hiperactiva, as contradições denunciadas durante os debates televisivos, a colagem excessiva ao governo anterior de Passos e do  CDS de Portas, a colagem por essa via à austeridade e à ladroagem por via dos impostos, as hesitações, a habilidade de apaparicar os seus opositores para depois tratar deles conforme os debates evoluíssem, favorável ou desfavoravelmente.
Um Presidente com este perfil de Cavaco acaba por ser uma espécie de coveiro do próprio cargo. O futuro Presidente, seja ele quem for - e garanto que tal como aconteceu com as duas anteriores com Cavaco, não votarei nestas eleições - tem como principal missão, mais do que perder tempo com as asneiradas ditas nos debates e nesta espécie de campanha, de recuperar a dignidade e o prestígio da função presidencial.
Acresce que Marcelo Rebelo de Sousa é uma espécie de bóia de salvação para uma direita ferida no seu orgulho - apesar de ser do PSD recuso ser catalogado como alguém que é de direita, já que continuo a separar claramente, por muito que outros tentem desvalorizar os aspectos ideológicos, a direita, o centro e a esquerda - que tímida e envergonhadamente o apoiou na esperança, pelos vistos já desvanecida, de que depois de chegar a Belém a primeira coisa que faria seria destituir a Assembleia da República e convocar novas eleições legislativas, sem que existem razões políticas concretas para isso.
A esquerda divide-se entre umas personagens, umas mais absurdas que outras, onde se destacam Sampaio da Novoa, um professor universitário, antigo reitor em Lisboa e que pretende protagonizar o milagre de na política chegar de soldada raso a general sem passar pelos partidos e sem ter qualquer actividade política mínima. Tal como não se conhecem posições públicas sobre qualquer assunto mais prementes da sociedade portuguesa Bom proveito lhe faça. Tem a liberdade de pensar assim, tem a liberdade de alimentar essa ambição pessoal. Resta saber o que lhe dirá o país real, que não o conhece de lado nenhum e que não acredita em "salvadores" feitos a martelo e à pressão, graças às habilidades e movimentações de lobbys políticos perfeitamente identificados.
Neste quadro, com um país ainda dividido entre direita e esquerda - que não se sabe bem como funciona nem quanto tempo vai durar, dados os frequentes sinais de divergências que, por enquanto, não superaram o objectivo maior da esquerda, o de impedir a dissolução do parlamento e o recurso a eleições antecipadas que poderiam ser penalizadoras, quer para a direita - PSD e CDS - ultrapassada pelas medidas do governo do PS e fragilizada pela sucessão de aldrabices imputáveis ao anterior governo (devolução da sobretaxa do IRS, casos ex-BES e Banif, gasto da almofada financeira construída com dinheiro roubado por via da carga fiscal) ou para os sectores da esquerda mais radicais - Bloco e PCP em benefício dos socialistas e de Costa. Os portugueses confrontam-se com uma espécie de corrida presidencial, relativamente à qual estão cada vez mais colocados à margem.
Finalmente, nada melhor do que recordar números que atestam isso mesmo, a questionável representatividade dos mais recentes presidentes eleitos, o que nada tem a ver, obviamente, com a sua legitimidade democrática:
  • Quadro resumo das eleições presidenciais de 27 Junho de 1976 (mesmo dia da realização das primeiras eleições regionais na Madeira e nos Açores):

- Inscritos - 6.467.480 eleitores
- Votantes - 4.881.125, 83%
- Brancos - 20.253, 0,45%
- Nulos, 43.242, 0,97%
- Ramalho Eanes, 2.967.137 votos, 61,6%
- Pinheiro de Azevedo, 692.147, 14,4%
- Octávio Pato, 365.586, 7,6%
- Otelo Saraiva de Carvalho, 792.760, 16,5%
  • Quadro resumo das eleições presidenciais de 7 de Dezembro de 1980:

- Inscritos - 6.920.869 eleitores
- Votantes - 5.840.332, 92,8%
- Brancos - 16.076, 0,3%
- Nulos, 44.014, 0,82%
- Ramalho Eanes, 3.262.520 votos, 56,4%
- Pires Veloso, 45.132, 0,8%
- Soares Carneiro, 2.325.481, 40,2%
- Galvão de Melo, 48.468, 0,8%
- Otelo Saraiva de Carvalho, 85.896, 1,5%
- Aires Rodrigues, 12.745, 0,2%
  • Quadro resumo das eleições presidenciais de 26 de Janeiro de 1986, 1ª volta:

- Inscritos - 7.617.257 eleitores
- Votantes - 5742.151, 82,9%
- Brancos - 17.709, 0,3%
- Nulos, 46.334, 0,9%
- Lurdes Pintassilgo, 418.961 votos, 7,4%%
- Salgado Zenha, 1.185.867, 20,9%%
- Freitas do Amaral, 2.629.597, 46,3%
- Mário Soares, 1.443.683, 25,4%
  • Quadro resumo das eleições presidenciais de 16 de Fevereiro de 1986, 2ª volta:

- Inscritos - 7.612.733 eleitores
- Votantes - 5.937.100, 78%
- Brancos - 20.436, 0,34%
- Nulos, 33.844, 0,57%
- Freitas do Amaral, 2.872.064 votos, 48,8%
- Mário Soares, 3.010.756, 51,2%
  • Quadro resumo das eleições presidenciais de 13 de Janeiro de 1991:

- Inscritos, 8.202.812 eleitores
- Votantes, 5.098.768, 62,2%
- Brancos, 112.877, 2,2%
- Nulos, 68.037, 1,3%
- Basílio  Horta, 696.379 votos, 14,2%
- Mário Soares, 3.459.521, 70,4%
- Carlos Carvalhas (PCP),  635.373, 12,9%
- Carlos Marques (UDP), 126.581, 2,6%
  • Quadro resumo das eleições presidenciais de 14 de Janeiro de 1996:

- Inscritos, 8.693.636 eleitores
- Votantes, 5.762.978, 66,3%
- Brancos, 63.463, 1,1%
- Nulos, 69.328, 1,2%
- Cavaco Silva, 2.595.131 votos, 46,1%
- Jorge Sampaio, 3.035.056, 53,9%
  • Quadro resumo das presidenciais de 14 de Janeiro de 2001:

- Inscritos, 8.950.905 eleitores
- Votantes, 4.449.800, 49,7%
- Brancos, 82.391, 2,2%
- Nulos, 45.510, 1,3%
- Jorge Sampaio (PS), 2.411.453, 55.76%
- Ferreira do Amaral (PSD,CDS), 1.493.858, 34.54%
- António Abreu (PCP), 221.971, 5.13%
- Fernando Rosas (Bloco), 128.927, 2.98%
- Garcia Pereira (MRPP), 68.577, 1.59%
  • Quadro resumo das presidenciais de 22 de Janeiro de 2006:

- Inscritos, 9.085.339 eleitores
- Votantes, 5.590.132, 61,6%
- Brancos, 59.636, 1,06%
- Nulos, 43.149, 0,77%
- Cavaco Silva, 2.773.431 votos, 50,5%
- Manuel Alegre, 1.138.297, 20,7%
- Mário Soares, 785.355, 14,3%
- Jerónimo Sousa (PCP), 474.083, 8,64%
- Francisco Louça (Bloco), 292.198, 5,32%
- Garcia Pereira (MRPP), 23.983, 0,44%
  • Quadro resumo das presidenciais de 8 de Fevereiro de 2011:

- Inscritos, 9.543.550 eleitores
- Votantes, 4.431.849, 46,4%
- Brancos, 189.893, 4,3%
- Nulos, 84.413, 1,9%
- Cavaco Silva, 2.209.227 votos, 53,1%
- Manuel Alegre, 817.980, 19,7%
- Fernando Nobre, 583.582, 14%
- Francisco Lopes (PCP), 293.143, 7,1%
- José Manuel Coelho, 187.836, 4,5%
- Defensor Moura, 65.775, 1,6%
  • Níveis de participação eleitoral nas eleições presidenciais:

1976, 4.881.125 eleitores, 75,4%
1980, 5.840.332, 84,3%
1986 - 1ªvolta, 5.742.151, 82,9%
1986 - 2ªvolta, 5.937.100, 78%
1991, 5.098.768, 62,2%
1996, 5.762.978, 66,3%
2001, 4.449.800, 49,7%
2006, 5.590.132, 61,6%
2011, 4.431.849 eleitores, 46,4%
  • Abstenção nas eleições presidenciais:

1976, 24,6%
1980, 15,6%
1986 - 1ªvolta, 24,6%
1986 - 2ªvolta, 22%
1991, 37,8%
1996, 33,7%
2001, 50,3%
2006, 38,4%
2011, 53,6%
Finalmente recordo que ainda ontem foi publicada uma sondagens no Expresso e na SIC, segundo a qual "os políticos em Portugal não são propriamente amados hoje em dia. Mas há aqueles políticos para quem os portugueses reservam no seu coração um desagrado e antipatia particulares. Cavaco Silva, Presidente da República há dez anos e credor de quatro maiorias absolutas em Portugal (duas para primeiro-ministro duas para chefe do Estado) encontra-se hoje neste campo. No início de 2016, volta a cair no índice de popularidade, estando com 12,9 pontos negativos, e é de longe o mais impopular de todos os que constam deste ranking".
Ou seja, no último mês em que ainda é Presidente da República, Cavaco regista o mais baixo valor de popularidade de que há memória. Em dez anos, nunca tinha chegado tão baixo. O que em certa medida corrobora o que referi no início deste texto, a constatação de que foi o próprio Cavaco a dar cabo da eleição presidencial e a obrigar o seu sucessor a ter que restaurar a importância da presidência da República e a credibilidade do seu titular (LFM)

Sem comentários: