"Este
fim-de-semana, o primeiro-ministro chamou-me “preguiçoso” e “patético”. Parece
que eu, e outros como eu, comentadores e jornalistas que se dizem
“independentes”, andámos por aí a proferir “inverdades como punhos”, só para
nos armarmos em “Maria vai com as outras” e assentarmos abundante traulitada
nas fustigadas cruzes do Governo. A terrível “inverdade” de que somos acusados
é esta: dizer que a despesa pública não caiu desde 2011 e que todos os
sacrifícios foram inúteis.
Ironizou
o primeiro-ministro: “É oficial, se ouvirmos as televisões, lermos os jornais,
os cortes não existiram, os sacrifícios e a austeridade não existiram, os
portugueses estão equivocados, estamos como estávamos em 2011.” Eu diria que
Pedro Passos Coelho, para além de se estar a preparar para engrossar o vasto
pelotão das vítimas da comunicação social, está a fazer uma extrapolação entre
o preguiçoso e o patético daquilo que tem sido escrito. “Todos os comentadores
e jornalistas podem olhar para os números e saber o que eles dizem”, afirmou o
primeiro-ministro. Pois podem – e é esse exercício que proponho que façamos aqui hoje, para não
sermos acusados de calacice e bandarreio.
A despesa pública
diminuiu entre 2011 e 2014? Diminuiu. Contudo, convém ver de que tipo de
despesa estamos a falar. Segundo os números da Ameco, já com extrapolação
(possivelmente generosa) para o ano em curso, essa redução é de cerca de 4,8
mil milhões de euros (de 84,4 mil milhões, em 2011, para 79,6 mil milhões, em
2014), o que, em percentagem do PIB, dá 2,2 pontos percentuais. Mas a que se
deve a parte de leão desse corte? Reorganização de serviços? Redução de
funcionários? Dieta de custos intermédios? Não: corresponde a uma diminuição
gigantesca no investimento público, que passou de 6,8 mil milhões em 2011 (4%
do PIB) para 3,5 mil milhões em 2014 (2,1% do PIB). Ou seja, se aos 2,2 pontos
percentuais de cortes na despesa retirarmos estes 1,9 de investimento,
sobra-nos uns magríssimos 0,3 pontos percentuais de corte efectivo de despesa
na estrutura do Estado.
Ora, se o ajustamento
pelo lado da despesa foi feito praticamente à custa da diminuição do
investimento, o que isso significa é que nada de realmente estruturante mudou
quanto ao peso do Estado na economia nacional. Quando aparecer por aí um novo
socialista a querer animar a economia à custa de comboios, estradas e
aeroportos, voltamos à cepa torta num piscar de olhos, porque o Governo PSD/CDS-PP
se limitou a fechar a torneira, e alguma poupança que efectivamente conseguiu,
em sectores fundamentais como a Saúde ou a Educação, acabou por ser engolida
pelas exigências crescentes da Segurança Social.
O problema da “inverdade”
de Passos Coelho é que não há contradição nenhuma entre a despesa cair e o
sacrifício de essa queda poder ser, em boa parte, inútil – tal como uma dieta
pode, em vez de abater barriga, cortar na massa muscular. Perde-se peso? Sim.
Mas no sítio errado. É por isso que Pedro Passos Coelho está neste momento a
apanhar pancada de todos os lados. Um keynesiano lamenta os cortes no
investimento. Um liberal lamenta que só tenha havido cortes no investimento.
Tanto um como o outro acabam, inevitavelmente, por fazer um péssimo balanço destes
três anos de austeridade. O primeiro-ministro não será patético, e muito menos
preguiçoso, mas é líder de um governo que foi incapaz de fazer aquilo de que o
país mais necessitava. E esta verdade vai acertar-lhe como um punho nas
eleições de 2015" (texto de JOÃO
MIGUEL TAVARES, Público, com a devida vénia)