segunda-feira, novembro 24, 2014

Sócrates: as minhas dúvidas sobre o caso

José Sócrates politicamente foi sempre para mim encarado como um adversário, não um inimigo como é evidente. Tudo o que escrevi sobre o seu "reinado" de seis anos de governação, entre 2005 e 2011, está publicado e não pode ser negado. Estou por isso com a consciência tranquila quanto a isso. Reconheço que, apesar das suas responsabilidades pela situação a que o país chegou, nomeadamente a falência e o pedido de ajuda externa à troika - e o antigo dirigente socialista ficará historicamente associado, para sempre, a esse episódio negro da nossa história mais recente - Sócrates foi sempre uma espécie de animal político, difícil de bater em situações normais, que esteve praticamente todos os anos em que foi primeiro-ministro sujeito a uma constante pressão mediática devido a uma sucessão de casos que o envolveram, ora sobre a licenciatura, ora sobre os bens da família, ora sobre o controlo de empresas, ora sobre freeport, ora sobre o Face Oculta, etc. O que me intriga - reafirmando que o princípio da presunção da inocência, gostem ou não de ouvir, é sagrado, o que determina que me recuse fazer julgamento na praça pública seja de quem for, incluindo de José Sócrates só porque no plano político estamos em pólos diferentes - é que um político com essa experiência, sujeito como foi a tanta pressão, tenha sido apanhado aparentemente de uma forma banal naquilo que parece ser uma complicada e intrigante teia de interesses e de circulação de dinheiro entre contas e entre bancos, sem que o seu nome seja directamente envolvido.
Sócrates já foi julgado na praça pública, é olhado como um "bandido". É a forma porca de fomentar o juízo sobre pessoas, porque as redes sociais são isso mesmo, um instrumento nojento, demasiado porco (e os meios de comunicação nas suas edições online são muitas vezes inesperados aliados dessa postura absolutamente repugnante) colocado ao serviço dos julgamento "popular" na praça pública, onde se esmaga o carácter de qualquer pessoa sem existirem razões para isso.
Sócrates foi ouvido pelo juíz a quem compete tomar as decisões à luz da justiça e dos códigos em vigor. Certamente que sem ter sido acusado - e Sócrates não foi ainda acusado de nada - não pode estar a ser sujeito ao vergonhoso enxovalho, com motivações políticas e partidárias como é óbvio. As medidas de coação a serem hoje anunciadas podem ser determinantes para que sejam dadas algumas indicações. Mesmo acusado não está condenado. Porque segue-se o julgamento e a sentença do tribunal. Há um longo caminho a percorrer. Obviamente que tudo vai continuar na mesma. Sócrates dificilmente deixará de ocupar as primeiras páginas dos jornais e das televisões e de figurar no discurso dos partidos, sobretudo da direita no poder, que usarão este caso para envolverem indirectamente António Costa e entalarem o PS. É tudo mais do que evidente. Da minha parte uma questão de princípio: recuso fazer qualquer julgamento antecipado de Sócrates, recuso alinhar com as hordas devoradoras e famintas que já se posicionam, acho intolerável a postura de alguns jornalistas (?) que nas reportagens no "Campus" da justiça, massacram as pessoas, incluindo advogados de defesa, com perguntas sobre um processo que está no segredo de justiça e que não pode, não deve, por isso ser divulgado em pormenor. Mas à falta de dados, à falta de notícias e de factos, insistem em perguntas pateticamente feitas como se isso fosse jornalismo, como se fosse por essa via que o jornalismo sai dignificado. Aliás, há "casos" no domínio dos média e sobre este caso que a seu tempo precisam de ser esclarecidos e clarificados, dada as dúvidas que existem sobre muita coisa. Que não aconteceu por acaso.