sexta-feira, julho 26, 2013

FMI quer mais flexibilidade na austeridade...

Segundo o Expresso, num texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues, o Fundo propõe mais "estímulos" monetários por parte do Banco Central Europeu. São as principais recomendações do relatório sobre a zona euro divulgado esta semana. Mais flexibilidade na terapia da austeridade nos países com défices excessivos e mais intervenção "acomodativa" do Banco Central Europeu (BCE) no domínio da política monetária convencional (taxas diretoras) e não convencional, são as duas recomendações mais fortes do Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI divulgou esta semana o relatório sobre as políticas da zona euro, elaborado no âmbito das consultas ao abrigo do artigo IV do Fundo (IMF Country Report 13/231). O trabalho de campo foi realizado até 12 de junho e o relatório terminado a 18 de julho.
As razões das duas recomendações prendem-se com um horizonte mais pessimista traçado pelos técnicos do Fundo. O relatório considera que há um alto risco de estagnação da economia da zona euro no médio prazo, e especialmente nos países da periferia, acompanhado por uma espiral deflacionista nestes países. A crise de crescimento na zona euro aprofundou-se, apesar de terem recuado os riscos extremos de um abalo iminente em virtude de saídas de países membros, ou desintegração mais vasta. A persistência de altos níveis de desemprego e de investimento baixo afetam ainda mais o potencial de crescimento da zona euro, acrescenta o relatório. O Fundo fala de uma "retoma que se esquiva". As autoridades europeias não concordam com a avaliação feita pelo FMI, pois acham que tais riscos de estagnação e deflação são "relativamente baixos", diz o relatório.
O documento do FMI chama, ainda, a atenção para os efeitos negativos nos mercados da dívida da zona euro quando as alterações na política monetária da Reserva Federal norte-americana (FED) se concretizarem efetivamente no sentido de um abrandamento e posterior descontinuidade das medidas de "estímulos" monetários. O choque negativo atingirá sobretudo as yields das obrigações do Tesouro na zona euro, e em particular nos países periféricos, que tenderão a subir, e o stresse regressará ao mercado primário de emissões e ao mercado secundário. A volatilidade dos mercados financeiros estará de volta.
Mais flexibilidade na política de consolidação orçamental
Num horizonte de crescimento medíocre e mesmo de riscos de deflação em alguns países membros do euro, os técnicos do FMI recomendam que "o ajustamento orçamental seja feito a um certo ritmo que evite uma excessiva dragagem do crescimento". Um dos sinais é "o excessivo estrago na procura".
O relatório diz que, de um ponto de vista agregado, de toda a zona euro, a consolidação orçamental já será provavelmente inferior em 2013: deverá ser, em termos estruturais, de 1% do PIB da zona, depois de 1,5% registado em 2012. Apesar desse abrandamento já expectável, "o impacto negativo da consolidação (orçamental) no crescimento poderá atingir, este ano, 1 a 1,25 pontos percentuais". Se as atuais políticas continuarem, a tendência de crescimento de médio prazo do PIB na zona euro será de apenas 1% e a inflação estabilizará em média em torno de 1,5% nos próximos dois anos, "substancialmente" abaixo do "limiar" do mandato do BCE.
O FMI congratula-se com o facto da União Europeia ter vindo a adiar as metas para correção dos défices excessivos nos países infratores. Mas acrescenta que "em virtude das perspetivas fracas de crescimento, essas metas poderão ainda revelar-se extremamente ambiciosas em alguns casos, e por isso mais flexibilidade será necessária, particularmente em países que usem esse espaço orçamental para implementar reformas estruturais ambiciosas (por exemplo, reformas de impostos e de direitos adquiridos) ou recapitalização de bancos viáveis".
A Comissão Europeia terá dito ao FMI que se a situação piorar, "estará preparada para prolongar as metas em conformidade". Refira-se que as autoridades europeias concordaram com o Fundo que há "riscos externos" a ponderar: um abrandamento da procura por parte das economias emergentes que afete a exportação da zona euro; uma queda dos preços das commodities que tenha impacto deflacionário; uma subida das yields de longo prazo que encareçam os custos de financiamento das dívidas soberanas na zona euro.
Ajustamento competitivo duvidoso
Esta ponderação do "ritmo do ajustamento" é tanto mais necessário quanto o relatório do FMI verificou que o ajustamento competitivo nos países periféricos é duvidoso. "Há evidência muito limitada de que tenha ocorrido uma realocação de recursos entre sectores (de atividade económica)", o que, traduzido do economês, quer dizer que a destruição do tecido económico foi superior à transformação pretendida no sentido de um reforço do sector dos designados bens transacionáveis.
Como o relatório sublinha, apesar da correção dos preços relativos, as melhorias na exportação "estão muito dependentes da procura externa" e são muito determinadas "pela especialização inicial". Apesar dos técnicos do FMI insistirem que é ainda necessário um ajustamento dos preços relativos de mais 5 a 15% nas economias deficitárias, dizem logo a seguir que é necessário "subir na cadeia de valor" e diminuir os constrangimentos no crédito às PME nos sectores de bens transacionáveis. O ajustamento nos deficitários é, também, prejudicado por não ter havido um "ajustamento simétrico nos países excedentários".
MAIS FLEXIBILIDADE DA POLÍTICA DO BCE
Outro aspeto importante deste relatório diz respeito às recomendações de política monetária com destinatário no Banco Central Europeu (BCE), e sobretudo nos opositores dentro do banco central às políticas "acomodativas" seguidas por Mario Draghi. O FMI reforça a posição política do italiano presidente do banco central.
O relatório é publicado numa semana em que se comemora o anúncio, em Londres, por Mario Draghi, a 26 de julho do ano passado - precisamente há um ano -, no prelúdio dos Jogos Olímpicos, de que tudo iria fazer para preservar o euro e que o BCE lançaria um instrumento de política monetária não convencional que "acreditem, será suficiente", como sentenciou. Esse programa seria batizado, em agosto de 2012, de OMT (possibilidade de compra ilimitada de obrigações do Tesouro até três anos no mercado secundário da dívida). Um programa que nunca foi concretizado, mas que serviu, como diz o relatório do FMI, para inverter a espiral das yields das obrigações dos periféricos, de que os principais beneficiários foram os países resgatados (Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha) e ainda Itália e Eslovénia (que se livrou de um pedido de resgate).
No entanto, como sublinha o relatório, esse efeito positivo de um programa - que não passa de um anúncio - pode ser liquidado, num ápice, pela alteração de política monetária da FED nos Estados Unidos. Não admira, por isso, que, recentemente, a 4 de julho, Draghi tenha respondido a essa ameaça, dizendo que "a nossa política monetária continuará acomodativa pelo tempo que for necessário". Esta promessa de Draghi vai no sentido da recomendação geral do FMI para um papel ainda mais atuante do BCE, tanto mais que mudanças institucionais cruciais na União Europeia são de uma enorme lentidão.
Corte nas taxas diretoras
O FMI advoga que o BCE explicite a sua estratégia, a sua "orientação futura", como o fez a 4 de julho, rompendo de vez com a orientação de nunca abrir o jogo defendida por Jean-Claude Trichet, o anterior presidente do banco central. A nova linha de comunicação adotada a 4 de julho "ajuda a ancorar as expetativas das taxas de juro e a reduzir a incerteza no financiamento".
Por outro lado, incentiva o BCE a ir ainda mais longe na política monetária convencional que se centra nas taxas diretoras, incentivando-o a "mais cortes nas taxas, incluindo taxas negativas para os depósitos". Isso ajudará a procura e contrairá as tendências deflacionistas, diz o FMI. No âmbito de medidas não convencionais, os técnicos do Fundo sugerem novas operações de financiamento de longo prazo (conhecidas pelo acrónimo LTRO) do sistema bancário (que seja solvente), incluindo focalizadas no problema do financiamento às PME, ou mesmo de compra direta seletiva de ativos privados.