sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Opinião: "Os mercados"

"A esmagadora maioria dos portugueses ouve falar em "mercados", no alegado sucesso de um falso "regresso aos mercados" e não percebe patavina. Melhor dizendo, está-se borrifando para esses maquiavelismos próprios do capitalismo selvagem que aos poucos se vai apoderando das sociedades e dos processos de decisão, particularmente os de natureza política, que manipula mercados, instituições e pessoas, que controla o financiamento dos estados, que regula os jogos da banca, fomenta e incentiva os especuladores dos mercados, etc.
Mas a verdade é que, no quadro atual de funcionamento dos mercados europeus, particularmente do financiamento dos estados, este ensaio de um futuro regresso aos mercados do nosso país - esse sim, de facto, na sua plenitude, por mérito próprio, sem almofadas - acabou por correr bem, porque a procura superou a oferta. Portugal pretendia financiar-se em 2 mil milhões de euros neste primeiro ensaio, mas acabou por reforçar em mais 500 milhões de euros a oferta, aproveitando a onda favorável que a operação propiciou.
Tal como referiu um jornalista do Público, “Portugal conseguiu colocar nos mercados mais dívida pública do que aquela que tinha inicialmente como objetivo, com uma procura mais de quatro vezes superior, e uma taxa inferior a 5%. Dadas as circunstâncias, os resultados dificilmente poderiam ter sido melhores, mas o grande desafio permanece: será que Portugal consegue, com este tipo de taxas de juro e recorrendo em exclusivo ao financiamento dos mercados, garantir que a sua dívida pública desce para níveis mais sustentáveis ou, no mínimo, estabiliza?”. E sublinha: “FMI, com um cenário de taxas de juro crescentes e um crescimento nominal da economia a situar-se a prazo nos 4% (2% em termos reais), acredita que a dívida pode cair dos atuais 120% do PIB para 84,1% em 2030. Para que isso aconteça, o excedente orçamental primário teria de andar, já a partir do próximo ano, sempre acima dos 2%, um esforço de consolidação orçamental permanente, que seria absolutamente inédito na democracia portuguesa”.
Convém lembrar que esta operação foi conduzida por 4 bancos – só um deles português - e que entre outros riscos estes ficavam na obrigação de assumir, cada um deles, uma parcela de 500 milhões de euros, caso este ensaio tivesse corrido mal por falta de procura de interessados. Aliás, recordo que os quatro bancos de investimento responsáveis pelo “regresso” de Portugal aos mercados de dívida de médio e longo prazo, encaixaram 12,5 milhões de euros em comissões, numa operação que permitiu que investidores estrangeiros tenham absorvido 93% da dívida emitida pelo Estado (apenas 7% foi absorvida por portugueses,175 milhões de euros).
Sublinhe-se contudo que dois fatores foram determinantes para os resultados obtidos: o primeiro, o da articulação combinada entre Portugal e a Irlanda para uma estratégia comum de "pressão" junto da Comissão Europeia para dilatar os prazos de pagamento das parcelas dos empréstimos contraídos no âmbito do memorando de entendimento; em segundo lugar, a política adotada pelo Banco Central Europeu e pelo seu Presidente, o italiano Draghi, relativamente às dívidas soberanas, e que tantas vezes foi criticado por alguns, incluindo a Alemanha e, paradoxo dos paradoxos, também por Passos Coelho e Gaspar. O absurdo é que estes dois tipos recusaram sempre qualquer protelamento do prazo dado a Portugal para cumprir o pagamento da sua dívida...
Recordo que em Junho do ano passado, Coelho disse que não concordava com a compra de dívida soberana por parte do Banco Central Europeu, sublinhando na Assembleia da República estar contra "a medida anunciada por Mário Draghi e que tem sido colhida como uma tábua de salvação para Portugal, permitindo aliviar a pressão sobre os juros da dívida"! Claro que apesar de ter “atraído mais investidores do que a emissão feita pela Irlanda, que também fez também neste mês o seu regresso aos mercados, Portugal pagou um juro superior aos irlandeses”
O governo português, há que dizê-lo, acabou por cumprir as exigências comunitárias para que esta operação se fizesse com sucesso, mesmo que, repito, a reboque da estratégia da Irlanda que assumiu a Presidência da União Europeia este mês. E cumpriu essas exigências à custa do empobrecimento do país e dos portugueses, de mais pobreza e exclusão social, do agravamento da instabilidade social e política, de uma brutal carga fiscal sem comparação e nunca antes vista, de um desemprego que atingiu valores que deviam envergonhar qualquer governante, do roubo sistemático dos salários, das pensões e das reformas, da austeridade imposta aos cidadãos e às empresas que gera um ciclo vicioso quando mais austeridade se sobrepõe à austeridade antes falhada, do sistemático desastre de todas as previsões de Gaspar - como aliás voltou a acontecer - e de malabarismos em torno do "cumprimento" do défice orçamental em 2011 e 2012, este ano ainda pendente, dado que o Eurostat não validou a pretendida inclusão das receitas da privatização da ANA no valor final que confirmou os 5% de défice exigido pela "troika".
Tal como referia esta semana o jornalista Pedro Tadeu, no DN de Lisboa, “olho para as notícias deste Portugal do século XXI e vejo um país de um século passado. Vejo um país onde a desgraça, a má sorte, a fatalidade, o destino, a pesporrência e o corporativismo modelam o empobrecimento geral. É a pobreza que tira meios para defesa contra catástrofes naturais; é a pobreza que sacrifica manutenções básicas de máquinas essenciais; é a pobreza que leva a grandeza de espírito e o sentido de Estado a quem representa esse mesmo Estado; é a pobreza que cria ataques de frenesim autoritário; é a patética pobreza que poupa em cintos de segurança ou cancela obras a meio; é a pobreza que cria a mesquinhez e a avareza. O País está a empobrecer, sim. Mas, mais do que isso, o País está a embrutecer. Porquê? Porquê!?”. É isto mesmo, nem mais, um país que se diverte com a treta dos mercados, com a especulação propagandística que amplia os aspetos positivos – que houve – desta operação de mera cosmética financeira, mas que não resolve um problema que seja do país nem um problema que seja dos portugueses. Provavelmente é essa a intenção subjacente a esta estratégia de hipervalorização de uma questão meramente estratégica, previamente concertada, combinada e garantida.
Finalmente, cito um jornalista do Negócios que ajuda as pessoas a perceber melhor o que realmente está em causa: “Tal como há silêncios ensurdecedores, há vazios que podem esmagar. O período pós-Junho de 2014 é um dos segundos. Por essa altura, o financiamento da troika já terá chegado ao fim e o País será chamado a navegar sozinho nos mercados de capitais. A inquietação é por isso inevitável: será que Portugal, um país pobre e endividado como nunca, agastado política e socialmente após vários anos de austeridade, conseguirá safar-se sozinho perante juros mais altos do que alguma vez pagou na década de estagnação que antecedeu a crise?”
O problema que hoje se coloca é o de saber, atendendo ao facto do governo de coligação insistir na teoria da recuperação do país e na ideia de que a austeridade tem servido para alguma coisa, se tudo isso será conseguido, ou não, com custos demasiado elevados, e qual o estado em que este governo de coligação deixará o país e os portugueses quando for escorraçado do poder, ou pela força do povo ou pela força do voto" (JM)