Opinião: “A nova televisão açoriana”
"Vasco Cordeiro acaba de anunciar o seu projecto para uma nova televisão nos Açores, propondo que a região assuma por inteiro a responsabilidade da nova entidade, desde que o Estado continue a transferir a sua parte das indemnizações compensatórias. Já anteriormente Berta Cabral tinha proposto que a RTP-Açores se transformasse numa empresa totalmente regional, onde também pudessem estar representadas outras entidades, nomeadamente as autarquias e empresas privadas. As duas propostas são de louvar e não me surpreendem. Eu sabia, como aqui escrevi tantas vezes, que um dia os responsáveis políticos desta região iriam "encalhar" nesta solução, porque não restava alternativa. É pena que tenham acordado tarde, porque se perderam muitas oportunidades para reestruturar a fundo a RTP-Açores, aplicando as soluções que agora propõem, mas, como se costuma dizer, "antes tarde do que nunca". É inevitável que os Açores tenham, em pleno século XXI, a sua própria televisão, à semelhança do que já acontece nas regiões mais remotas deste mundo, ou até em bairros, ruas, municípios, cidades, graças ao avanço das tecnologias e da globalização comunicacional. A RTP-Açores que se fundou em 1975 não tem nada a ver com o mundo de hoje. Tudo mudou e o canal açoriano também tem que mudar. O Estado cumpriu o seu papel naqueles anos primórdios, mas agora somos nós, açorianos, que temos que tomar as rédeas do futuro, porque queremos um canal que esteja em todas as ilhas, que reflicta toda a nossa dimensão, próxima das populações, com transmissão simultânea nas comunidades da diáspora e no Continente e com uma programação essencialmente regional de manhã até à noite. Temos bons profissionais, temos uma forte experiência de 37 anos, temos um arquivo histórico riquíssimo, temos todas as bases para dar o salto que se deseja há longo tempo; só falta o investimento que Lisboa suspendeu nos últimos dez anos, deixando apodrecer instalações e equipamentos e ignorando a reestruturação a que tínhamos direito (à semelhança dos outros canais do Grupo RTP). Só a RTP-Informação sofreu três reestruturações e a grande parte da modernização dos canais de países africanos de língua portuguesa foram à custa de investimento da RTP e do governo português. Os Açores foram ignorados durante todo este tempo, apesar dos inúmeros estudos efectuados por entidades independentes, por encomenda da própria RTP, e que as sucessivas administrações puseram sempre na gaveta. Um destes estudos, da consultora "Boston Consulting", já em 2003, apontava para um forte investimento em novas tecnologias e a construção de novos estúdios, num novo edifício que incluísse a RDP, num investimento avaliado em cerca de 2 milhões de euros. Foi pedida a colaboração da Secretaria Regional de Obras Públicas para uma avaliação dos edifícios da RTP na Rua Ernesto do Canto, tendo-se chegado a um valor praticamente idêntico (sem contar com o edifício da RDP). Vendeu-se o edifício da Direcção da RTP-A na Rua Ernesto do Canto com este objectivo. Já lá vão quase cinco anos, Lisboa ficou com o dinheiro da venda e investimentos nos Açores... zero!
Já aqui escrevi que refundar a RTP-Açores é um dever e uma obrigação do país e da região. Nestes termos, uma nova RTP-Açores passa, a meu ver, por três acções essenciais:
- Reconfiguração do financiamento de serviço público do audiovisual na região e um novo modelo de gestão, assegurado totalmente pelos Açores, sem cortar o cordão umbilical com o Grupo RTP;
- Construção de um novo edifício, com novos estúdios, dotados de tecnologia digital, que albergue a RTP, RDP e Lusa; Dotar as Delegações de novas tecnologias e correspondentes a tempo inteiro nas restantes ilhas;
- Grelha essencialmente regional, reflectindo a realidade das 9 ilhas, e restantes conteúdos com base num intercâmbio com canais insulares e das comunidades da diáspora, com transmissão nas operadoras de cabo no território continental e por satélite para as Américas, com um departamento comercial próprio e autonomizado no que toca à publicidade, trocas comerciais, patrocínios e merchandising. Não se trata de transferir custos para a região, mas sim ampliar o conceito de serviço público, numa base de consenso entre a Região e o Estado, com benefício para as populações insulares.
A RTP-Açores provou ao longo destas três décadas que é capaz de assumir o papel de agente aglutinador da açorianidade, veículo de conhecimento e factor de união entre as nossas comunidades.
Como muito bem analisou o antigo Presidente da RTP que melhor percebeu o alcance da televisão açoriana, João Soares Louro, "depois do mar, da religião e da língua, terá sido o meio televisivo aquele que mais contribuiu para a unidade e identidade da região açoriana (…). A TV nos Açores tem contribuído para transformar a história desta região, constituindo-se num agente da sua redescoberta (se o termo é legítimo) interna e externa, num duplo investimento onde coexistem a diversidade e a unidade, os valores do passado e do futuro".
Como também alguém disse, foram anos de luta, sacrifícios e muito pioneirismo para ultrapassar os inúmeros obstáculos, numa caminhada que se confunde com o projecto autonómico dos Açores. Agora, há que adaptá-la aos novos tempos, colocando-a mais próxima dos cidadãos, despolitizando-a, projectando-se em todas as ilhas e modernizando-se com novos conteúdos e formatos inovadores, dando assim uma dinâmica mais consentânea com a sua responsabilidade de serviço público regional. Uma televisão que seja cada vez mais "a nossa televisão" (texto do jornalista Osvaldo Cabral, no Correio dos Açores, com a devida vénia)
Sem comentários:
Enviar um comentário