quinta-feira, março 01, 2012

Correia de Campos: "Governo não se pode agachar" nas negociações com a Roche

Segundo o Dinheiro Vivo, "a Roche deve pensar muito bem no seu bom nome e prestígio antes de avançar com a ameaça de suspender a venda a crédito de medicamentos aos hospitais, disse ao Dinheiro o ex-ministro da Saúde Correia de Campos. Na sua opinião, o Governo não é o único a ser prejudicado por esta decisão. É evidente que existe um custo político, pelo impacto causado na população da notícia de uma possível rutura de um medicamento -, mas "a história que fica conta". E acrescenta: "A situação de monopólio de determinada farmacêutica pode manter-se por uns tempos, mas terminará e aí a atitude do comprador, o Estado português, poderá mudar, a relação de aceitabilidade deixa de ser a mesma". Na segunda-feira, a Roche Farmacêutica suspendeu o pagamento a crédito a 23 hospitais públicos com dívidas há mais de 500 dias. Através de comunicado, o laboratório lembra que "os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) acumulam já uma dívida à Roche Farmacêutica superior a 135 milhões de euros", além de juros de mora no valor de seis milhões de euros, e um atraso médio no pagamento superior a 420 dias. "Uma empresa que faz um anúncio destes corre muitos riscos", adianta o ex-ministro de Sócrates. É que, mesmo quando há dinheiro, a gestão de prioridades pode ser-lhe prejudicial. Ainda assim, para Correia de Campos, as ameaças devem ser levadas a sério, até porque este é o primeiro caso, mas o Governo deve fazer entender aos fornecedores que eles também dependem das suas vendas. "O comprador não se pode agachar nem humilhar neste processo negocial, tem que haver um equilíbrio", disse o ex-ministro de Sócrates. A afetação, por parte do Governo, de 1.500 milhões de euros para as dívidas na Saúde será importante para resolver os problemas mais prementes de muitos hospitais. Os pagamentos serão feitos de forma faseada e a partir de Abril, logo após parecer positivo da Inspeção-Geral de Finanças. Mas a verdade é que neste imbróglio de dívidas - segundo a Apifarma, os hospitais do Serviço Nacional de Saúde deviam à indústria farmacêutica, em Dezembro do ano passado, 1270 milhões de euros -, a responsabilidade também é dos próprios hospitais. Correia de Campos é muito crítico em relação à política de compra de medicamentos de muitos hospitais portugueses."A compra acrítica de medicamentos por quem não sabe se à sua frente tem ou não um produto inovador é uma das principais causas" da dívida colossal dos hospitais à indústria farmacêutica.A decisão de compra é, geralmente, feita pelos diretores de serviço dos hospitais, que não sabem comprar, recebem a informação apenas do vendedor, o que faz com exista "uma grande complacência em relação à suposta inovação terapêutica. E nem tudo é inovação", explicou ao Dinheiro Vivo o ex-ministro da Saúde Correia de Campos. A prioridade deve ser, por isso, a organização das estruturas intermédias dos hospitais porque não haverá gestor hospitalar, por muito bom que seja, que consiga controlar a compra de todos os produtos. "Um hospital é uma empresa multiproduto, multiprofissional e, em cada caso, é necessário fazer uma avaliação económica no contexto hospitalar", explica. No Reino Unido, por exemplo, há uma entidade que se dedica a isso, em Portugal falta-nos uma assim. Quem decide a compra deve saber avaliar a inovação, bem como outros aspectos, e neste momento, não sabe, segundo Correia de Campos. Outras explicação para a dívida exponencial dos hospitais é, que para além da crise, existe uma constante suborçamentação. "É um vício crónico de há 30 anos. Os hospitais limitam-se a fazer orçamentos que encaixem naquilo que as Finanças dizem poder ser e que nunca chega. Muitas vezes as correções são piores de resolver", disse".

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